Acórdão nº 03229/15.3BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução17 de Junho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

*** Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A…………, Lda. (………..), com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, em 26 de abril de 2019, que, nesta impugnação judicial, dirigida contra atos de autoliquidação de “taxas para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” (vulgo, taxas SIRCA), referentes ao período compreendido entre março de 2013 e março de 2015, julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação e absolveu a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) dos pedidos.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: « 1) Não corresponde à verdade que a reclamação graciosa e subsequente impugnação judicial se fundem exclusivamente na invocação de uma inconstitucionalidade orgânica:

  1. Desde logo, quer a referida reclamação graciosa, quer a presente impugnação judicial, não se baseiam exclusivamente na inconstitucionalidade do diploma regulador da referida taxa SIRCA, mas também no vício de violação de lei, mais concretamente na violação do disposto no art. 4°/2 da LGT. Consequentemente, a tese de que a DGAV, em sede de revisão oficiosa, não podia anular os actos de autoliquidação das taxas SIRCA por estar sujeita ao princípio da legalidade, não faz qualquer sentido... Não só podia apreciar o argumento da inconstitucionalidade, como podia e devia fazê-lo relativamente ao invocado (e confirmado) vício de violação de lei do art. 4°/2 da LGT, situação que expressa e propositadamente ignorou... Daí que não faça qualquer sentido invocar no presente caso a jurisprudência do AC. STJ de 12/10/2011 pelo que o mesmo só se refere a situações em que o contribuinte invoque EXCLUSIVAMENTE a questão da inconstitucionalidade da norma ou diploma, o que manifestamente não sucede aqui. Aliás, se dúvidas houvessem as mesmas dissipar-se-iam lendo o art. 1° da p.i., no qual a Impugnante expressamente identifica os fundamentos da impugnação, sendo fácil perceber que a presente impugnação não se baseia EXCLUSIVAMENTE em questão de inconstitucionalidade.

  2. Acresce que tem sido entendimento unânime (ou pelo menos maioritário) do STA, que a Taxa SIRCA é ilegal por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13.° da Constituição) e não apenas em virtude de uma violação da reserva de lei formal da Assembleia da República, nos termos do disposto nos arts. 103°, n.° 2 e 165°, n.° 1 alínea i) da CRP.

  3. Face ao exposto, temos de concluir que não corresponde à verdade que a reclamação graciosa e subsequente impugnação judicial se fundem exclusivamente na invocação de uma inconstitucionalidade orgânica, pois a mesma também se funda no vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, porquanto as autoliquidações supra mencionadas violam o art. 4°/2 da LGT, e ainda no vício de violação de lei derivado da violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13.° da Constituição) D) A sentença recorrida parte assim do princípio falso que a Recorrente apenas invocou uma inconstitucionalidade orgânica, recusando-se aparentemente a pronunciar quer sobre a questão do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, porquanto as autoliquidações supra mencionadas violam o art. 4°/2 da LGT, quer sobre o vício de violação de lei derivado da violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13º da Constituição), tendo em conta que a taxa “SIRCA” tal como configurada pelo Decreto-Lei n.° 19/2011, de 7 de Fevereiro, na medida em que configura o “estabelecimento de abate” como contribuinte directo de tal tributo, quando o presumível beneficiário do serviço que esta se destina a financiar é, não ele, mas o titular da exploração.

  4. No entanto, a posição do Tribunal “a quo” é contraditória e sem sentido, pois, por um lado, parte do princípio falso que a Recorrente apenas invocou o vício de inconstitucionalidade orgânica, o que não corresponde à verdade e, no seguimento desse entendimento, julgar procedente a excepção de caducidade do direito de ação, abstendo-se assim de se pronunciar sobre as restantes questões levantadas: quer o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, porquanto as autoliquidações supra mencionadas violam o art. 4°/2 da LGT, quer sobre o vício de violação de lei derivado da violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de equivalência (artigo 13.° da Constituição); Mas para fazer isso teve de concluir na sua argumentação (embora sem decidir a questão), que aquilo que argumentou, em sede de pedido de revisão, foi que o Decreto-Lei n° 19/2011 viola o artigo 4°, n.° 2 da LGT o que, a ser verdade, implicaria que um acto normativo estivesse a violar outro de igual valor, o que não poderia suceder.

  5. Ou seja, o tribunal “a quo” julgou procedente a excepção de caducidade do direito de ação, mas para o fazer teve de decidir “camufladamente” a questão do vício de violação de lei, por violação do art. 4°/2 da LGT.

  6. Isso comprova que a decisão não faz sentido. Tendo em conta que não corresponde à verdade que a reclamação graciosa e subsequente impugnação judicial se fundem exclusivamente na invocação de uma inconstitucionalidade orgânica a sentença recorrida merece censura.

    2) Relativamente à questão de mesmo nos casos previstos no n.° 3 do art. 131°, em que não há lugar a reclamação necessária, pode ainda assim ser apresentada reclamação graciosa facultativa: H) Mesmo que assim não fosse, teríamos de entender como faz Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, 2011, Volume II, anotação 3/b) ao art. 131° CPPT, pág 408 e 409), que, ao contrário do que decidiu a douta sentença recorrida, “Nos casos previstos no n.° 3 do art. 131°, em que não há lugar a reclamação necessária, pode ser apresentada reclamação graciosa, nos termos do n° 1, pois, se assim, não fosse, o contribuinte que desconhecesse a existência de orientações genéricas da Administração Tributária, que não é obrigado a conhecer, poderia perder o direito de impugnação contenciosa, por não a apresentar no prazo de 90 dias que resulta no n.° 3, o que é incompaginável com o direito à tutela judicial efetiva, constitucionalmente garantido (arts. 20°, n.° 1 e 268°, n.° 4 da CRP).

  7. A aplicação do prazo de 90 dias à impugnação judicial directa da autoliquidação, em vez do prazo de 2 anos previsto para a reclamação graciosa, só se poderá compreender tendo subjacente um entendimento legislativo no sentido de que, nos casos de divergência apenas de direito em que o contribuinte seguiu instruções genéricas da administração tributária, se justifica a aplicação do regime normal de impugnação de actos de liquidação e não o regime especial previsto neste art. 131°. E, a ser assim, congruentemente com esse entendimento legislativo no sentido de aplicação do regime normal de impugnação Judicial, a reclamação graciosa deveria ser admitida nos termos gerais previstos no art. 70° do CPPT. Na verdade, apesar da incongruência que existe no estabelecimento de prazos distintos de impugnação judicial e reclamação graciosa, a interpretar-se o n° 3 do art. 131° como manifestação de uma opção legislativa no sentido da aplicação do “regime normal” de impugnação nos casos em que estiver em causa apenas matéria do direito e o contribuinte tenha seguido orientações genéricas da administração tributária, seria corolário dessa opção pelo afastamento do regime especial impugnação de actos de liquidação que a reclamação graciosa também se fizesse nos termos normais previstos nos arts. 69° e seguintes do CPTT.

  8. No entanto, esta interpretação lógica no sentido de que, quando estiver em causa apenas matéria de direito e o contribuinte tenha seguido orientações genéricas da administração tributária, os prazos de impugnação judicial e de reclamação graciosa seriam os normais, previstos nos arts. 70° e 102°, é inconciliável com a indicação feita na parte inicial do n° 3 deste art. 131° de que o que aí se estabelece é “sem prejuízo do disposto nos números anteriores”, o que se traduz na possibilidade de reclamação graciosa no prazo de dois anos. Aliás, não se justificaria adoptar um prazo curto para a reclamação graciosa com base em fundamentos de direito e um prazo mais longo para a reclamação graciosa que inclui no seu objecto matéria de facto, cumulada ou não com matéria de direito, pois, o contribuinte facilmente poderia beneficiar deste prazo mais longo, mesmo que a sua discordância real assentasse apenas em direito, bastando para isso “inventar” discordância com qualquer matéria de facto para juntar ao seu fundamento de direito, o que, naturalmente, não representaria dificuldade apreciável… K) Por outro lado, se não há razões de segurança jurídica que, nestes casos de autoliquidação em que está em causa matéria de direito e se seguiram orientações genéricas da administração tributária, exijam uma restrição de 90 dias do prazo de impugnação judicial, a imposição desnecessária da perda do direito de impugnação contenciosa directa é incompaginável com os princípios constitucionais da necessidade e proporcionalidade (art. 18°, n.° 2 da CRP).

  9. Ainda por outro lado, não se pode encontrar qualquer justificação razoável para que, decorrido o prazo de 90 dias, se vá impor ao contribuinte a apresentação de uma reclamação graciosa para recuperar a possibilidade de impugnação judicial, quando a previsão da possibilidade de impugnação contenciosa directa prevista no n.° 3 só se pode justificar porque, nesses casos, na perspectiva legislativa, ela se considera desnecessária.

  10. Face ao exposto, sempre teríamos de entender que, como defende Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, 2011, Volume II...

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