Acórdão nº 12/19.0GCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | ISABEL VALONGO |
Data da Resolução | 24 de Junho de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório I.1 No processo sumário 12/19.0GCCBR da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – J2, após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelos fundamentos expostos, julgo procedente a acusação, e em consequência: a) Condeno o arguido A. pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelos artigos 348º, n.º 1, al. b), 14º, n.º 1 e 26º, todos do Código Penal pena de onze meses de prisão efectiva.
(…).
* I.2 Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão final que, salvo o devido respeito condenou erradamente o arguido pelo crime de desobediência, devendo este ser absolvido.
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Por via do disposto no artigo 162.º, n.º 2 do Código da Estrada, o veículo que o arguido conduzia já não se podia considerar apreendido a 19 de Agosto de 2019.
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De facto, tal artigo estabelece um prazo máximo (90 dias) para essa apreensão (e depósito) e portanto estabelece um prazo máximo para as obrigações enquanto fiel depositário.
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Decorrido o prazo de 90 dias desde a apreensão de 21 de Outubro de 2016, na falta de uma declaração que o declarasse tal veículo perdido a favor do Estado, a 19 de Agosto de 2019 o veículo era propriedade do arguido e já há muito que não se encontrava à ordem de poder público.
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Não o permitindo a lei, também não se podem manter as obrigações e ordens que lhe foram dadas enquanto fiel depositário, que radicavam nessa apreensão.
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Sem prescindir, mesmo a prova documental existente nos autos não é passível de demonstrar que o veículo se encontrasse efectivamente apreendido a 19 de Agosto de 2019, existindo apenas um print (nem sequer uma certidão, como fora solicitado) que se reporta à situação do veículo à data de 21 de Agosto de 2019, ou seja, dois dias depois dos factos destes autos.
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De resto, também as declarações das testemunhas, em julgamento, de que tal veículo se encontrava apreendido a 19 de Agosto de 2019, tiveram lugar por mera confirmação verbal, como se refere na motivação da decisão, "via rádio com o Comando", pelo que, por se tratar de testemunho de ouvir dizer deveriam ter sido consideradas imprestáveis como meio de prova.
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Saíram violados com a decisão ora em apreços violados, além do mais, o artigo 162.º, n.º 2 do Código da Estrada e os artigos 127.º e 129.º do CPP.
Nestes termos, deve o presente recurso ser recebido e em consequência deverá a decisão condenatória ser substituída por outra que absolva o arguido, nomeadamente por falta de prova bastante dos factos que lhe assacam um crime de desobediência.
Só assim se fazendo a costumada Justiça!” * I.3 O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, concluindo: “1. Por sentença datada de 14/11/2019, foi o ora recorrente A. condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 11 (onze) meses de prisão efetiva.
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Por ter transitado com o veículo de matrícula 21-79-FD, sem que fosse titular do necessário seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, violando assim o disposto no n.º 1, do artigo 150.º do C.E., foi-lhe o mesmo apreendido, em 21/10/2016, pela competente autoridade de trânsito, que o constituiu como fiel depositário e informou das inerentes obrigações, incluindo a proibição de a fazer transitar, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
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Pelo que, ao circular, no dia 19/08/2019, com a viatura apreendida nos termos descritos em 2., e com plena consciência do seu ato, o ora recorrente preencheu todos os elementos dos tipos objetivo e subjetivo do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
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De facto, está em causa uma ordem (apreensão) formal e substancialmente legal, emanada de autoridade competente, regularmente comunicada ao destinatário, com a necessária e expressa cominação, a conferir à conduta infratora, o carácter de desobediência. E verifica-se o não acatamento da ordem, consubstanciado na condução da viatura em causa.
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A apreensão da viatura não havia cessado à data dos factos pelo decurso do tempo e a ausência de declaração de perdimento do veículo a favor do Estado, sendo certo que a cessação da apreensão apenas ocorre com a prova, perante a administração, da celebração do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel cuja falta legitimou a referida apreensão, conforme decorre da leitura da disposição contida na parte final, do n.º 6, do artigo 162.º, do C.E.
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Se decorridos 90 dias sobre a data da apreensão da viatura e perante a inércia do Estado em declarar a viatura perdida em seu favor, o infrator, constituído fiel depositário da mesma, se visse liberto do ónus que sobre si impendia, ainda que não tivesse celebrado contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o ato de apreensão revelar-se-ia inócuo e desprovido de significância.
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Sendo válida, vigente e legítima a ordem de apreensão e, como se consignou como provado, tendo o arguido plena consciência de que desobedecia à mesma ordem, é óbvio que o desrespeito tinha de ser punido; como foi.
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A valoração da prova documental não pode segmentar-se da demais prova carreada para os autos. Os elementos documentais foram concatenados, como não podiam deixar de o ser, com os depoimentos das testemunhas identificadas nos autos, bem assim com as denominadas presunções de facto, que que se fundam nas regras da experiência comum.
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Bem andou o tribunal a quo ao considerar provado, à data de interesse, o estado de apreendido do veículo em apreço, não tendo omitido o dever de fundamentação quanto à formação da respetiva convicção, tal como lhe é imposto pelos artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
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Os depoimentos prestados pelos militares da Guarda Nacional Republicana nos presentes autos não configuram, de modo algum, depoimentos indiretos. Na verdade, os mesmos declararam ter verificado no local que o veículo não tinha inspeção, nem seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, estando por isso apreendido, o que apenas confirmaram, em ato posterior, via rádio, junto do Comando.
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Não foram violadas quaisquer normas legais, nomeadamente as disposições contidas nos artigos 162.º, n.º 2, do Código da Estrada e 127.º e 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida, nos seus precisos termos, a douta decisão recorrida. V.ªs Ex.ªs, porém, decidirão conforme for de Direito e de Justiça!” * I.4 Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: “(…) 4. Quanto ao objecto do recurso, acompanhamos a bem fundamentada resposta do Ministério Público junto da 1ª instância, na defesa da...
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