Acórdão nº 1856/16.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução25 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação nº 1856/16.0T8STR.E1 Comarca de Santarém - Juízo Local Cível de Santarém - Juíz 1 Apelante: (…) Apelada: (…) e Associados – Sociedade de Advogados Sumário do Acórdão (da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC) (…) *** I – RELATÓRIO A Autora (…) e Associados – Sociedade de Advogados, R.L., pessoa colectiva nº (…), com sede na Av. (…), n.º 35, 9.º, 1050–118 Lisboa, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra os réus: 1. (…), contribuinte fiscal n.º (…), residente na Quinta do (…), Casais da (…), (…) e 2. (…), contribuinte fiscal n.º (…), residente na Rua (…), n.

os 10, 11-E, 1750-171, Lisboa, pedindo que seja declarada a ineficácia, em relação à Autora, da doação celebrada, entre os Réus e registada em 29/04/2016, referente aos seguintes imóveis:

  1. Fracção autónoma destinada a comércio designada pela letra “B”, correspondente ao Rés-do-Chão esquerdo, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado “Lote 23”, sito no lugar de (…), União das Freguesias do Cartaxo e Vale da Pinta, concelho do Cartaxo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Cartaxo sob o n.º (…) da extinta freguesia do Cartaxo e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias do Cartaxo e Vale da Pinta sob o artigo (…); B) Fracção autónoma destinada a habitação designada pela letra “E”, correspondente ao Segundo Andar Direito, com um lugar de estacionamento situado na cave, com saída ao nível dos rés-do-chão, directamente para o exterior e uma arrecadação no sótão, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado “Lote 23”, sito no lugar de (…), União das Freguesias do Cartaxo e Vale da Pinta, concelho do Cartaxo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Cartaxo sob o n.º (…) da extinta freguesia do Cartaxo e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias do Cartaxo e Vale da Pinta sob o artigo (…); C) Fracção autónoma destinada a habitação designada pela letra “F”, correspondente ao Segundo Andar Esquerdo, com um lugar de estacionamento situado na cave, com saída ao nível dos rés-do-chão, directamente para o exterior e uma arrecadação no sótão, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado “Lote 23”, sito no lugar de (…), União das Freguesias do Cartaxo e Vale da Pinta, concelho do Cartaxo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Cartaxo sob o n.º (…) da extinta freguesia do Cartaxo e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias do Cartaxo e Vale da Pinta sob o artigo (…).

    Alegou, em síntese, que prestou diversos serviços jurídicos ao Réu, no montante global de € 39.206,25, que este, apesar de instado, não pagou. Acrescentou que no dia 29/04/2016, o Réu doou a sua quota-parte em três prédios à Ré, ficando com o seu usufruto e que em consequência desta doação o Réu ficou sem quaisquer bens em seu nome susceptíveis de responder pelo pagamento da dívida a si, o que pretendeu com a realização deste negócio.

    Citados os Réus, a Ré não contestou nem constituiu mandatário.

    Já o Réu contestou, por impugnação, alegando que acordou a prestação de serviços, que não correspondem ao invocado pela Autora, com os Srs. Drs. (…) e (…) e não com aquela, acrescentando que, aquando da apresentação da nota de honorários, não aceitou o montante peticionado por não corresponder ao previamente acordado, mais alegando que não foi deduzido a tal montante o valor de € 2.000,00 entregue anteriormente por si e bem assim que sobre a nota de honorários foi aplicado IVA à taxa de 23% quando esse imposto deveria ter sido aplicado à taxa de 6%, dado que beneficiou de protecção jurídica.

    Disse ainda que a Autora teve conhecimento da permuta que esteve na base da doação outorgada a favor da Ré assim como de que ele, Réu, iria ficar apenas com o usufruto das fracções e a Ré com a sua nua propriedade, esclarecendo que para além do valor obtido com a venda e permuta da Quinta do (…), com a doação ficou detentor do usufruto dos três prédios, de valor superior ao montante peticionado pela Autora, não se verificando com o negócio qualquer impossibilidade para esta obter a satisfação do seu crédito ou agravamento dessa possibilidade, acabando por pugnar pela improcedência da acção – cfr. fls.87 e ss.

    * Realizou-se audiência prévia, com prolação de despacho saneador, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, tendo sido admitidos os meios de prova e designada data para realização da audiência final.

    Realizada tal audiência foi, subsequentemente a ela, proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente acção intentada pela autora (…) e Associados – Sociedade de Advogados, R.L., parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: 1) Declaro a ineficácia, em relação à autora, do acto de doação realizado em 29/04/2016 pelo réu (…) à ré (…) identificado na alínea H) dos factos provados, relativamente às fracções autónomas identificadas na alínea D) dos factos provados, podendo a autora executá-los no património da ré, no que for necessário para pagamento dos seus créditos, no montante de € 16.600,00 (dezasseis mil e seiscentos euros), acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a data da sentença proferida no âmbito do Proc. n.º 105/14.0TBCTX-A até integral pagamento, acrescida de IVA à taxa de 6% sobre o montante global de honorários, no valor de € 18.600,00 (dezoito mil, seiscentos euros).

    2) Custas pelas partes na proporção do decaimento, que se fixam em 1/5 para a autora e 4/5 para os réus – artigos 527º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do NCPC e artigo 6.º do RCP, por referência à Tabela I-A anexa.

    Após trânsito, comunique à Conservatória do Registo Predial do Cartaxo – artigos 3.º, n.º 1, alínea c), 8.º-B, n.º 3, alínea a) e 8.º-C, n.º 3, todos do Código do Registo Predial.

    Registe e notifique”.

    * Inconformado com a decisão, o Co-Réu (…) apresentou requerimento de recurso alinhando as seguintes Conclusões: A – Dos factos dados como provados, nomeadamente das alíneas W e X, resulta que o acto impugnado – a escritura celebrada em 29 de Abril de 2016 – constitui um acto acessório ou instrumental da escritura celebrada em 17 de Março de 2016.

    B - Tudo começou com uma negociação transposta para o contrato promessa de permuta e compra e venda celebrado em 4 de Janeiro de 2016, em que os RR. permutaram um imóvel de que eram comproprietários, o R. (…) a sua metade com o usufruto de três fracções e a R. (…) a sua metade com a nua propriedade dessas três fracções, de acordo com a alínea X dos factos provados.

    C - Em 17 de Março de 2016 foi então outorgada a escritura referente ao negócio prometido naquele contrato promessa, onde, devido a um erro no pagamento das guias de imposto, a permuta foi efectivada atribuindo 2/7 ao R. (…) e 5/7 à R. (…), conforme o exposto na alínea W dos factos provados.

    D - Assim sendo, a escritura outorgada em 29 de Abril de 2016 – o acto impugnado na presente acção – mais não é que uma correcção da escritura de 17 de Março de 2016, que não espelhava o negócio ajustado, e mais não fez do que repor a situação que deveria ter saído desta escritura.

    E - A impugnação pauliana insere-se no conjunto de meios colocados à disposição dos credores para evitarem a frustração da posição de segurança que constitui a garantia patrimonial, enquanto expectativa jurídica do direito de executar o património do devedor para satisfação dos seus créditos.

    F – Encontra-se provado na presente acção que ao R. (…) sempre e só caberia o direito de usufruto vitalício das três fracções, sendo estes direitos de usufruto os únicos a fazer parte do seu património para satisfação dos seus créditos.

    G - A A. não impugnou o acto principal – a escritura de 17 de Março de 2016 – pelo que não pode atacar o acto acessório ou instrumental – a escritura de 29 de Abril de 2016 – e, ao fazê-lo, age em abuso de direito.

    H - Existe abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante.

    I - É o que acontece no caso vertente, em que a A. prescinde de atacar o acto principal para atacar o acessório.

    J - Por outro lado, também não se encontram preenchidos todos os pressupostos para a procedência de uma impugnação pauliana e que são, de acordo com o artigo 610.º e seguintes do Código Civil:

    1. A realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e não seja de natureza pessoal; b) Que o crédito seja anterior ao acto, ou sendo posterior, ter sido ele dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; c) Que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má-fé tanto do alienante como do adquirente; d) Que resulte do acto a impossibilidade do credor obter a satisfação integral do crédito ou agravamento dessa impossibilidade.

    K – O n.º 1 do artigo 612.º do Código Civil exige, para a procedência da impugnação pauliana, que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má-fé tanto do alienante como do adquirente.

    L - Um acto oneroso pressupõe atribuições patrimoniais de ambas as partes, ligadas por um nexo de correspectividade, segundo a sua vontade, enquanto um acto gratuito cria, para uma só, uma vantagem patrimonial sem nenhum equivalente.

    M - O acto impugnado, a escritura pública de 29 de Abril de 2016 denominada “Doações”, não encerra uma simples doação de um sujeito para outro, mas na realidade uma permuta de doações, em que ambos os sujeitos dão e recebem, pelo que é um acto oneroso.

    N - Cada uma das partes, fez uma atribuição patrimonial que considera retribuída ou contrabalançada pela atribuição da contraparte. Cada uma das prestações ou atribuições é o correspectivo (a contrapartida) da outra, pelo que, se cada parte...

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