Acórdão nº 322/20 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | Cons. Gonçalo Almeida Ribeiro |
Data da Resolução | 25 de Junho de 2020 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 322/2020
Processo n.º 30/2020
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente a. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 24 de outubro de 2019.
2. Pela Decisão Sumária n.º 124/2020, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«4. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é sindicada pelo recorrente.
No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se encontra preenchido.
O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, «segundo o qual “Para efeitos de punição do concurso de crimes na medida da pena deverá ser aplicado o usual critério jurisprudencial de somar à parcelar mais grave um terço das restantes”».
Acontece que na decisão recorrida não se aplicou norma alguma nos termos da qual a determinação da medida concreta da pena única conjunta, para efeitos de punição do concurso de crimes, resulta da soma de um terço das várias penas parcelares à pena parcelar mais elevada. Com efeito, nela se rejeitou expressamente tal critério, tendo-se antes ponderado aspetos atinentes à homogeneidade dos tipos-de-ilícito em causa e dos bens jurídicos inerentes, ao período temporal em que ocorreram, à dispersão territorial das condutas, ao alarme social causado, bem como à personalidade do arguido, tal como revelada no seu percurso de vida com pertinência criminal e prisional.
Assim, é de concluir que a norma que constitui objeto do presente recurso não foi aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, justificando-se a prolação da presente decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»
3. De tal Decisão Sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, apresentando a seguinte argumentação:
«A., arguido/recorrente nos autos supra referenciados e nos mesmos melhor identificado, tendo sido notificado de douta decisão sumária proferida, com o n.º 124/2020, no sentido de não tomada de conhecimento do recurso interposto, vem, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (doravante LTC brevitatis causa), apresentar
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
nos termos e com os seguintes
FUNDAMENTOS:
I) Considerações gerais
Mediante douta decisão sumária, proferida pelo Ex.mo Juiz Conselheiro relator, foi decidido não se tomar conhecimento do objeto do recurso apresentado pela alegada inviabilidade recursória em razão do enunciado não corresponder ao critério normativo da decisão recorrida.
Ora, tal douta decisão não deixa de ser curiosa e surpreendente (por não precedida de qualquer notificação nesse sentido, a deixar prever tal possibilidade!) na sua fundamentação, ainda que em termos manifestamente claros e perfeitamente inteligíveis.
Todavia, a não se tratar da sindicância de fiscalização preventiva, como poder ver a completa separação face à concreta decisão judicial, quando é a própria norma legal inerente à admissibilidade de recurso (art. 70º n.º 1 in fine LTC) a expressamente referir que o recurso é das decisões dos Tribunais?!
II) Da opção pela decisão sumária e (des)proporcionalidade
Primeiramente, e antes de mais, tecer unicamente umas singelas palavras sobre a opção pela decisão sumária, prévia ao oferecimento de alegações ou qualquer contraditório.
Em modesto entender do signatário, trata-se de uma restrição desproporcionada dos direitos do recorrente, presidindo ao recurso apresentado unicamente o sentimento de injustiça e de disformidade face a um Direito penal justo e processualmente conforme.
Houvesse oportunidade de se ter oferecido alegações, como expressamente se manifestou tal intenção no requerimento de recurso, para efeitos de melhor corporalizacão dos fundamentos e razões inerentes ao mesmo, muito provavelmente teriam sido dissipadas as dúvidas e lapsos em que navega a douta decisão sumária...
Em alternativa ao uso de tal meio desproporcionado sempre deveria/poderia o Tribunal ter feito uso da prerrogativa plasmada no n.º 5 do art. 75º-A da Lei do Venerando Tribunal Constitucional por forma a que o recorrente suprisse qualquer eventual lacuna ou aperfeiçoasse o teor do requerimento.
Ter-se-ia toda a cooperação processual para eliminar qualquer requisito que faltasse pois afigura-se inequívoco para o recorrente que se pretende um efetivo controlo de constitucionalidade com natureza normativa, pois a própria generalização isso mesmo atesta para além de qualquer dúvida razoável.
Na verdade, em matéria de privação de direitos, esta só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade, proibição do excesso ou da racionalidade).
Todavia, para que não restem/hajam dúvidas, não se defende em abstrato nenhum direito subjetivo a apresentar alegações e aceita-se que em certos casos, por questões de celeridade processual, manifesta simplicidade ou ostensiva preterição dos requisitos legalmente fixados para a admissibilidade recursória, deva mesmo ser adotada tal solução decisória após prévia notificação de tal possibilidade e convite ao aperfeiçoamento.
Aquilo que se discute, e discorda, é o facto de no presente caso se não mostrarem verificados tais requisitos para a prolação decisória na forma como a mesma foi feita e que, cumulativamente, radique a mesma numa errada valoração de uma ausência de natureza normativa, ponderação e análise do objeto recursório!
Ademais, mostra-se vertido no n.º 2 do art. 78º-A que a decisão sumária que radique na não indicação integral dos elementos exigidos pelos n.os 1 a 4 do art. 75º-A LTC terá de ser necessariamente precedida de notificação nos termos dos n.os 5 e 6 de tal norma.
In casu inexistiu qualquer notificação nesses precisos termos, desde iá se alegando preterição de tal formalidade e tendo a douta decisão sumária por contra legem e constituindo manifesta decisão-surpresa!
Ora, tal exigência ter-se-á de mostrar incluída na exigência de tais requisitos objetivos de cognição e admissibilidade recursória!
Assim, apenas poderia ocorrer decisão sumária sempre e quando previamente fosse o arguido convidado a aperfeiçoar o teor do requerimento de recurso apresentado ou, no limite, notificado para se pronunciar sobre tal possibilidade.
Não é outra a interpretação possível do n.º 2 do art. 78º-A LTC, uma vez que apenas refere tal possibilidade de decisão sumária sempre e quando i) tendo havido notificação nos termos e para efeitos do art. 75º-A LTC II) não tenha havido indicação integral pelo recorrente dos elementos exigidos pelos n.os 1 a 4 de tal norma.
Sendo tais requisitos cumulativos, impondo-se o primeiro deles, na sua ausência a conclusão a tirar é a da inadmissibilidade de decisão sumária sem o tal convite prévio!
Tem-se por inconstitucional a dimensão normativa e...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO