Acórdão nº 2474/17.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA LAMEIRA
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO A...................

instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa) acção administrativa contra o Estado Português, na qual peticionou a condenação deste último a pagar-lhe a indemnização no valor de €13.000,00 acrescida dos juros de mora a contar da citação, até integral pagamento.

Alega, em síntese, que sofreu danos não patrimoniais com a duração excessiva da impugnação judicial da decisão de fixação do valor patrimonial atribuído pela, então, Direcção-Geral dos Impostos à fracção autónoma do prédio constituído em propriedade horizontal inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ............... AH da freguesia de S. Domingos de Benfica, porquanto a decisão final do processo foi proferida a 17/05/2017, pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Considerando a simplicidade da causa era razoável que a mesma tivesse sido decidida no prazo máximo de 2 anos, o que não se verificou porque os sistemas administrativo e judicial não foram eficazes e funcionaram muito deficientemente.

Citado, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação, pugnando pela improcedência da presente ação.

Por sentença de 16 de Dezembro de 2019, o TAC de Lisboa julgou a acção improcedente e absolveu o Réu do pedido.

Inconformada a Recorrente /Autora interpôs o presente recurso, terminando as suas alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem: “1.ª A autora alegou ter sofrido danos não patrimoniais no valor de €13.000,00 euros, por se ter excedido e violado o prazo razoável na prolação da decisão definitiva do processo em que foi tratado o seu assunto jurídico, e pediu que o réu fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização de igual montante.

  1. A sentença começou por considerar que só devia ter tido em conta, na determinação do prazo razoável de decisão, a duração do processo judicial, olvidando que antes do início deste assunto a autora já tinha começado a ser tratado no processo administrativo, assim contrariando os artºs. 20º., nº. 4, da Constituição, e 6º., § 1º., da Convenção, 2º nº 1 do CPC e 97º, nº 1, da LGT.

  2. A acção foi julgada improcedente porque apenas se deram como provados alguns dos factos constitutivos dos danos não patrimoniais alegados pela autora e os mesmos não foram considerados relevantes e indemnizáveis face ao disposto no art. 496º, nº 1 do CC, ficando sem saber se os que ficaram provados seriam ressarcíveis.

  3. Tem-se entendido que o art. 6º § 1º, da Convenção não só é aplicável aos atrasos verificados nos processos judiciais, também o sendo aos verificados nos processos administrativos, pelo menos nos casos em que estes são um precedente necessário e obrigatório daqueles, por o interessado ter de percorrer, antes da instância judicial, uma fase preliminar administrativa pela qual tem de começar o tratamento do seu assunto.

  4. A autora não podia ter-se dirigido ao tribunal e requerer a inscrição e avaliação do imóvel que adquirira, só o podendo ter feito no competente Serviço de Finanças, do mesmo modo que também não podia requerer judicialmente a segunda avaliação, que não podia deixar de ser efectuada pela via administrativa.

  5. Sendo assim, a duração do processo administrativo, entre 28-08-2005 e 23-11-2009, data em que se iniciou o processo judicial, não pode deixar de ser também tida em conta para a determinação do prazo razoável, pelo que é de 12 anos, 2 meses e 11 dias, a duração global do processo e do tratamento do assunto jurídico da autora, o que agrava o grau de ilicitude do facto.

  6. Apenas se deram como provados alguns dos danos não patrimoniais e os mesmos foram considerados não relevantes, por se ter afastado indevidamente a aplicação ao caso do art. 6º § 1º da Convenção, do que resultou violado, não se tendo aceitado a prova por presunção nem a notoriedade dos factos, antes se tendo entendido que sobre a autora recaía o ónus de fazer prova da factualidade alegada, nos termos do art. 342º, nº 1, do CC, pelo que resultaram violados os art.ºs 349º e 350º, nº 1, ambos do mesmo Código e 412º, nº 1 do CPC.

  7. De facto, o TEDH e os tribunais nacionais têm entendido que os danos não patrimoniais decorrentes da violação do prazo razoável são factos notórios e ocorrem em todos os casos em que se verifique o pressuposto do dever de indemnizar da ilicitude, pelo que os mesmos se presumem, não necessitando de ser alegados nem provados.

  8. Está consolidada a jurisprudência no sentido de que o art. 6º, § 1º da Convenção também é aplicável aos atrasos excessivos verificados em processos em que se discutiam questões tributárias, não se distinguindo nem havendo razões para distinguir entre estes e os ocorridos em quaisquer outros processos, uma vez que é certo que as situações de atraso na justiça são todas iguais e têm as mesmas consequências, independentemente do tipo de processos em que se verificaram.

    10º Tanto o TEDH como os tribunais nacionais têm decidido que o art. 496º nº 1 do CC deve ser interpretado de acordo com o art. 6º, § 1º da Convenção, de modo a dele se extrair um resultado útil, não se exigindo que os danos não patrimoniais alegados revistam uma especial gravidade para serem ressarcíveis.

  9. Nestes termos, dando-se provimento ao recurso, deve considerar-se ser a duração global do processo e do tratamento do assunto jurídico da autora a indicada na conclusão 6ª, encontrando-se provados, por serem facto notórios ou por presunção, os danos não patrimoniadas relevantes e ressarcíveis e condenar-se o réu no pedido contra ele formulado.

    “ O Recorrido / Réu, Estado Português apresentou sucintas contra-alegações, no sentido de ser confirmada a sentença recorrida e negado provimento ao presente recurso.

    *II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 DE FACTO Na decisão recorrida foi tida em conta a seguinte factualidade, não impugnada, que se transcreve: “1) Em 24/06/2005 a autora, M..............., um representante do B..........., J.................. e M.................. assinaram o documento designado por “Compra e Venda, Mútuo Oneroso com Hipoteca e Fiança”, pelo qual a segunda declarou vender à primeira «Pelo preço de TREZENTOS E SETENTA E QUATRO MIL E SESSENTA E DOIS EUROS a fração autónoma individualizada pelas letras “AH” que constitui o sexto andar C, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua M.................., n.ºs 1 a 1-E e Rua M.................., n.ºs 13 a 13-D, em Lisboa, freguesia de Benfica, concelho de Lisboa, inscrito na matriz da freguesia de São Domingos de Benfica sob o artigo ............... com o valor patrimonial correspondente de 119.074,63€, descrito na Quinta Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número oitocentos e oitenta e dois, da freguesia de Benfica, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição F – apresentação onze de catorze de Janeiro de mil novecentos e noventa e três, com a aquisição registada a favor da vendedora pela inscrição G – apresentação dezanove de oito de Março de dois mil e um.» [cf. fls. 10-17, do processo n.º 2387/09.0BELRS, apenso].

    2) Em 23/08/2005 a autora fez dar entrada no serviço de finanças de Lisboa -12 do documento designado por “Declaração Para Inscrição ou Atualização de Prédios Urbanos na Matriz”, relativo ao imóvel descrito em 1), com o teor que consta do documento n.º 1, da petição inicial do presente processo, que se dá aqui por integralmente reproduzido.

    3) Os serviços da, então, Direcção-Geral dos Impostos remeteram à autora, que recebeu, um ofício datado de 06/02/2007, pelo qual lhe comunicaram que ao imóvel descrito em 1) foi atribuído o valor patrimonial tributário de €245.210,00 [cf. documento n.º 2, da petição inicial do presente processo].

    4) Em 12/03/2007 a autora fez dar entrada no serviço de finanças de Lisboa -12 de um requerimento com o teor que consta do documento n.º 3, da petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual requereu “SEGUNDA AVALIAÇÃO, nos termos do disposto no art.º 76.º do CIMI” [cf. documento n.º 3, da petição inicial].

    5) Os serviços da, então, Direcção-Geral dos Impostos remeteram à autora, que recebeu, um ofício datado de 18/08/2009, pelo qual lhe comunicaram que ao imóvel descrito em 1), em sede de 2.ª avaliação, foi atribuído o valor patrimonial tributário de €245.210,00 [cf. documento n.º 4, da petição inicial do presente processo].

    6) Em 23/11/2009 a autora deu entrada no serviço de finanças Lisboa – 5 do requerimento com o teor de fls. 5-6, do processo n.º 2387/09.0BELRS, apenso, que se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta que: «A................... (…) vem impugnar a 2.ª avaliação efectuada ao imóvel (…) inscrito no artigo matricial ...............-AH, da freguesia de S. Domingos de Benfica (…) deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente, anulando-se a avaliação impugnada por preterição de formalidades legais ou, caso assim não se entenda, por violação de lei ou erro de direito. (…)».

    7) Em 02/12/2009 o serviço de finanças Lisboa – 5 remeteu ao Tribunal Tributário de Lisboa o requerimento descrito no ponto anterior [cf. fls. 27, do processo n.º 2387/09.0BELRS, apenso].

    8) Em 03/12/2009 o requerimento descrito em 6) deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa [cf. carimbo de entrada de fls. 2, do processo n.º 2387/09.0BELRS, apenso].

    9) Em 07/12/2009 o requerimento descrito em 6) foi autuado com o n.º 2387/09.0BELRS e foi distribuído [cf. fls. 2, processo n.º 2387/09.0BELRS, apenso].

    10) Em 04/01/2010 o processo n.º 2387/09.0BELRS foi concluso [cf. fls. 28, processo n.º 2387/09.0BELRS, apenso].

    11) Em 07/01/2010 a Senhora Juíza titular do processo n.º 2387/09.0BELRS proferiu despacho a admitir liminarmente a impugnação e a mandar notificar a Fazenda Pública para contestar no prazo de 90 dias [cf. fls. 29, processo n.º 2387/09.0BELRS, apenso].

    12) Em 08/01/2010 os serviços do Tribunal Tributário de Lisboa expediram ofícios para a autora, para o serviço de finanças...

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