Acórdão nº 0820/19.2BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução01 de Julho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A………………… Lda.

, melhor identificada nos autos, visando a revogação da sentença de 24-11-2019, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente o recurso de contra-ordenação interposto, mantendo a decisão de condenação no pagamento da coima de 2.238,89€, e custas processuais no valor de 76,50€, relativas à autoria do ilícito fiscal por falta de entrega da prestação do IVA.

Inconformada, nas suas alegações, a recorrente A…………….. Lda. Formulou as seguintes conclusões: “1.º A Arguida apresentou o respetivo recurso contraordenacional, ao abrigo do artigo 80.º do Regime Geral das Contraordenações, por via eletrónica com assinatura digital, no dia 14-08-2019.

  1. No corpo do próprio texto do recurso, a Arguida invocou a nulidade da decisão contraordenacional porque nunca tinha sido notificada do auto de notícia.

  2. A referida nulidade foi indeferida, porquanto o Tribunal recorrido entendeu que a arguida não tinha que ser notificada do auto de notícia.

  3. A dita notificação é essencial, já que permite ao arguido contraordenacional aferir o respeito pelas atribuições e competências do respetivo autuante e pessoa coletiva pública.

  4. Vale isto por dizer que em toda a fase organicamente administrativa, a arguida nunca pôde aferir das atribuições e competências do órgão e do agente administrativo que criou o referido auto de notícia.

  5. Aliás, tais dúvidas permanecem, atenta a impossibilidade genérica de delegação de competências, prevista no artigo 34.º, número 2 e 3, a contrario do Regime Geral das Contraordenações e do artigo 59.º, alínea l do Regime Geral das Contraordenações.

  6. De resto, já este Supremo Tribunal se pronunciou em semelhante sentido, no acórdão de 30-05-2018, processo n.º 0269/18, disponível no sítio em linha www.dgsi.pt 8.º Desta forma, o auto de notícia presente nos autos (essencial à decisão recorrida) é prova proibida, por violação dos direitos de defesa da Arguida, o que provoca a nulidade da sentença, por força do artigo 122.º, número 1, artigo 379.º, numero 2 e artigo 412.º, número 3, todos do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, por força do art.º 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

  7. Nestes termos, tendo o Tribunal recorrido admitido como válida uma prova proibida, a douta sentença incorre no vício de direito, o qual gera a nulidade da sentença, o que se invoca.

  8. O princípio da publicidade implica que qualquer ato derivado dos poderes públicos não produza efeitos enquanto o respetivo destinatário não o conhece ou não tem a possibilidade de o conhecer (1).

  9. Nesse sentido, há uma proibição de atos secretos dos poderes públicos (geheime Agieren der Verwaltung) dotados de eficácia externa.

  10. A notificação consiste no instrumento formal e oficial que possibilita a produção de efeitos de um ato cujo destinatário está devidamente individualizado. Assim, nos atos administrativos, tendo em conta que o destinatário está, em regra, individualizado, o princípio da publicidade obriga que, para que não haja atos secretos, o ato seja levado ao conhecimento do destinatário determinado através da notificação.

  11. Por força do artigo 268.º, número 3 da Constituição, a notificação não deve limitar-se a dar conhecimento da existência de determinado ato, mas deve igualmente incluir a totalidade do ato comunicado.

  12. O conteúdo da notificação há-de ser, por isso, o próprio ato.

  13. O ato que está a ser notificado tem de acompanhar obrigatoriamente a própria notificação – só assim se garante que o ato chegou à esfera de cognoscibilidade média do destinatário.

  14. O Tribunal recorrido, no ponto 4 dos factos provados da douta sentença, dá como provado que a autoridade administrativa praticou uma decisão contraordenacional que foi notificada à arguida.

  15. Para surpresa da Arguida – e permita-se o desabafo, não se olvida que também será a surpreendente para este Supremo Tribunal, a Arguida nunca recorreu da decisão referida no ponto 4 dos factos provados.

  16. A Arguida nunca foi notificada de outras decisões contraordenacionais, com outras fundamentações (“atos de ocultação, benefício económico, frequência da prática, negligência, obrigação de não cometer a infração, situação económica e financeira, tempo decorrido desde a prática da infração.

  17. Na decisão de que a Arguida recorreu não havia uma linha que provasse qualquer imputação subjetiva.

  18. Em suma, a Arguida foi notificada de uma decisão contraordenacional, recorreu da mesma, e foi surpreendida na decisão judicial ora recorrida com outra decisão contraordenacional, porventura mais fundamentada.

  19. Não deixa de ser aliás paradigmático que a decisão contraordenacional que o Tribunal recorrido suportou o seu entendimento tenha a data de 21-08-2019, e o recurso contraordenacional tenha dado entrada nos serviços competentes no dia 13-08-2019 – oito dias antes.

  20. Assim sendo, como se julga ser claro, não podia o Tribunal recorrido fundamentar a sentença numa decisão contraordenacional que à data do recurso contraordenacional, não existia; e de que a Arguida não recorreu.

  21. Exatamente nestes termos, veja-se a jurisprudência deste Supremo Tribunal, de 18-04-2018, processo n.º 0137/18, disponível no sítio em linha www.dgsi.pt..

  22. Desta forma, as decisões contraordenacionais (essenciais à decisão recorrida) são prova proibida, por violação dos direitos de defesa da Arguida e do princípio da publicidade, o que provoca a nulidade da sentença, por força do artigo 122.º, número 1, artigo 379.º, número 2 e artigo 412.º, número 3, todos do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, por força do art.º 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

  23. Nestes termos, tendo o...

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