Acórdão nº 963/07.5BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelT
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO J….., SGPS, SA (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 16.11.2012, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinente ao exercício de 2004.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “1a O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela J….. contra a liquidação de IRC que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 2004, mediante a aplicação do n° 2 do artigo 38° da LGT (CGAA).

2a Entende a Recorrente que a Sentença em referência está ferida de nulidade.

3a Esta resulta, em primeiro lugar, do facto de a Juiz que efectuou e presidiu à inquirição de testemunhas realizada (a Exma. Senhora Dra. A…..) não ter sido a mesma que, na Sentença recorrida, apreciou e valorou a prova testemunhal produzida (a Exma. Senhora Dra. M…..).

4a E, em segundo lugar, do facto de a sentença não especificar, de forma tautológica e conclusiva, os fundamentos de facto em que assenta. Com efeito, a Sentença recorrida incorre numa insuficiente discriminação da matéria de facto provada e não provada e numa total ausência de exame crítico da prova produzida, com o efeito de não levar em conta, na sua decisão, factos corroborados testemunhalmente e decisivos na análise substantiva das questões decidendas.

5a Em muitos casos, até, em vez de factos, a Sentença prevaleceu-se de puras especulações e observações tendenciosas, retiradas do Relatório de Inspecção Tributária, insusceptíveis de operar como base de apoio da tese jurídica com que subjaz à decisão final da causa.

6a Quanto ao julgamento da matéria de Direito, considera a Recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida é anulável por interpretação e aplicação inidóneas do Direito aplicável.

7a Neste domínio, considera a Recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não refuta com argumentos consistentes a alegação, apresentada pela impugnante, segundo a qual teria caducado o direito de utilizar o procedimento especial previsto no n° 1 do artigo 63° do CPPT, sem o que não é possível à Administração aplicar a CGAA. Assim sendo, tendo o processo de inspecção subjacente à liquidação impugnada iniciado em 2007 e a celebração do contrato de compra e venda de obrigações emitidas pela F….. pela H….., a constituição da F….. e a celebração do contrato de cessão da posição contratual assumida pela H….. naquele contrato de compra e venda em benefício da H….., ocorridos em momentos que antecedem em mais de três anos a mencionada data, caducou o direito da Administração fiscal àquele procedimento.

8a Esta conclusão resulta do facto de, no n° 3 do artigo 63° do CPPT, a referência ao acto ou à celebração do negócio jurídico como marcos a partir dos quais se inicia a contagem deste prazo especial só poder querer abranger, pela forma como se encontra redigido, os actos ou negócios jurídicos realizados através da “utilização de meios artificiosos ou fraudulentos ou realizados com abuso de formas” — os chamados também “actos fraudatórios” - e já não os actos fraudatórios ou abusivos e a obtenção de uma vantagem fiscal, conforme o que ocorra mais tarde.

9a A leitura do Tribunal Tributário de Lisboa não é esta, contudo. Ela pressupõe que o prazo de caducidade em análise pode contar-se justamente a partir da obtenção de uma vantagem fiscal — que, de resto, pode distar vários anos dos actos alegadamente abusivos —, muito embora seja a “interposição” da F….. que verdadeiramente, na perspectiva da Administração fiscal e agora também na sua, constitui um abuso de formas.

10a Ora, levada ao limite, esta tese — que já de si pressupõe uma violação crassa do elemento literal da norma do n° 3 do artigo 63° do CPPT — redunda numa frontal contradição com aquela que parece ser a sua ratio e, assim, numa extensão desmesurada do intervalo temporal de actuação da Administração.

11a A constituição e licenciamento da F….. e a concessão, por esta, dos empréstimos à F….. que originaram o pagamento dos juros que a administração fiscal imputou à J….. para efeitos da tributação desta última ocorreram em datas anteriores à entrada em vigor da CGAA aplicada na douta decisão recorrida.

12a Ora, aplicar a estes factos a referida disposição do artigo 38.°, n.° 2, da LGT significa incorrer na aplicação retroactiva dessa norma, em manifesta violação do n.° 3 do artigo 103.° da CRP.

13a Caso não se entenda que o douto Acórdão recorrido, ao pretender aplicar aos factos em que se consubstanciaria o “abuso de formas” a disposição do art. 38.°, n.° 2, da LGT, sem que ela estivesse em vigor ao tempo da constituição da F….., nem sequer ao tempo do seu licenciamento, nem tão-pouco ao tempo da celebração dos negócios com a F….., incorreu em aplicação retroactiva daquele preceito, então estar-se-á a interpretar e aplicar a norma do artigo 38.°, n.° 2, da LGT com o sentido de que é aplicável a factos anteriores à sua entrada em vigor contanto que estes se integrem numa cadeia ou complexo de actos em que alguns deles ocorreram já no seu domínio de vigência, ainda que estes últimos se traduzam apenas na distribuição de rendimentos com base em contratos celebrados anteriormente.

14a Ora, interpretada com este sentido, a norma é materialmente inconstitucional porque viola a proibição constitucional da retroactividade da lei fiscal consagrada no artigo 103.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa — o que ora expressamente se invoca.

15a Ainda quanto ao julgamento da matéria de Direito, considera a Recorrente, em segundo lugar, que o Tribunal a quo incorre num erro grosseiro de interpretação da norma do n° 2 do artigo 38° da LGT — da sua função e do seu conteúdo —, designadamente por entender que na CGAA se enquadram situações que, de todo, não fazem parte do seu campo de aplicação.

16a Neste contexto, a decisão recorrida limita-se a sublinhar que dos negócios jurídicos em causa nos presentes autos resultou uma vantagem fiscal que não se verificaria caso eles não fossem realizados (pelo menos com a configuração, conteúdo ou sequência em que o foram), ou se o fossem através de outras subsidiárias da Recorrente, sem, contudo, cuidar de demonstrar por que razão as formas utilizadas se afiguram como artificiosas ou fraudulentas e realizadas em abuso de formas, ao arrepio de um qualquer programa normativo contido, de forma explícita ou implícita, numa determinada norma ou conjunto de normas.

17a Ora, sendo da natureza das coisas que todos os ganhos realizados pela F….., dentro dos limites legais, seriam isentos de imposto e, mais tarde, naturalmente distribuídos ao respectivo accionista — o qual é uma SGPS —, impor- se-ia ao Tribunal que demonstrasse, no fundo, que a J….. não poderia deter a F….., que esta não preenchia as condições para poder beneficiar do regime fiscal que sempre lhe adviria pelo facto de se encontrar licenciada para operar na Zona Franca da Madeira e que esta, enquanto participada daquela, não poderia exercer qualquer actividade lucrativa (a menos que não distribuísse lucros!).

18a O entendimento da Recorrente é, pois, o de que essa demonstração não foi realizada porque, pura e simplesmente, ela não é possível. E que, em boa verdade, no caso em apreço foram realmente realizados negócios perfeitamente usuais, foram escolhidas formas que cumpriram a sua vocação habitual e desencadearam os seus efeitos típicos, tal como estes foram representados e queridos pelo legislador.

19a Por um lado, a F….. foi constituída na Zona Franca da Madeira com o objectivo de promover a prestação de serviços e de financiamento a entidades não residentes em território nacional, porque a essas actividades, em tal localização, o legislador oferecia condições preferenciais, nomeadamente em termos de tributação. O Grupo J….. até poderia ter escolhido outra subsidiária, que não dispusesse desse regime fiscal favorável, mas essa opção não seria minimamente racional: ela representaria a via mais onerosa e implicaria a rejeição — não se sabe em nome de que ideia ou princípio — do incentivo ou convite implicado na própria natureza do regime especial da Zona Franca da Madeira.

20a Por outro lado, a J….. assumiu a forma societária SGPS em resposta a uma proposta do nosso legislador de encorajamento dos empresários portugueses a deterem as participações nas suas sociedades operacionais através de sociedades deste tipo, pelas razões que figuram no preâmbulo do diploma que instituiu este tipo societário (Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de Dezembro) e tendo em conta o regime fiscal que às mesmas veio a ser oferecido (regime que hoje consta do artigo 32° do EBF) e que contemplava e contempla condições especiais para excluir da base tributável das SGPS os lucros que lhes fossem distribuídos pelas suas subsidiárias, bem como regras favoráveis para a tributação de mais-valias realizadas com a alienação de participações sociais.

21a Em face do que vai dito, afigura-se que a contribuinte, no caso dos autos, se limitou a responder positivamente às solicitações da política pública de incentivos fiscais. Primeiro, concentrou as suas participações, por sector de actividade, em SGPS, confiado na neutralidade fiscal que a lei assegurava a esta particular forma. Depois, carecendo de constituir uma sociedade operacional destinada ao financiamento e prestação de serviços a entidades sediadas no exterior, escolheu o local a que, em Portugal, corresponde um melhor regime tributário para tal objecto: a Zona Franca da Madeira.

22a Ao agir como agiu, a J….. e a sua participada nortearam-se por propósitos económicos substantivos e racionais, dando cumprimento a um programa normativo de...

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