Acórdão nº 01517/16.0BELRS 01037/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelNEVES LEITÃO
Data da Resolução01 de Julho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1. RELATÓRIO 1.1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 3 março 2017 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………….

ASSET MANAGEMENT – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO, SA, S.A., contra liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios no montante global de €.1 274 211,63 (exercício de 2011).

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões: A. Salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao considerar que o pagamento de indemnização para ressarcimento das perdas resultantes do excesso do limite de investimento definido para o Fundo A………… Global se insere no âmbito da actividade da Sociedade Gestora e como tal, enquadra-se no âmbito do artigo 23.º do CIRC e que o pagamento de indemnizações tem origem na violação de normas contratuais, não lhe sendo aplicável o artigo 45.º do CIRC. Ora vejamos.

  1. A Fazenda Pública não aceita a dedutibilidade dos encargos com o pagamento de indemnizações para ressarcimento das perdas resultantes do excesso do limite de investimento definido para o Fundo A………… Global ao abrigo do artigo 23.º do CIRC por se considerar que «os comportamentos violadores dos regulamentos de gestão dos fundos, nomeadamente da política de investimentos, não podem ser considerados como indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.» C. De acordo com a doutrina nacional e jurisprudência, para efeitos de qualificação de uma despesa como indispensável não basta que a mesma se subsuma no escopo societário ou que seja conexa com a actividade desenvolvida, devendo, antes, aferir-se casuisticamente, se de facto o custo é ou não indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

  2. Isto é, para que um gasto assuma a natureza de (in)dispensável, exige-se que este, para além de ser contraído no âmbito da actividade empresarial, vise ainda a prossecução do interesse da própria empresa.

  3. No caso vertente, os gastos em crise respeitam ao pagamento de indemnizações para ressarcimento das perdas resultantes da não observância pela Impugnante das regras definidas pela Política de Investimento do Fundo - violação do limite de investimento definido no Relatório de Gestão do Fundo A………… Global ( «Tendencialmente, o Fundo investirá cerca de 25% do seu activo em acções, não existindo limite mínimo e tendo como limite máximo 60%»).

  4. Ora, qualquer desvio às normas de constituição e funcionamento da actividade do Fundo, pela sociedade que o gere, não pode ser considerado como enquadrado no âmbito de actuação da actividade desta nem no seu interesse (nem do Fundo).

  5. É que, tratando-se de operações financeiras não permitidas pela actividade definida e legalmente autorizada no âmbito do Fundo, a qual, por sua vez define a actividade de gestão da Impugnante, estas não foram contraídas no interesse da actividade desta última.

  6. Estamos perante uma conduta que não é, nem pode ser, considerada como sendo susceptível de ser praticada pela Impugnante no exercício da função que lhe foi confiada, ultrapassando necessariamente o próprio conceito legal de desempenho profissional.

    I. Com certeza que a violação do regulamento de gestão do Fundo A………… Global que administra não pode constituir um dos objectivos de gestão da Impugnante.

  7. Neste sentido, e como bem defendem os serviços de Inspecção, que não pode ser aceitável “(…) que a actividade de uma empresa e a prossecução do seu objecto social e manutenção da fonte produtora possa ser feita com base no cometimento de irregularidades ou ilegalidades. Até porque, há (…) que supor que a actividade das empresas decorre do cumprimento de todas as normas legais aplicáveis.” K. E, assim sendo, tais operações não tem capacidade para gerar rendimentos na esfera da Impugnante ou de contribuir para a manutenção da fonte produtora.

    L. Perante o acima exposto, não nos se afiguram dúvidas que os gastos decorrentes do pagamento das indemnizações decorrentes de operações financeiras que se encontram excluídas do âmbito da actividade da Impugnante, não podem ser aceites como custos fiscais nos termos do artigo 23.º do CIRC.

  8. E nem sequer se invoque, como faz o Tribunal Recorrido que o que aqui estaria em causa seria, não a indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto mas a indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora.

  9. Cremos que o Tribunal a quo, com o devido respeito se encontra equivocado na medida em que são duas situações distintas: i) o pagamento das indemnizações em virtude da má gestão da Impugnante e inserido no âmbito de uma relação comercial e de confiança em que o sistema se insere e ii) e a aceitação dessas indemnizações como custo fiscal.

  10. Com efeito, a aceitação das referidas indemnizações enquanto custos contabilísticos no âmbito do balanço comercial não se encontra sujeito aos condicionantes previstos no CIRC, como seja, que os gastos sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto.

  11. Pelo que, em suma, conclui-se que os gastos com o ressarcimento dos participantes do Fundo A………… Global dos prejuízos relativos ao período de incumprimento da política de investimento do Fundo não se reputam fiscalmente dedutíveis, ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, não tendo, por isso, razão o Tribunal Recorrido.

  12. No que concerne à não aplicação pelo Tribunal da limitação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC quanto à dedutibilidade dos gastos, temos a acrescentar que o Tribunal a quo não tem razão, porquanto a violação do impedimento de realizar investimentos que excedessem 60% do valor total do activo – não consubstancia uma má decisão de gestão económica mas uma gestão exercida de forma irregular.

  13. Por razões óbvias e já explicadas, a referida actuação da Impugnante encontra-se fora do âmbito da actividade do Fundo e por conseguinte, fora também dos termos da contratação entre o Fundo e os Participantes desse Fundo, não pressupondo qualquer violação de normas de origem contratual porque extrapola o âmbito dessa mesma relação contratual.

  14. A referida infracção constitui antes uma violação dos próprios princípios que norteiam o regime jurídico que tutela a constituição e funcionamento do Fundo – DL 17/2010 de 18/10, no qual foram acauteladas um conjunto de especificidades no que respeita aos Fundos de Investimento, com o objectivo de promover a segurança, a certeza, a confiança e a boa-fé na utilização de fundos de investimento enquanto instrumento privilegiado de captação de poupanças no plano nacional.

  15. Como é óbvio, tais garantias não podem ser acauteladas caso a própria sociedade gestora, as desrespeite, indo, contra as normas de constituição e funcionamento do próprio Fundo.

  16. Posto isto, entendemos que não restam dúvidas que a Impugnante com o seu comportamento, que teve como consequência o pagamento das indemnizações, não incorreu na violação de normas de natureza contratual mas sim, do ordenamento jurídico que tutela a criação e o funcionamento do Fundo em questão.

    V. Assim, a situação em análise encontra-se perfeitamente enquadrada no espírito do artigo 45.º, n.º 1, alínea d) do CIRC que pretende retirar à diminuição do imposto pago, por intermédio dos encargos fiscalmente dedutíveis, todas as penalidades por comportamentos ética e socialmente reprováveis, e nesse sentido ilícitos, atento o vector moralista imputável ao direito fiscal, os encargos em questão não podem ser aceites fiscalmente.

  17. O entendimento aqui defendido, surge reforçado pelo facto de ao artigo 23.º-A do CIRC [alínea e) do número 1)] ter sido acrescentado para efeitos de não aceitação como custo fiscal, as multas, coimas e demais encargos, relacionadas com “comportamentos contrários a qualquer regulamentação sobre o exercício da actividade.” X. Assim, conclui-se que o Tribunal Recorrido ao considerar que o pagamento de indemnizações são decorrentes de violação de normas de origem contratual incorreu em manifesto erro de julgamento.

    Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser a sentença recorrida revogada, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada Justiça.

    Em virtude do valor da causa ser superior a € 275.000,00, desde já se requer, a V. Ex.ª, que, nos termos do n.º 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, determine a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista.

    1.3.

    A recorrida apresentou contra-alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso foi deduzido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas respeitante ao exercício de 2011; 2.ª A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença e insiste no entendimento de que os encargos com o pagamento de indemnizações para ressarcimento das perdas resultantes do excesso do limite de investimento definido para um fundo de investimento não podem ser dedutíveis; 3.ª Como bem referiu o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa na sentença recorrida, “(…) a confiança constitui um valor que em momento algum pode deixar de figurar como primordial vetor orientador da gestão dos operadores que atuam no mercado bancário. É a confiança na própria impugnante e no sistema em que se insere, que justifica e fundamente o pagamento das indemnizações em causa nos autos. Se a Impugnante optasse por não indemnizar os seus clientes, poder-se-ia eventualmente questionar a sua sobrevivência, por falta de confiança dos titulares das unidades de participação no...

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