Acórdão nº 61/19.9GBGDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução23 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Local Criminal de Grândola, Juízo Local de Pequena Criminalidade correu termos o processo comum colectivo supra numerado no qual foi julgado (...), actualmente em prisão preventiva à ordem do processo n. (…), a quem foi imputada a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo: - de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.°, n. 1, alínea b) e n. 2, alínea a) do Código Penal, requerendo ainda a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, nos termos do artigo 152.°, n. 4 e 5, do Código Penal; - e de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153°, n. 1 e 155°, n. 1, alínea a), ambos do Código Penal.

* A final - por sentença lavrada a 10-01-2020 - veio a concluir o Tribunal recorrido julgar procedente por provada a acusação pública e em consequência, decidiu: - condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pela alínea b) do n. 1 e n. 2, do artigo 152° do Código Penal, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; - condenar o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153°, n. 1 e 155°, n. 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

- em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

- condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com (...) de Jesus por um período de 3 (três) anos.

- condenar o arguido a pagar à ofendida (…) a quantia de € 1.000,00 (mil euros).

- condenar o arguido no mais que é de lei.

* Inconformado, o arguido interpôs recurso, com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos em 10.01.2020, nos termos da qual se decidiu considerar como provada a factualidade vertida na acusação pública e, em consequência, condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, previsto e punido pela al. b) do n. 1 e n. 2 do art. 152° do Código Penal, na pena de prisão de dois anos e seis meses, bem como ainda pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153°, n. 1 e 155°, n. 1, aI. a), ambos do Código Penal, na pena de seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico na pena única de dois anos e oito meses de prisão.

  1. Na sentença recorrida, o tribunal a quo concluiu, dando como provado em o) dos factos provados que "ao dirigir tais expressões a (…), o arguido agiu com o propósito de lhe provocar temor ciente de que as suas condutas eram aptas a provocá-lo, tal como efetivamente, veio a suceder.", explicitando, na parte da fundamentação que: "Prestou ainda depoimento (…), pai da ofendida, que confirmou o teor das mensagens trocadas e dirigidas a si. Admitiu que previamente às mesmas disse ao arguido que se o mesmo voltasse a ameaçar a sua filha lhe dava um tiro." C. Tendo ainda admitido em Tribunal, por várias vezes, que não tinha tido medo absolutamente nenhum do arguido, ou que este concretizasse a ameaça.

  2. Para a consumação do crime de ameaça exige-se que a ameaça seja, na situação concreta, adequada a provocar no ofendido medo e inquietação, devendo ser utilizado, para ajuizar dessa adequação, um critério objetivo e individual, sendo adequada aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características pessoais.

  3. Sabido que o ofendido, militar de carreira, ameaçara primeiro dar um tiro ao arguido, é óbvio que o contexto em que as mensagens/expressões foram proferidas - de resposta a uma ameaça de que levaria um tiro do pai da ofendida - não é apto a que se conclua que tais expressões se mostram idóneas a provocar medo ou inquietação no ofendido, ainda que efetivamente não o tenham provocado.

  4. Muito menos que o arguido o tenha efetivamente querido e representado de forma livre, voluntária e consciente, sendo até altamente duvidoso que, responder a alguém que acabou de nos ameaçar com qualquer coisa como "vamos ver quem dá o tiro a quem" configure sequer uma verdadeira ameaça que não um simples desabafo, antes se impondo a conclusão de que, atento o contexto em que as expressões foram proferidas - não se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de ameaça agravado, devendo consequentemente absolver-se o arguido.

  5. Ao considerar verificados os elementos do tipo de crime de ameaça agravada, atendo o contexto em que as mensagens do arguido foram enviadas, o tribunal a quo fez errada interpretação do disposto nos arts. 153°, n. 1 e 155°, n. 1, aI. a) do Código Penal, dispositivos que violou.

  6. Devia ao invés o tribunal a quo ter considerado que, nas circunstâncias em que as "ameaças" foram proferidas, num contexto de resposta a um aviso de que levaria um tiro, as mesmas configuravam um mero desabafo, não se mostrando por isso preenchidos os elementos objetivos e subjetivos da prática do crime de ameaça agravado p. e p. pelo art. 153°, n. 1 e 155°, n. 1, al. a) do Código Penal, devendo, consequentemente, V. Exas absolver o arguido da prática do crime em causa.

    I. Considera ainda o arguido que, tendo em atenção as circunstâncias referidas na decisão recorrida e levadas em conta pelo Tribunal a quo para a determinação da medida da pena aplicada ao arguido, é manifesto que a medida da pena concreta aplicada se mostra excessiva, não tendo o Tribunal valorado corretamente os critérios levados ao art.° 71 ° n. 1 e 2 do Código Penal, dispositivos que violou.

  7. Dentro da miríade de condutas adequadas a preencher o tipo legal de crime de violência doméstica, concluímos que a ilicitude se situa num patamar mediano, atenta a ausência de condutas mais graves. E o 50°, n. 1 do Código Penal também.

  8. Com efeito, não ignorando que estamos perante a prática de um crime de enorme gravidade na sociedade portuguesa, que urge combater a todo o custo, a verdade é que, no caso concreto, tal como o próprio tribunal a quo acaba por reconhecer, dentro da miríade de condutas adequadas a preencher o tipo legal de crime de violência doméstica, aquela que foi praticada pelo arguido será das menos gravosas, situando-se a sua ilicitude num patamar mediano.

    L. Tendo em conta que a conduta do arguido, embora reiterada, ocorreu durante um curto período de tempo, que o arguido confessou a prática dos factos e, tendo embora um passado criminal algo extenso, nunca foi condenado pela prática de crime desta natureza, bem como que tem um filho menor que precisa de si e do seu apoio, será infinitamente mais útil do ponto de vista da prevenção especial, mas também geral que o arguido seja "reeducado" para o direito, através da aplicação de uma suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada, não só sofrendo a ameaça de prisão caso incumpra as injunções que lhe forem impostas, mas sobretudo impondo-se-Ihe um regime de prova apertado com tratamento e frequência de ações de formação precisamente na área da prevenção de violência doméstica.

  9. De modo a que, num futuro próximo, dentro de dois anos, a situação não se volte a repetir e o arguido apenda a respeitar o outro, o que certamente não sucederá se simplesmente se encarcerar o arguido pelo período em que foi condenado.

  10. Termos e fundamentos por que, em respeito por uma correta valoração dos critérios levados ao art. 71°, n.s 1 e 2 e 50° do Código Penal, deverá ser alterada a concreta medida da pena aplicada ao arguido, por excessiva, mostrando-se justa e adequada a sua condenação em pena nunca superior ao limite mínimo e sempre suspensa na sua execução.

    Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente: a) ser o arguido absolvido da prática do crime de ameaça agravada por que foi condenado; b) ser alterada a concreta medida da pena aplicada ao arguido, mostrando-se justo e adequado a aplicação ao arguido de pena situada no seu limite mínimo e sempre suspensa na sua execução.

    * A Digna magistrada do Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, com as seguintes conclusões: 1º. O arguido (...) foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com (…) por um período de 3 (três) anos, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pela alínea b) do n.º 1 e n.º 2/ do artigo 152.º do Código Penal (2 anos e 6 meses de prisão) e de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1/ alínea a), ambos do Código Penal (6 meses de prisão).

    2º. O arguido/recorrente inconformado com a decisão recorreu da Douta Sentença sufragando, fundamentalmente a incorreta dosimetria das penas aplicadas, à luz dos artigos 40.º, 47.º, 71.º e 77.º do Código Penal e a errada interpretação dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1/ alínea a), do Código Penal.

    3º. O Ministério Público entende não assistir qualquer razão ao arguido/recorrente, concordando integralmente com a Douta Sentença recorrida quer quanto à matéria de facto considerada como provada, como quanto ao seu enquadramento jurídico, fundamentação, escolha e determinação da medida da pena aplicável, a qual não padece de qualquer vício ou irregularidade.

    4º. Assim, analisadas as expressões proferidas (“Dás me um tiro vamos ver o tiro que me vais dar o fudido o respeito acabo agora matas e morres" "Tão homem na hora da verdade escondesse há 20m que aqui estou") e o circunstancialismo em que foram efetuadas é legítimo concluir que as mesmas transmitem uma mensagem ameaçadora, sendo as mesmas suscetíveis de causar no destinatário, (…), medo e intranquilidade quanto a uma efetiva concretização do mal transmitido...

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