Acórdão nº 01048/08.2BELSB 0685/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | JOSÉ VELOSO |
Data da Resolução | 02 de Julho de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
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Relatório I. A………… interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS] - de 19.06.2019 - que concedeu provimento à apelação do INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA [IPL], revogou o «acórdão anulatório» proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC] - de 31.03.2015 - e julgou improcedente a acção administrativa especial [AAE] que intentara contra este último.
Culmina assim as suas alegações: […] As conclusões 1 a 10 referem-se à admissibilidade do recurso de revista.
11- Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que o acórdão recorrido incorreu em manifestos erros de julgamento, e em clara violação de lei substantiva e processual; 12- Ao julgar improcedente o vício de prescrição do direito de exigir a reposição de quantias abonadas há mais de cinco anos a contar da data em que foi ordenada a reposição, o aresto em recurso incorreu numa flagrante violação do nº1 do artigo 40º do DL nº155/92, uma vez que não só tal norma consagra uma regra especial em matéria de início do prazo de prescrição do direito de exigir a reposição, como seguramente a jurisprudência deste STA já deixou bem claro que o início do prazo de prescrição de cinco anos começa com o efectivo recebimento das quantias a repor e não apenas a partir do dia em que cessou o contrato [neste sentido, AC STA de 31.03.2016, Rº19/16]; 13- O aresto em recurso também enferma de erro de julgamento e de notória violação de lei substantiva quando ao fundar o dever de reposição no artigo 1º do DL nº162/82, uma vez que não só tal norma fora tacitamente revogada pelos DL nº272/88 e DL nº282/89 – que aprovaram o estatuto de bolseiro no país e no estrangeiro e não impunham nem previam qualquer obrigação de permanência aos bolseiros -, como seguramente resulta do próprio DL nº162/82 que a obrigação de permanência era restrita aos docentes integrados na categoria e vinculados por tempo indeterminado, o que não sucedia com o autor que apenas tinha um contrato administrativo de provimento que era temporário e não permitia a integração nos quadros de pessoal nem na carreira; 14- Refira-se, aliás, que se o DL nº162/82 assegurava que durante o tempo de obrigação de permanência o docente mantinha todos os direitos inerentes à sua categoria, naturalmente que o autor só poderia estar vinculado a tal obrigação de permanência se, e na medida em que, estivesse no quadro de pessoal, e possuísse um vínculo de natureza permanente que lhe permitisse estar integrado na carreira e categoria, sob pena de, se assim não fosse, a lei lhe reconhecer um direito à manutenção do contrato que por força dessa mesma lei já não poderia ser renovado - como sucedia com os «contratos a termo» e com os «contratos administrativos de provimento», que só poderiam manter-se em certas condições - e de lhe estar a assegurar direitos inerentes a uma categoria que o docente contratado não tinha nem podia ter; 15- Ainda que por mera hipótese, o DL nº162/82 não tivesse sido revogado e fosse aplicável mesmo a quem detinha um vínculo precário, sempre o aresto em recurso teria incorrido em erro de julgamento e violação da própria CRP, uma vez que a interpretação por ele efectuada ao artigo 1º do DL 162/82 é não só errada como desproporcional, impondo uma restrição aos direitos, liberdades e garantias consagrados no artigo 47º e 53º da CRP totalmente desconforme às exigências de proporcionalidade a que por força do artigo 18º da CRP devem obedecer todas as leis restritivas; 16- Na verdade é completamente desproporcional que se interprete tal norma no sentido de obrigar um docente a manter-se ao serviço ou a ter de indemnizar [caso não o faça] uma entidade empregadora que nem manifestou a vontade de que ele permanecesse ao seu serviço nem lhe assegurou nenhuma das regalias próprias da categoria de docente, antes tendo sucessivamente recusado provê-lo na categoria e conceder-lhe um vínculo dotado de estabilidade [neste sentido aponta a factologia dada por provada pelo tribunal a quo]; 17- Refira-se, aliás, que para além de se estar a impor uma restrição totalmente desproporcional a direito fundamental, constitui um verdadeiro abuso de direito que uma entidade empregadora pública pretenda ser indemnizada em mais de 100.000€ por um seu docente ter ido trabalhar para outra entidade pública por tempo indeterminado quando essa mesma entidade empregadora pública nunca manifestou a intenção que o docente permanecesse ao seu serviço e sempre recusou assegurar-lhe um vínculo de natureza permanente que o integrasse na carreira e categoria; 18- Se a isto se acrescentar que o docente em causa se manteve a trabalhar no seio da Administração Pública e que apenas mudou para uma entidade empregadora pública que lhe assegurou a integração numa carreira e um vínculo de natureza permanente, mais notória se torna a desproporcionalidade da interpretação efectuada pelo tribunal «a quo», sobretudo quando a própria lei assegura o princípio da continuidade das funções públicas e assegura a todos os trabalhadores públicos a manutenção de regalias quando mudam de entidade empregadora pública [neste sentido, o artigo 11º da actual LTFP, aprovado pela Lei 35/2014, e Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Coimbra Editora, páginas 129 e seguintes]; 19- O aresto em recurso incorreu em violação do artigo 40º do DL nº155/92 quer no segmento em que legitima a reposição de quantias ilíquidas quando aquela norma apenas permite reposição de quantias líquidas - sob pena de o administrado estar a suportar impostos e demais encargos por ter recebido uma quantia que depois teve de devolver - quer no segmento em que permite que uma entidade pública ordene a reposição de quantias por ela não pagas, legitimando dessa forma um verdadeiro locupletamento à custa alheia - e está provado que a entidade demandada apenas pagou 25% dos vencimentos e que exigiu a reposição de 100% dos vencimentos auferidos pelo autor [ver 7 e 16 do provado].
Termina pedindo a admissão da revista e o respectivo provimento, com a consequente revogação do acórdão recorrido.
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O recorrido IPL contra-alegou e formulou as seguintes conclusões: […] As conclusões 1 a 8 referem-se à admissibilidade do recurso de revista.
9- Sem conceder, quanto à alegação do recorrente relativa ao início da contagem do prazo de prescrição, há que dizer que o douto acórdão invocado para sustentar essa sua tese [o recebimento] reporta-se a um caso substancialmente diferente; 10- Contudo, não poderá deixar de se referir que desse mesmo acórdão decorre o entendimento de que a contagem do prazo de prescrição decorrente do artigo 40º do RAFE deve ter em conta o artigo 306º, nº1, do CC; 11- Assim, conjugados estes preceitos legais, tudo concorre para que se conclua que enquanto o recorrido não pudesse exercer o direito de exigir a reposição das verbas [o que só passou a poder fazer após o incumprimento do recorrente], não podia iniciar-se a contagem do prazo de prescrição; 12- Por sua vez, contrariamente ao alegado pelo recorrente, importa dizer que é aplicável ao caso o artigo 1º, nº1, do DL 162/82, de 08.05, sendo deste modo irrelevante que a reposição de quantias não estivesse prevista no contrato programa de formação celebrado, tendo sido esta também a opinião do acórdão ora recorrido, o qual se socorreu de outra jurisprudência nesse mesmo sentido; 13- Nesta esteira, esclareça-se que o DL nº162/82 de 08.05, e o DL nº178/83 de 04.05, são aplicáveis ao caso, pois o diploma refere «pessoal docente», sem distinguir equiparados de não equiparados; 14- Além do mais, atento o preâmbulo do DL nº162/82, de 08.05, conclui-se que a ratio legis do referido diploma justifica-se - até de forma mais premente - em relação aos docentes equiparados, dado o seu vínculo precário; 15- Por conseguinte, e quanto à alegada inconstitucionalidade da norma [ou da sua interpretação], do artigo 1º, nº1, do DL nº162/82, de 08.05, por violação dos artigos 47º e 53º da CRP, bem como do princípio da proporcionalidade - decorrente do artigo 18º da CRP - não se pode deixar de relembrar ao recorrente que os direitos constitucionalmente consagrados admitem compressões, nos termos enunciados no nº2 do artigo 18º da CRP; 16- E a compressão prevista no DL nº162/82, e DL nº178/83, é efectivamente proporcional, necessária e adequada, na medida em que o tempo de permanência exigido é o mesmo tempo concedido de dispensa para formação e...
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