Acórdão nº 2796/19.7BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | MÁRIO REBELO |
Data da Resolução | 25 de Junho de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: CONDOMÍNIO .................
RECORRIDOS: MINISTÉRIO DAS FINANÇAS OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, nos termos dos artigos 104.° e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], intentada pelo CONDOMÍNIO .................
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: «1. O tribunal a quo não considerou provados os factos vertidos no artigo 4.° e 5.° do requerimento de intimação, referentes à impossibilidade de intentar acção executiva sem o preenchimento, no formulário disponível para o efeito pela plataforma informática Citius, do campo relativo número de identificação fiscal dos executados.
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O tribunal a quo também não considerou provado o facto vertido no artigo 13.° do requerimento de intimação, relativo à impossibilidade, dada a antiguidade do último registo aí constante, de obter tal informação pela via da consulta da certidão do registo predial relativa à fracção cujos proprietários, identificados em 2.° daquele requerimento, se pretende executar.
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Os factos referidos em 1° e 2.° são de conhecimento notório.
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Para além do mais, ambos resultam da lei.
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O facto constante da 1.a conclusão resulta do disposto no artigo 724.°, n° 1, alínea a) do C.P.C., que determina que, no requerimento executivo, o exequente tem de identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e números de identificação fiscal - ao contrário do que se sucedia no âmbito do antigo C.P.C. em que o artigo 810.°, n° 1, alínea a) em que tal indicação era eventual.
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Por seu turno, o facto constante da 2.a conclusão decorre da redacção vigente à data do último registo ocorrido do artigo 93.°, n.° 1, alínea e) do C.R.Pred., que não previa a identificação do sujeito do facto inscrito pela menção do número de identificação fiscal - contrariamente ao que se sucede na redacção actual, introduzida pelo Decreto-Lei n° 116/2008, de 4 de Julho.
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O recorrente não tem outro meio para obter a informação relativa aos números de identificação fiscal dos sujeitos em questão por outra via.
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O conhecimento de tal facto é essencial para a concretização do direito do recorrente de acesso aos tribunais, constitucionalmente previsto no artigo 20.° do C.R.P.
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Tal direito implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, entre outros, o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional.
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Paralelamente, a divulgação dos números de identificação fiscal das pessoas indicadas em 2.° do requerimento de intimação contende com a proibição de acesso a dados pessoais de terceiro, previsto no artigo 35.°, n° 4 da C.R.P.
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Assim, está-se perante um conflito de direitos, liberdades e garantias, que deverá ser resolvido por apelo ao disposto no artigo 18.° da C.R.P.
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Por um lado, o artigo 18.° da C.R.P., no seu n° 1, prevê que os direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas, 13. Só sendo admissível a sua restrição nos casos previstos na C.R.P., devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos, liberdades e garantias, 14. Sendo certo que essas restrições não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do seu conteúdo essencial.
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Ora, ao impossibilitar-se ao ora recorrente o acesso a tal informação, não estando a mesma disponível pelos meios de que habitualmente disporia, esvazia-se por completo o seu direito de acesso aos tribunais, 16. Porquanto, repita-se, sem essa informação não lhe é possível intentar a correspondente execução contra os condóminos relapsos.
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Pelo contrário, caso as normas contidas nos artigos 64.° da L.G.T., 37.° e 41.° do Decreto-Lei n° 14/2013, de 28 de Janeiro de 2013 e 3.° da Lei n° 59/2019, de 8 de Agosto de 2019, interpretadas e aplicadas de acordo com o disposto no artigo 18.° da CRP, permitiriam apenas ao ora recorrente obter uma informação a que, caso os últimos registos relativos às fracções em apreço fossem ulteriores a 2008, este facilmente poderia aceder por via de uma simples consulta junto dos serviços de registo predial, 18. Dado que a sua função primordial é, de facto, “dar publicidade à situação jurídica dos prédios”, conforme disposto no artigo 1.° do C.R.Pred.
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A verdade é que, exigindo o artigo 724.°, n° 1, alínea a) do C.P.C. a identificação do executado por referência também ao seu número de identificação fiscal, sendo este um dado pessoal, a obtenção de tal informação, tratando-se de uma execução para o pagamento de quotas de condomínio em dívida, seria, de acordo com o disposto no artigo 93.°, n° 1, alínea e) do C.R.Pred., na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 116/2008, de 4 de Julho, seria algo corriqueiro e que tornaria desnecessária qualquer das démarches levadas a cabo pelo ora recorrente e que aqui o trazem.
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Deste modo, o problema em questão surge somente porque a aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados, quer por via da interpretação dada ao disposto no artigo 64.° da L.G.T., quer por via da sua concretização em diplomas avulsos como Decreto- Lei n.° 14/2013, de 28 de Janeiro de 2013 e a Lei n° 59/2019, de 8 de Agosto de 2019, ambos referidos pelo tribunal a quo, não contemplou, certamente entre outras, a possibilidade de existirem registos que, dada a sua antiguidade, não reúnem os elementos constantes do artigo 93.°, n.° 1, alínea e) do C.R.Pred., na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 116/2008, de 4 de Julho, e a articulação desta situação com o disposto no artigo 724.°, n° 1, alínea a) do C.P.C.
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Assim, com todo o respeito por opinião diversa, a interpretação dada ao artigo 64.° da L.G.T. pela Direcção de Serviços do Registo de Contribuintes e ao vertido nos artigos 64.° da L.G.T., 37.° e 41.° do Decreto-Lei n.° 14/2013, de 28 de Janeiro de 2013 e 3.° da Lei n° 59/2019, de 8 de Agosto de 2019, pelo tribunal a quo, que secunda a primeira, é inconstitucional por desrespeitar de fronte o disposto no artigo 18.° da CRP, 22. Na medida em que consente a compressão, até ao esvaziamento, do direito de acesso aos tribunais, contido no artigo 20.° da C.R.P., do recorrente, para proteger, sem lugar a qualquer compressão, os números de identificação fiscal dos visados no artigo 2.° do requerimento de intimação, ao abrigo do disposto no artigo 35.°, n° 4 do mesmo diploma, que, repita-se, se não fosse a especificidade da situação em apreço, seria até de fácil conhecimento, 23. Colocando o ora recorrente perante um nó górdio, aparentemente impossível de desfazer que não por apelo a expedientes informais e ilegais — e que têm sido verdadeiramente a válvula de escape do nosso sistema quando confrontados com situações tuteladas de maneira injusta, como a presente.
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Por outro lado, o ora recorrente não se pode conformar com o decidido pelo tribunal a quo, ao dizer que: “De igual forma não se mostram violados os princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, da colaboração com os particulares e...
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