Acórdão nº 2268/19.0T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: LS intentou uma acção contra S-SA, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe 50.000€ acrescidos de juros de mora à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento.

Alegou para tanto, em síntese que entre a ré, como seguradora, e a autora e filho, como tomadora de seguro e segurado, respectivamente, foi celebrado um contrato de seguro, tendo como cobertura, entre outras, a morte do filho, com o capital de 50.000€ e, nesse caso, a autora como beneficiária (doc. 1 [neste documento, que é a apólice elaborada pela ré, consta: identificação do tomador de seguro: a autora; identificação do segurado: o filho – parenteses colocado por este acórdão do TRL]); ela e o seu filho não intervieram na elaboração do referido contrato, limitando-se a aderir ao clausulado da responsabilidade da ré, sem interferir, participar ou discutir, na conformação do conteúdo das condições gerais e especiais e estas não lhes foram lidas, comunicadas ou explicadas, pelo que elas são inválidas e devem ser excluídas do contrato; o filho morreu devido a intoxicação por drogas de abuso e etanol; a autora participou o sinistro; até ao momento, a autora não obteve qualquer resposta por parte da ré.

A ré contestou; confirma que lhe foi proposta a celebração do contrato de seguro, no qual foi tomadora de seguro e beneficiária a autora e indicado como pessoa segura, o seu filho; impugna em parte, pois que diz que ao contrário do que a autora alega e após se conhecer a causa da morte, foram posteriormente solicitados à autora, pela averiguação, registo do historial clinico da pessoa segura, exactamente para aferir do que se passava objectivamente, à data da subscrição do seguro, o que até à data, nunca foi entregue; excepciona a prescrição do direito da autora e a nulidade do contrato por falsas declarações: com base nas declarações iniciais supra referidas, a ré aceitou de boa-fé o risco proposto; de acordo com o relatório de autópsia foi causa de morte: I-A- Intoxicação por drogas de abuso e etanol. I-B-Toxicodependência; o que aponta claramente para o facto de terem sido prestadas falsas declarações à data do preenchimento da proposta cinco meses antes, o que conduz à nulidade do contrato; a tomadora do seguro referiu ter subscrito a proposta como requisito ao pedido de um crédito habitação, que nunca se veio a concretizar; e, o filho, que a tomadora declarou que não fumava, nem bebia, viria a falecer cerca de cinco meses depois, de overdose! Com efeito, da análise ao questionário clinico (cf. doc.1) foi respondido a todas as perguntas que “Não”, motivo pelo qual não foram solicitados exames médicos, nem aplicados agravamentos ou exclusões, tendo em conta também a idade da pessoa segura; a tomadora viva com o filho e outras pessoas numa habitação com uma assoalhada, o que segundo as regras da experiencia comum aponta para a possibilidade de percepcionar a realidade do filho de perto; não há notícia de qualquer crime de terceiros na pessoa segura; bem como a verificação de uma causa de exclusão da cobertura do risco: tendo em conta a causa da morte e as regras da experiencia comum, considera-se que o sinistro sempre estaria excluído nos termos do disposto no art. 10-b das condições gerais da apólice (cf. doc.1), ou seja, suicídio sempre que este se verifique no decorrer dos dois primeiros anos de vigência da apólice ou no decorrer dos dois anos que imediatamente se seguirem à data de qualquer revalidação ou aumento das quantias em caso de morte proposto pelo tomador de seguro.” E ainda excepciona o cumprimento da obrigação da comunicação das cláusulas gerais do contrato: ao contrário do alegado pela autora foi explicado, como é prática corrente e reiterada, o âmbito e objecto principal do contrato, que quis celebrar, por sua exclusiva vontade e iniciativa; a autora entende a língua portuguesa e embora com alguns erros ortográficos, até escreve em português (cf. doc.3 [é lapso, a ré quis escrever 2] ora junto e carta junta com a p.i. datada de 28/05/2018); assinaram [sic] a proposta e a declaração no sentido da exactidão das declarações então prestadas “sob pena de nulidade do contrato”, com a qual declararam, também, receber a “nota informativa sobre as condições gerais” (cf. doc.1).

A autora impugnou, de facto e de direito as excepções deduzidas.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de prescrição e, entre outros três, foi enunciado como tema de prova 1 “a questão de saber se aquando da celebração do contrato de seguro foi comunicada a cláusula de exclusão referida nos autos.” Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.

A autora interpôs recurso desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1.º - A decisão recorrida violou o artigo 458 do Código Comercial na medida em que os pressupostos da contra-ordenação prevista no artigo 2 da Lei 30/2000, de 29/11, não estão preenchidos, especificamente os respeitantes à culpa.

  1. - Na realidade, não existem dados de facto que demonstrem que o consumo de estupefacientes foi um acto voluntário do segurado.” A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, dizendo que: “não se alcança sequer a invocação da autora quanto à alegada violação do disposto no art. 458 do Código Comercial, nem em que sentido o alega. Por outro lado e de igual modo, ao contrário do alegado pela autora não decorre do disposto no art. 2 da Lei 30/2000 que o preenchimento do tipo legal dependa do elemento subjectivo – dolo. Por fim, e quanto à segunda conclusão da autora, cumpre relembrar que a análise efectuada à prova produzida nomeadamente pericial e médica, sem margem para dúvidas, permite concluir objectivamente a causa do óbito, intoxicação, causada pela actuação do segurado, e, como sublinha a sentença a quo, independentemente do caracter intencional. Ora, jamais os factos em presença nos autos se podem considerar ou configurar como o risco, objecto, de qualquer contrato de seguro, cuja natureza aleatória e acidental constitui elemento essencial do mesmo. Resulta das próprias regras da experiência comum que o consumo de estupefacientes, para além de ser um comportamento proibido por lei, comporta o risco inerente à integridade física, não sendo portanto de admitir na celebração de um contrato de seguro do ramo vida, como facilmente se compreende. Nesse sentido, a prova quanto à não-aceitação do risco proposto na hipótese do segurador saber a verdade, ou seja, que o proponente a segurado, no caso, pessoa segura, era consumidor de estupefacientes à data da subscrição da proposta de seguro. Aliás, a celebração do contrato, pela mãe, nas circunstâncias descritas, independentemente da prova produzida ou não, continua a ser bastante significativa, desde logo de acordo com as regras da experiência comum. Com efeito, na proposta a beneficiária do contrato de seguro, declarou que a pessoa segura, não fumava, não bebia, mas ter-se-á esquecido de declarar que consumia estupefacientes!...é que a definição de toxicodependência, segundo a OMS, como se invoca na contestação junta a fls… dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, representa um estado de intoxicação crónica, sendo que vivendo a autora com o filho, só muito dificilmente se pode conceber que o desconhecia… […]” * Questões que importa decidir: se a seguradora não está obrigada a pagar o capital seguro.

* Foram dados como provados os seguintes factos : 1- Foi celebrado, entre a ré e RS, o contrato de seguro de vida titulado pela apólice n.º 00/111111, com início a 31/05/2007, tendo como coberturas a morte e a invalidez absoluta e definitiva, com o capital seguro de 50.000€ e por beneficiária a autora em caso de morte (doc.1, junto com a petição/PI); [este facto será corrigido mais à frente, pelas razões que se indicarão – parenteses deste TRL] 2- O R [sic] aderiu ao clausulado, sem interferir, participar ou discutir, na conformação do conteúdo das condições especiais e gerais (acordo), tendo-lhe os respectivos conteúdos sido comunicados, nos termos gerais (cfr. declaração assinada no referido doc.); [A sentença está-se a referir ao documento 1A apresentado com a contestação (folha 8 de 21 no documento electrónico) onde, na pág. 2/8 [mas só chega a 3/8 e depois passa a 1/5 até 5/5], antes das assinaturas referidas, consta ainda o seguinte (reproduz-se a imagem gráfica dos 3§§): Declaração Tanto o tomador de Seguro como o(a) Segurado(a) tomam conhecimento das Condições Gerais do Contrate e da respectiva nota informativa em anexo e garantem a exactidão das declarações na presente Proposta sob pena de nulidade do contrato. Todas as condições ao abrigo deste Contrato só terão efeito a partir do dia em que a proposta do Subscrição/adesão for aceite pela Seguradora desde que o(s) candidato(s) segurado(s) não se encontre(m) em estado de incapacidade nessa altura. O Tomador de Seguro e o(a) segurado(a) autorizam a recolha e o tratamento automatizado dos elementos aqui solicitados, para uso exclusivo da T-vida e/ou outras empresas do Grupo Espírito Santo com o fim de adequação do fornecimento da produtos a cada cliente. As omissões, inexactidões e falsidades, quer no que respeita a dados de fornecimento obrigatório, quer facultativo, são da responsabilidade do Cliente/Tomador de Seguro. Os interessados poderão ter acesso à informação que lhes diga respeito, solicitando, por escrito a sua correcção, aditamento ou eliminação. O tomador de seguro autoriza a T-vida a proceder à recolha de dados pessoais complementares junto de organismos públicos, empresas especializadas e outras entidade económicas, tendo em vista a confirmação ou o complemento dos elementos recolhidos necessários à gestão da relação contratual autorizando ainda a consulta de dados pessoais disponibilizados sob regime de absoluta confidencialidade às empresas que integram o Grupo...

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