Acórdão nº 0262/07.2BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução17 de Junho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A……….., LDA, vem interpor para este Supremo Tribunal, recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Outubro de 2015, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional deduzido pela FAZENDA PÚBLICA, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 20 de Maio de 2009, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IRC e Juros Compensatórios n.°s 8310040234, 8310040311 e 83100403450 referente aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, no montante global de € 276.457.34.

Alegou da seguinte forma: 1. O presente Recurso foi interposto, pela Fazenda Pública, na sequência da sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente procedente a Impugnação Judicial apresentada pela ora Requerente, na qual a mesma peticionava a anulação das liquidações adicionais de IRC, referentes aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, respetivamente, no montante de € 103.426,15, € 83.968,56 e € 89.062,63, liquidadas na sequência da avaliação indireta da matéria coletável aplicada aos exercícios em causa.

  1. A decisão em apreço foi tomada com base no argumento, em suma, de que a Administração Tributária teria de estimar os custos (presumidos) para a obtenção dos proveitos presumidos e, não o tendo feito, as liquidações deviam ser anuladas.

  2. Para tanto, entendeu a decisão de 1ª Instância que, "a Administração fiscal tinha de estimar os custos indispensáveis à obtenção dos proveitos presumidos (artigos 83°, n°2 e 85°, n°2, da LGT e 23°, do CIRC", concluindo, assim, que “[E] esse excesso de quantificação do lucro tributável, que resultou da desconsideração de quaisquer custos presumidos (nomeadamente os custos das mercadorias vendidas a clientes à consignação) não pode ser determinado pelo tribunal, o que implica a anulação total das liquidações impugnadas por erro nos pressupostos de quantificação".

  3. Em sede de apreciação do Recurso que lhe foi submetido, o Tribunal Central Administrativo Sul veio, no acórdão em apreço, "conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença na parte objecto do recurso" tendo entendido que "a ATA só poderia ter incorrido em erro nos pressupostos de quantificação ao desconsiderar custos cuja existência confirmou ou deveria ter confirmado à face dos elementos que apurou” (vide página 21 do Acórdão datado de 8 de outubro de 2015).

  4. Em suma, entendeu o Tribunal ad quem (aqui a quo) que não colhia o pressuposto de que partiu a sentença recorrida para anular as liquidações impugnadas, determinando a sua legalidade.

    Da nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia 6. Ainda antes de analisar, em concreto, a nulidade do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 8 de outubro de 2015, cumpre referir que o mesmo é lapidar ao referir que não ocorre erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, razão pela qual "não importa pois, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto e que ficou consagrada no julgamento efectuado em 1ª instância" (negrito do original, página 15-16 do citado Acórdão).

  5. Em concreto, na sua decisão plasmada no Acórdão datado de 8 de outubro de 2015, veio o Tribunal Central Administrativo Sul - e após a revogação da sentença de 1ª Instância entender, com base no quadro factual fixado no probatório da sentença de 1ª Instância, que caberia à ora Requerente "demonstrar em tribunal que os custos que ela própria declarou estão subavaliados ou que não podiam estar conexionados com os proveitos omitidos" (vide páginas 21-22 do citado Acórdão).

  6. Ou seja, determinou o Tribunal Central Administrativo Sul que, para que tivesse sido dado provimento à impugnação apresentada pela aqui Requerente, deveria a mesma ter feito prova de que os custos declarados estavam subavaliados ou não relacionados com os proveitos (alegadamente) omitidos prova que, no entendimento do Tribunal não foi efetuada.

  7. Atribuiu pois, sem mais, o Tribunal peso aos "proveitos" na medida em que parte do inequívoco pressuposto de que os mesmos foram omitidos, sem questioná-los quanto às alegações dos intervenientes e às conclusões a que a sentença chegou quanto a este aspeto (ou à prova que quanto aos mesmos foi carreada aos autos).

  8. Porém, do quadro factual fixado no probatório da sentença recorrida - o qual, não só não foi posto em causa pelo Tribunal Central Administrativo Sul, como foi, aliás, confirmado pelo mesmo - resulta, por um lado, no que respeita aos alegados proveitos omitidos, que "[a]s guias de consignação emitidas em nome de B…….. e C……….. não representavam venda, às mesmas, de mercadoria em consignação, funcionando antes como guias de transporte destinadas a justificar, perante as autoridades, a circulação da mercadoria de que se faziam acompanhar durante a actividade de prospecção de mercado que levavam a efeito como vendedoras da impugnante (depoimento da própria B……….. e da testemunha D…………)".

  9. Com efeito, e como resulta da Impugnação Judicial apresentada em 20 de abril de 2007, ao contrário do referido no Acórdão em apreço, a Requerente invocou expressamente que falecia a determinação indireta dos proveitos (e portanto a quantificação objetiva da matéria coletável) na medida em que "as guias emitidas a essas funcionárias [B……… e C………] não representam vendas às mesmas (directas ou à consignação), mas sim verdadeiras guias de transporte, como aliás se admite no próprio Relatório, pelo que sendo claro que essas guias eram materialmente guias de transporte, jamais as mercadorias aí constantes podiam ser consideradas vendas a essas duas funcionárias" ( artigo 87.° da petição inicial).

  10. E tal argumentação veio, novamente, a ser invocada em sede de Contra-Alegações de Recurso (artigos 62.° e ss.), na qual a Requerente invocou, uma vez mais, que a quantificação dos rendimentos presumidos subjacentes às liquidações de imposto contestadas (referentes ao IRC dos exercícios de 2002, 2003 e 2004) era manifestamente excessiva e não possível em face dos recursos humanos que a Requerente dispunha nos referidos exercícios.

  11. Por outro lado, a Requerente carreou para os autos prova de que os proveitos por si declarados eram os reais, não padecendo as suas demonstrações financeiras de omissão de proveitos, na medida em que a alegação de que as vendas à consignação representavam todas "vendas" resultava de uma errónea interpretação por parte da Administração Tributária daquilo que eram, na verdade, guias de transporte de mercadorias (e não vendas!).

  12. Para tanto, a Requerente arrolou testemunhas no processo as quais corroboraram o que acima se resumiu quanto à matéria dos proveitos e da sua suposta (mas não comprovada) omissão. Refere-se a Requerente às testemunhas B……… e D……...

  13. Com efeito, atendendo à posição assumida pela ora Requerente na Impugnação Judicial e nas Contra-Alegações de Recurso — tal como da prova testemunhal produzida - entendeu o Tribunal de 1ª Instância na sentença proferida que: (i) "B………. refere no seu depoimento, prestado com assertividade, que nunca foi cliente da impugnante e dela nada recebeu para além do seu salário como vendedora. Que, nessa qualidade, fazia prospecção de mercado. Que levava uma guia em seu nome porque na actividade de prospecção ainda não sabia os clientes que iria angariar e que essa guia funcionava como uma espécie de guia de transporte para justificar, perante as autoridades policiais, o material que transportava.

    (...) Que a mercadoria que levava à consignação e não vendida, tornava à fábrica." (vide página 10 da sentença); (ii)"de destacar o depoimento de D………, TOC externo da impugnante, quando refere que os custos documentados não conseguem justificar o volume de vendas à consignação que foi presumido à impugnante, destacando que ela comprava toda a matéria-prima e fabricava a mercadoria na empresa, pouca sendo adquirida a terceiros" (vide página 10 da sentença).

  14. E, como se viu, quanto à matéria dada como assente em sede de 1ª Instância, o Tribunal Central Administrativo Sul foi lapidar ao entender que não se verificava qualquer erro de julgamento, ao invocar que "não importa pois, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto e que ficou consagrada no julgamento efectuado em 1ª instância”.

  15. Ora, o artigo 665.°, n.º 2 do CPC, aplicável ao presente recurso ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT, estabelece que "[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários".

  16. No caso em concreto, verifica-se que o Tribunal Central Administrativo Sul (i) não conheceu das questões prejudicadas pela solução dada ao litígio - nomeadamente as referentes à alegada omissão de proveitos - como, noutra vertente, (ii) não conheceu de todos os elementos factuais (e probatórios) constantes do processo - incluindo da sentença recorrida - que, a sê-lo, poderiam ter conduzido a uma decisão diversa, ambas situações geradoras da nulidade do Acórdão proferido, como veremos.

  17. A título prévio, importa referir que, tendo sido parte vencedora na ação, na íntegra, a Requerente não pôde, nos termos do disposto no artigo 280.°, n.º 1 do CPPT a contrario, recorrer da mesma, já que, nos termos da norma referida, apenas a parte vencida pode interpor recurso. Em consequência, a Requerente ficou cingida ao objeto do recurso interposto pela Fazenda Pública e, nesse âmbito, apenas pôde contra-argumentar.

  18. Desta forma, não obstante a Impugnação tenha sido dada como totalmente procedente pelo Tribunal de 1ª instância, não lhe foi possível, pelas razões de economia processual imanentes ao sistema, recorrer da...

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