Acórdão nº 0544/15.0BECBR 01234/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução01 de Julho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1– Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A…………., Lda.

, melhor identificada nos autos, visando a revogação da sentença de 28-07-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou totalmente improcedente a impugnação que deduzira contra as liquidações oficiosas de contribuições para a Segurança Social, dos anos de 2013 e 2014, no valor total de € 759.229,80.

Não se conformando, nas suas alegações, formulou a recorrente A………., Lda.

as seguintes conclusões: “i) Para efeitos de determinação do direito a ajudas de custo dos trabalhadores privados ou no exercido de funções públicas há que distinguir entre trabalho prestado pelos trabalhadores dentro do país e o trabalho prestado no estrangeiro; ii) O direito a ajudas de custo por trabalho prestado dentro do país rege-se pelo disposto nos art.°s 1.º e 2.º DL. n.° 106/98, de 24/04, sendo esse direito a ajudas de custo definido em função do domicílio necessário do trabalhador; iíi) Porém, o trabalho prestado pelo trabalhador no estrangeiro rege-se pelo disposto nos art.ºs 1.º e 2.º do DL. n.° 192/95, de 28/07, sendo o conceito de domicílio necessário alheio a este regime; iv) O referente, no caso de trabalho prestado no estrangeiro, para efeito de aplicação das regras de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro é o país de residência dos trabalhadores contratados a partir do qual se deslocam e não o domicílio necessário definido no art° 2.° DL. n.° 106/98, de 24/04 relativamente ao trabalho prestado dentro do país; v) Para a definição daquele referente é inócuo que o contrato de trabalho firmado entre as partes seja pelo tempo correspondente a uma certa empreitada e que o local de trabalho ajustado para a prestação desse trabalho segundo o contrato seja apenas no estrangeiro, nos termos constantes do probatório da decisão recorrida, mas apenas que os trabalhadores se desloquem do país da sua residência para o estrangeiro; vi) Não dispondo a recorrente de sede, sucursal, estabelecimento ou qualquer estrutura jurídica organizacional no estrangeiro, concretamente em …………, Bélgica, sendo ela uma empresa nacional e sendo os trabalhadores por si contratados e pelo pagamento de cujas remunerações está obrigada (que não a empresa belga contra-parte no contrato de empreitada) residentes em Portugal, verificam-se todos os pressupostos materiais e legais para que o trabalho prestado no estrangeiro justifique a aplicação do regime de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro.

Termos em que e nos mais de direito, devem Vossas Excelências julgarem provido este recurso e, consequentemente revogarem a sentença recorrida, proferindo douto acórdão que julgue a impugnação procedente com todas as legais consequências.” Houve contra-alegações em que o recorrido Instituto de Segurança Social, I.P.

conclui da seguinte forma: “I. Em Fevereiro de 2012, a Recorrente alargou o seu objecto social à serralharia civil, fabricação de estruturas e elementos similares em metal e construção e reparação de embarcações metálicas. Nessa sequência, passou a fornecer à empresa francesa B……., mão-de-obra à hora para realização de uma empreitada em ………., Bélgica, pelo que celebrou contratos de trabalho a termo incerto com vários trabalhadores (cerca de 80 em 2013 e 100 em 2014) com as categorias profissionais de soldadores, eletromecânicos, montadores e encarregados.

  1. Foi esclarecido em sede de fiscalização que todos os trabalhadores contratados para executar a prestação de serviços para a empresa francesa B………….., assinaram contratos com o mesmo clausulado, e que bem sabiam, na data de celebração do contrato, que o local de trabalho habitual seria …………, na Bélgica. Verificou-se ainda que, efectivamente, todos prestaram serviço unicamente naquele local — ………… (Bélgica) -, única empreitada em curso naquela data.

  2. Foi também apurado que durante todo o tempo em que vigorou o contrato de trabalho, os trabalhadores receberam o vencimento base, acrescido de subsídio de férias, subsídio de Natal e ajudas de custo e que os montantes processados a título de ajudas de custo, relatados nos mapas intitulados “mapas de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, eram calculados com base na informação relativa à assiduidade dos trabalhado recebida, por e-mail, do supervisor da empreitada residente na Bélgica, IV. As ajudas de custo eram processadas em função dos dias em que o trabalhador esteve a prestar trabalho na Bélgica, independentemente de se tratar de dia útil ou dia de descanso semanal, exactamente nos mesmos termos como era efectuado o pagamento da retribuição V. Não basta a mera qualificação de determinado montante como “ajuda de custo”, para que assim fique excluído de base de incidência quer para efeito de segurança social, quer para efeitos fiscais. Com efeito, importa apurar se o montante qualificado como “ajuda de custo” corresponde à situação factual que justifica o pagamento, ou seja, se efectivamente existiu deslocação do local de trabalho habitual a serviço da entidade empregadora.

  3. Encontra-se demonstrado que não existiu assim qualquer deslocação ao serviço da entidade empregadora, ora Recorrente, porque os respectivos trabalhadores tinham como local habitual de trabalho (domicílio necessário) a localidade de ……….., na Bélgica.

  4. Os trabalhadores não foram incumbidos pela Recorrente para se deslocarem temporariamente a outro local, que não estivesse contratualmente fixado, para aí, excepcionalmente, desempenharem quaisquer tarefas inerentes às suas funções, findas as quais regressariam, depois de certo período, ao seu local de trabalho para onde foram inicialmente contratado.

  5. Os trabalhadores apenas se deslocaram das suas residências em Portugal para ………., Bélgica, contratualmente fixado como o seu local de trabalho, e não se encontra comprovada qualquer deslocação relativamente ao local de trabalho contratualmente fixado, a saber, ………, Bélgica.

  6. Assim, não obstante a designação de “ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, em bom rigor, os montantes em causa não têm natureza compensatória, mas sim remuneratória, devendo ser base de incidência de contribuições para a segurança social, nos termos dos artigos 44.°, 46.° e 47.° do CRC.

  7. Neste sentido, concluiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 296/2004, proferido no processo n.° 190/04, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no processo n° 00598/03, de 11/11/2003, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.° 01006/04,6BEBRG, de 08/11/2007.” Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso e que se transcreve na parte que interessa: “(…) II. 1. Como já assinalámos supra, a Recorrente veio estribar a sua discordância da sentença recorrida no facto de ter aplicado o conceito de “domicílio necessário”, em função da noção que dele nos dá o artigo 2.º do já citado Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, nos termos do qual: “Sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo: a) A localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior; c) A localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções”.

    Insurgiu-se, pois, a Recorrente, quanto a este entendimento, pugnando pela aplicabilidade, tão-somente, do Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho, que regula a atribuição de ajudas de custo por deslocações em serviço público ao estrangeiro e no estrangeiro.

    Ora, na ótica do Ministério Público, o tribunal a quo fez uma correta e adequada interpretação do regime legal aplicável, ao pôr ênfase na causa que determinou a atribuição das ajudas de custo, a saber, a deslocação temporária do trabalhador do seu local de trabalho, ao serviço e por conta da entidade patronal e, outrossim, a finalidade que presidiu a essa atribuição, justamente a compensação do beneficiário por despesas que não teria feito, se não ocorresse essa deslocação.

    Na verdade, nada obsta, antes se impõe o recurso ao aludido conceito de “domicílio necessário”, deste modo conjugando e compatibilizando as disposições legais que prevêem o regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional, com as que contemplam a atribuição de ajudas de custo por deslocações do referido pessoal em serviço público, ao estrangeiro e no estrangeiro.

    Na verdade, a unidade do sistema jurídico e a consideração do bloco de legalidade vigente, nesta específica matéria, postulam a aplicação de um regime com pressupostos legais idênticos, quer o pessoal da Administração Pública se desloque em serviço público em território nacional, quer ao estrangeiro e no estrangeiro.

    Acresce que o legislador, no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, assumiu, expressa e inequivocamente, que adotou o conceito de domicílio necessário consagrado no artigo 87.° do Código Civil, importando, assim, essa noção do direito privado.

    Ademais, ao assim decidir, a julgadora do TAF de Coimbra ponderou o contributo, para a solução desta vexata quaestio, dado pela jurisprudência constante e uniforme dos tribunais superiores desta jurisdição, mormente, do TCA Norte e do TCA Sul.

    Na verdade, a título exemplificativo, no mesmo sentido da sentença em crise, o Ministério Público chama à colação, v. g., os Acórdãos do TCA Norte, tirados em 02/02/2017, no Processo n.º 00512/04.7BEPNF, de 08/11/2007, no Processo n.º 01006/04.6BEBRG e de 14/10/2004, no Processo n.° 00140/04 (todos disponíveis in www.dgsi.pt, tal como os que iremos mencionar, de seguida).

    Por seu turno, sufragando a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT