Acórdão nº 309/13.3BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução25 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO Massa Insolvente de Q….., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 13.03.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao mês de dezembro de 2008.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A- DA NULIDADE DO PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO POR OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO DE INFORMAÇÕES OFICIAIS - art° 199o CPC, aplicável ex vi art° 2° CPPT e art° 98 b) CPPT 1. A fls. 25 da sentença, ficou plasmado o seguinte: "MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO" A decisão da matéria de facto quanto às alíneas A) a V) efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnadas, que constam dos autos e do processo e reclamação graciosa e administrativo em apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

2. Se relativamente aos documentos referidos no probatório, a Recorrente, ainda que não deles notificada, já tinha anteriormente conhecimento, tal não sucede certamente com as «informações oficiais, não impugnadas, que constam dos autos e do processo e reclamação graciosa e administrativo em apenso».

3. A agora Recorrente nunca foi notificada do teor das informações oficiais «que constam dos autos e do processo [...] administrativo em apenso», ficando por tal facto impedida de pronunciar-se, contraditar e/ou impugnar as respectivas validade e autenticidade formal e substantiva, com flagrante violação do princípio do contraditório.

4. A isto acresce que ali consta prova relevante, a qual foi determinadora da convicção do julgador para a fixação da matéria de facto - e daí a respectiva referência explícita na motivação da decisão de facto.

5. Não é, pois, correcto afirmar, tal como o faz a sentença recorrida, que as informações oficiais não foram impugnadas pela agora Recorrente.

6. Assim, e em face do que consta na motivação da decisão de facto da sentença recorrida, a ora Recorrente expressamente argui nulidade processual nos termos do artigo 199.°, do CPC 7. Deste modo, a falta de notificação de tais elementos de prova prejudica a defesa da agora Recorrente, pelo que, prima facie, requer, nos termos do disposto no artigo 199.°, do CPC, a imediata notificação em falta.

8. E nem se diga que a Recorrente deveria ter consultado o processo administrativo apenso aos presentes autos, já que o processo administrativo representa uma verdadeira junção de elementos de prova pela parte (contrária à agora Recorrente), elementos de prova esses que nunca foram notificados à Recorrente.

9. Trata-se claramente de uma situação que coloca as partes em desigualdade de armas, em evidente violação do disposto no artigo 3.°, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

10. Com efeito, o princípio do contraditório, estabelecido no artigo 3.°, do CPC, hoje entendido como “direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo”, determina que o juiz assegure às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre os documentos passíveis de influenciar no exame ou na decisão a proferir na causa, sendo que o processo administrativo junto aos autos é passível de influir no exame da causa, assim como na decisão a proferir, tal como o demonstra o facto de as informações oficiais terem expressamente contribuído para a motivação da decisão da matéria de facto, isto é, tais elementos, contidos no processo administrativo, têm a natureza de prova apresentada pela contraparte processual.

11. A falta de notificação das informações oficiais constitui a omissão de um acto exigido por lei que, sendo susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, constitui nulidade sujeita ao regime dos artigos 195.°, 197.° e 199.°, do CPC - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.° 0684/11 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo - Sul, de 6 de Julho de 2010, proferido no processo n.° 02663/08.

12. Por esta ordem de razões, impunha-se que o referido processo administrativo ou, pelo menos, as informações oficiais, tivessem sido notificadas à Recorrente para que esta, querendo, pudesse exercer o seu contraditório com verdadeira razão de ciência, quer então, quer na presente sede recursiva.

13. Ao entender de forma diversa, a sentença recorrida violou os princípios da igualdade processual, da imparcialidade, da descoberta da verdade material e do contraditório, os artigos 3° e 152°, ambos do Código de Processo Civil, 13° e 115°, n° 3, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 20°, da Constituição, pelo que deverá ser revogada, determinando-se a notificação, à agora Recorrente, da cópia integral processo administrativo tributário (PAT) ou, pelo menos, das informações oficiais.

14. Refira-se, por fim, que nada obsta a que esta nulidade seja suscitada em sede de recurso, já que, por força do n.° 1 do art. 205.° do CPC, esse prazo tem de ser contado do conhecimento da nulidade pelo interessado e, como no presente caso o conhecimento da invocada nulidade só ocorreu com a notificação da sentença, o prazo para arguição da nulidade não se tinha ainda iniciado antes desse momento, já que não estava sanada quando foi proferida a sentença recorrida - acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Abril de 1997, proferido no processo n.° 21.070.

  1. Se relativamente aos documentos referidos no probatório, a Recorrente, ainda que não deles notificada, já tinha anteriormente conhecimento, B - DA OMISSÃO DE ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA - Art° 607° n° 3 do CPC, aplicável ex vi art° 2° do CPPT 16. Aquando da leitura da sentença ora recorrida, constatou a Recorrente que a mesma contém no seu ponto “III - Fundamentação

  1. De Facto” página 4, o seguinte: "Atenta a articulação das partes em juízo, e tendo em conta o dispositivo nos artigos 5.°, n° 2 e 607.°, n° 4 ambos do Código do Processo Civil (CPC), consideram-se provados os seguintes factos, constantes dos autos e no processo de reclamação graciosa e administrativo em apenso, bem como, pela prova testemunhal efectuada com interesse para a decisão, de acordo com as várias soluções plausíveis das questões de direito, tudo se dando por integralmente reproduzido” 17. De seguida a M. D. Sentença passa a enumerar entre os pontos A) e o ponto M) os documentos alegadamente emitidos, faturas e autos de medição, reproduzindo-os, e no ponto seguinte, o ponto N), a página 12, a M. D. Sentença dá por reproduzido o relatório final da ação inspetiva, o que se prolonga até meio da página 25.

    18. Seguem-se 8 pontos, o ponto O) a V), e a meio da página 27 da M. D. Sentença, consta “inexistem quaisquer outros factos não provados com relevância para a decisão da causa” 19. Seguidamente e na mesma página, a referida página 27, são vertidos três parágrafos relativos à notificação da decisão de facto justificando- se que a mesma “quanto às alíneas A) a V) efectou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnadas, que constam dos autos e do processo e reclamação graciosa e administrativo em apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

    20. E que "do depoimento da testemunha V….., TOC da impugnante entre 2010 a 2012, não revelou a prova de qualquer facto, para além daqueles que se encontram provados por documentos”.

    21. Dando-se por terminada a análise da matéria de facto, ao arrepio da doutrina, da jurisprudência há muito dominante em várias áreas do direito, que são de aplicação subsidiária ao direito tributário, e mais grave ainda, ao arrepio do que é há muito o entendimento do tribunal Constitucional e até do Tribunais Superiores Administrativos e Fiscais.

    22. Ora, com todo o devido e salvado respeito, não pode a ora Recorrente conformar-se com a circunstância de não ter sido cumprido o dever de fundamentação a que ao Tribunal “ad quo” se encontra vinculado, e muito menos, com a total falta de exame critico das provas que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal.

    23. In casu, constitui jurisprudência sedimentada do STJ que os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos, como aliás se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.2010, Processo n° 186/1999.P 1.S1, disponível em www.dgci.pt- 24. No qual também é referido o Acórdão do STJ de 28.10.93 “E, como salienta o Ac. Do STJ, de 28.10.93, “discriminar provém de cernere, cujo sentido definitivo e concreto consistia na separação pelo crivo e significa separar, diferenciar, discernir, o que implica especificar e individualizar os factos".

    25. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, 12.05.2016, Processo n° 0062/07.6 BCPNF, disponível em www.dgsi.pt.

    26. Em momento algum na M. D. Sentença é dado a conhecer à ora Recorrente o percurso lógico, racional utilizado pelo julgador.

    27. E não se diga que o “referido percurso lógico de análise critica” consta da sentença, pois subtraídos os pontos onde se dão por meramente reproduzidos os documentos, e os pontos onde se dá por meramente reproduzido o relatório da ação inspetiva, restam poucos pontos, - O) a V) - os constantes das páginas 25 a 27, da M. D. Sentença, mas os mesmos apenas identificam documentos, constantes do processo administrativo ou da reclamação graciosa em apenso, e as datas da sua emissão.

    28. Desconhece também a ora Recorrente a razão pela qual o Tribunal ad quo dá por reproduzido o teor do relatório final da ação inspetiva como se o mesmo constituísse “razão de ciência”, quando o mesmo é, apenas e só, uma visão subjetiva de uma das partes do litígio em apreço, e como tal deve ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT