Acórdão nº 2216/19.7BELRS-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução25 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO J….., com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto o despacho de indeferimento de produção de prova testemunhal proferido em 07 de fevereiro de 2020 no âmbito do processo cautelar interposto contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, como apenso ao processo principal, de impugnação judicial, que deduziu contra o indeferimento tácito de reclamações graciosas apresentadas, identificando vários atos tributários de autoliquidação, constantes de declarações aduaneiras (DAU), que foram objeto de correção do valor aduaneiro e de notificação para cobrança, bem como da sentença, exarada na mesma data, e que o julgou improcedente.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “1ª O douto Tribunal a quo não deveria ter indeferido a produção de prova testemunhal; 2ª Até porque considerou indiciariamente não provado «que o Requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da atividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise, ou por efeito da prestação de garantia autónoma para a suspensão da respetiva execução», com base «na falta de prova nesse sentido».

  1. Independentemente de resultar suficientemente (indiciariamente) dos elementos dos autos que o Requerente ficará numa situação de facto consumado, verificando-se prejuízos de difícil reparação, e o perigo que invoca, de comprometimento da possibilidade de (…) poder continuar a exercer a sua actividade, o requerente dispunha-se e iria fazer melhor prova deles através de prova testemunhal.

  2. Regra geral, o valor probatório da prova testemunhal e da prova por documentos, que não os autênticos, é igual.

  3. Como in casu¸ os factos que integram o facto jurídico que funda o periculum in mora não carecem de ser provados através de prova documental e nada existe na lei que impeça a respectiva prova através de testemunhas; 6ª Pelo que, tendo o douto Tribunal a quo indeferido a prova testemunhal, não poderia julgar não provado o periculum in mora; 7ª Para além disso, não o poderia ter feito porque constam dos autos, na acção principal, elementos mais do que suficientes por si sós para concluir que se mostra suficientemente indiciado o periculum in mora, que deveria e deve ser reconhecido; o que pede.

  4. O douto tribunal a quo confundiu os requisitos para o reconhecimento do periculum in mora para efeitos da suspensão da cobrança durante a pendência da acção principal, que deveria ter reconhecido, i.e., considerado provado, com os requisitos para a dispensa de constituição de garantia, nos termos do n. 3 in fine do art. 45º do CAU, que aqui não estava em causa, até porque tal garantia estava prestada – cfr. doc. 6 e 6A, nos autos principais; 9ª Para esta dispensa da prestação de garantia, a lei realmente exige uma avaliação documentada. Mas avaliação documentada não é exactamente prova documental.

  5. Para reconhecer o periculum in mora, a lei, em linha com as características e escopo do próprio instituto das Providências Cautelares, não exige, nem poderia exigir, prova documental, nem, sequer, é claro, avaliação documentada, basta-se com prova indiciária, qualquer que ela seja.

  6. Neste caso, o receio fundado de que a cobrança imediata produz um prejuízo irreparável para o Requerente, de insolvência, está objectivamente demonstrado e é verificável pela simples consideração dos valores em causa, o valor da acção, de €800.801,33, que ascende a bem mais de metade da sua facturação da mesa de despacho do requerente, de €1.465.285,56; 12ª Facturação que suporta todos os custos do respectivo funcionamento, incluindo, evidentemente, os custos com as garantias, com o pagamento de prémios de seguro, taxas, impostos, salários, prestações sociais, etc..

  7. O facto de «o requerente admitir que não quer nem precisa de dispensa de garantia» - frase que, na sentença, foi desenquadrada do seu contexto e sentido, muito longe de permitir concluir pela inexistência do periculum in mora, reforça mais ainda a ideia de que não estava sub juditio um pedido de dispensa de garantia, como se referiu já prestada, mas a suspensão da cobrança, de modo a evitar que o requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da atividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise.

  8. Como se alegou no R.I. e resulta dos autos, é este o receio que se pretende evitar com a Providência Cautelar requerida, e que constitui a ratio do periculum in mora e não, ao contrário do que o douto Tribunal a quo aventou, cometendo um lapso que poderá ter inquinado a sua decisão, «os custos advenientes da prestação de garantia para a suspensão da execução».

  9. Estes são elevados e suportados com sacrifício, sim, mas o que se pretende evitar são os custos insuportáveis com a própria execução, i.e., a cobrança, como resulta do pedido.

  10. Como neste ponto muito bem e doutamente a própria sentença reconhece, quanto ao periculum in mora exigia-se apenas «um receio objectivamente fundado» de «prejuízos de difícil reparação»; sendo a insolvência e a perda de postos de trabalho, alegados e objectivamente constatáveis à luz dos valores considerados na decisão recorrida, não pode deixar de se reconhecer o receio de um prejuízo de impossível reparação, que constitui o requisito do periculum in mora, que deve ser considerado preenchido, o que requer.

  11. O Código Aduaneiro da União, em conformidade com o GATT – art. VII - e o Protocolo Regulador do Artigo VII do GATT de 1994 «estabelece, como critério prioritário para a fixação do valor da mercadoria importada, o do seu valor transacional»; isto é, o preço pago e acordado entre o vendedor e o comprador da mercadoria - «o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias».

  12. O Acordo sobre a aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio consagra o primado do valor transacional e proíbe práticas diferentes ou discriminatórias, discricionárias ou subjetivas das autoridades aduaneiras, e impõe a determinação de um valor aduaneiro, justo, correto e neutral.

  13. «Quando não for possível determinar o valor transacional o valor aduaneiro das mercadorias importadas deverá ser efetuado com base em métodos substitutivos, segundo a sequência estabelecida nas alíneas a) a d) do n.º 2 art.º (74º) do Código Aduaneiro e pela respetiva ordem.» 20ª Os métodos secundários de cálculo do valor aduaneiro previstos na Lei – no GATT, no seu Protocolo Regulador do art. VII e no CAU - pretendem evitar ao máximo, a discricionariedade – tanto no correcto, como no mau sentido desta palavra -, a imprevisibilidade e, mais ainda, todas as perversões que os poderes não sindicáveis permitem.

  14. No caso do GATT e do Protocolo Regulador do Artigo VII do GATT de 1994, tais métodos, secundários, estão previstos nos arts. 2º a 6º, que se dão aqui por reproduzidos.

  15. Se nenhum destes métodos for possível, será apurado nos termos do art. 7º n. 1 Protocolo Regulador do Artigo VII do GATT de 1994, com as limitações do respectivo n. 2, que também se dá aqui por reproduzido, o qual impede a fixação do Acórdão Shenale, de Vossas Excelências, in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/96626ae2e48812b0802582b1003f016f Idem, com ligeira actualização quanto ao número do artigo , dado o acórdão referir-se, ainda, ao CAC e hoje estar em vigor o CAU, com teor igual nesta matéria valor aduaneiro, designadamente, com recurso a f) (…)valores aduaneiros mínimos; ou g) (…) valores arbitrários ou fictícios. Como ocorreu in casu.

  16. Aquele mesmo critério do GATT foi naturalmente acolhido pelo Código Aduaneiro Comunitário e, depois, transposto para o actual Código Aduaneiro da União (CAU), em vigor, o mesmo sucedendo com os procedimentos correctivos do valor; Mantendo-se, evidentemente, o espírito do sistema, a ratio das normas e as limitações – à discricionariedade, à arbitrariedade e a desequilíbrios no comércio internacional - que elas visam impor.

  17. Segundo jurisprudência constante do TJUE, a regulamentação da União Europeia relativa à avaliação aduaneira tem por objetivo o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutro que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios – cfr. Ac. de 15//7/2010, Gaston Schul, C‑354/09.

  18. «A regulamentação da União relativa à avaliação aduaneira tem por objetivo o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutro que exclui a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios.» 26ª O CAU subordina-se ao GATT e à respectiva legislação convencional conexa.

  19. Embora as autoridades gozem do poder discricionário de colocarem em causa o valor aduaneiro, não estando vinculadas a priori a aceitar o valor declarado, estão vinculadas, se o fizerem, a seguir os métodos secundários estabelecidos na lei para a determinação do valor, não podendo inv(ent)ocar justificações espúrias ou atabalhoadas, como in casu, para se eximirem ao recurso a estes métodos.

  20. De notar que, se há e deve existir verdadeira discricionariedade no poder de realizar os controlos aduaneiros e de pedir provas que demonstrem o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, como inicialmente aconteceu in casu, já não existe essa discricionariedade no que respeita à decisão sobre tais provas, se elas tiverem sido apresentadas, mas, antes, o respeito pelas regras gerais de actuação da Administração Pública, incluindo da Autoridade Tributária e Aduaneira, em particular as que se prendem com o dever de fundamentação e, até, com o valor das Acórdão Shenale, de Vossas Excelências, in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/96626ae2e48812b0802582b1003f016f, provas e as regras aplicáveis à sua apreciação, mesmo no âmbito do Princípio da livre apreciação das provas.

  21. Na motivação exige-se que o decisor «justifique a sua decisão, expondo as razões em forma de argumentações racionalmente válidas...

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