Acórdão nº 79/01.8BTLRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO R….., SA, (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo de impugnação judicial deduzido contra as liquidações adicionais de IVA com o n.º ….., relativas ao ano de 1997, no valor de € 76.667,39 (15.370.432$00) bem como as liquidações dos correspondentes juros compensatórios, com os n.ºs ….., ….. e ….., relativas aos períodos de 06/97, 09/97 e 12/97, no valor, respectivamente, de € 583,81 (117.044$00), € 13.589,50 (2.724.450$00) e € 6.473,29 (1.297.779$00), a qual julgou, totalmente, improcedente a impugnação judicial com a manutenção dos atos de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios.

A decisão recorrida foi proferida na sequência de Acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) datado de 11 de março de 2009, que anulou a sentença de procedência parcial proferida a 4 de junho de 2007, e ordenou a baixa dos autos à primeira instância para conhecimento da violação do direito de audição prévia arguida pela Impugnante.

A Recorrente apresentou alegações, tendo concluído, após competente aperfeiçoamento, da seguinte forma: “ 1. A douta Sentença violou o caso julgado.

  1. Com efeito, foi anteriormente proferida a douta Sentença de 04.06.2007, que julgou a presente impugnação Judicial procedente quanto aos juros compensatórios.

  2. Conforme resulta das respectivas alegações de recurso, a Impugnante/Recorrente interpôs recurso daquela douta Sentença de 04.06.2007 apenas na parte em que esta julgou a impugnação improcedente – ou seja, na parte em que a mesma Sentença não respeitou aos juros compensatórios.

  3. A FP não interpôs recurso da douta Sentença de 04.06.2007.

  4. Pelo que, quanto aos juros compensatórios, a douta Sentença de 04.06.2007 transitou em julgado.

  5. Por conseguinte, a douta Sentença aqui recorrida, ao julgar a presente Impugnação Judicial improcedente também quanto aos juros compensatórios, violou o caso julgado.

    Sem prescindir, 7. Quanto aos juros compensatórios, a douta Sentença aqui recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de Direito que justificaram a improcedência da Impugnação Judicial também quanto aos juros compensatórios (artigos 125.º nº1 do CPPT e 615º nº1 b) e nº4 do CPC).

  6. A Recorrente /Impugnante imputou aos juros compensatórios vícios autónomos, específicos, independentes da legalidade da liquidação adicional de IVA-mas a douta Sentença não fez qualquer apreciação da legalidade dos juros compensatórios.

    Por outro lado, 9. A douta Sentença é ainda nula por omissão de pronúncia quanto ao pedido de indemnização dos encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia, apresentando nestes autos em 09.05.2011, acompanhado dos respectivos documentos comprovativos (cfr. artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, redacções aplicáveis), Acresce o seguinte, quanto à prescrição, 10. A dívida emergente das liquidações impugnadas prescreveu (cfr. artigos 34º do CPT; 6º do DL 398/98, de 17/12, 48º nº1 e 49º nº2 da LGT, redacção aplicável; e 297º nº 1 do CC, por remissão do artigo 5º, nº1 do DL398/98, de 17/12).

  7. Com a consequente extinção da presente Instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em prescrição- a qual, aliás, é de conhecimento oficioso (artigo 175.º do CPPT).

  8. Com efeito, a Impugnação Judicial esteve parada por mais de 1 ano, por facto não imputável ao contribuinte.

  9. Se dúvidas houver, deve o processo baixar ao Tribunal a quo, a fim de ser alargada a matéria de facto assente, de forma a permitir a apreciação da questão da prescrição, podendo o Tribunal a quo ordenar à AT a remessa dos elementos documentais adicionais necessários para a apreciação da prescrição da dívida exequenda (princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material - artigos 13º n.º 1 do CPPT e 411.º do CPC.

    Sem prescindir, Quanto à violação do direito de audição prévia 14. A douta Sentença padece de erro de julgamento quando entende não ter havido violação do direito de audição prévia.

  10. Conforme prova produzida, o projecto de correcções enviado ao contribuinte, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, não continha todos os elementos necessários, de facto e de Direito, que permitissem o exercício esclarecido do direito de audição prévia, não estando devidamente fundamentado - em violação dos artigos 101.º nº 2 do CPA, redacção à data, 60º nº 1 e) e nº 5 da LGT e 267.º nº 5 da CRP.

  11. Conforme, aliás, reconheceu/confessou expressamente a própria AT em 2.1. alínea a), págs. 6, do relatório de inspecção tributário referido em D) da factualidade assente.

  12. Se se omitem partes relevantes no projecto de correcções, fica obviamente prejudicado o exercício do direito de audição prévia - como sucedeu in casu.

  13. Sendo certo que, em resposta àquele projecto de correcções, a Impugnante/Recorrente limitou-se a salientar que o projecto de correccões não estava suficientemente explicitado/fundamentado, em violação do direito de audição prévia - nada mais tendo acrescentado, nem podendo fazê-lo, atenta a sobredita insuficiência desse projecto.

    Aliás, 19. Os artigos 101.º n.º 2 do CPA, redacção à data, e 60º nº1 e) e nº 5 da LGT, na interpretação segundo a qual a AT não está obrigada a comunicar previamente ao contribuinte todos os elementos, de facto e de Direito, que lhe permitam um exercício totalmente esclarecido do seu direito de audição prévia, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 267.º n.º 5 da CRP.

    Sem prescindir, Quanto à legalidade das liquidações de IVA e JC, 20. Segundo o Tribunal recorrido, enquanto a liquidação de IVA a favor da AT é uma obrigação legal, a dedução, em simultâneo, do mesmo valor de IVA a favor do contribuinte (como sucede em todos os casos de autoliquidação de IVA ou reverse charge - designadamente nas AICB e nas aquisições de serviços prestados por não residentes), seria uma mera faculdade que só ao contribuinte compete exercer ou não, como este muito bem entender.

  14. Ora, esse entendimento é oposto àquele que tem sido profusamente expresso em variados Acórdãos do TJUE (e pela mais variada Doutrina) - e está em causa a aplicação de normas de direito comunitário, designadamente os artigos 2º e 17º a 20º da Sexta Directiva 77/388/CCC do Conselho, de 17 de Maio de 1977, in JOCE ng L 145, de 13/06/1977, p. 0001-0040 (em vigor à data dos factos).

  15. Veja-se também o artigo 2º, § 2º, da Primeira Directiva/IVA, de 11 de Abril de 1967.

  16. Com efeito, o TJUE, com base nas Directivas do IVA, tem reiterado que a dedução do IVA por parte de um sujeito passivo (não consumidor final, pois) não é um mero direito ou faculdade; é um dever para o sujeito passivo, 24. sob pena de violação do princípio da neutralidade fiscal do IVA relativamente aos sujeitos passivos, já que se trata de um imposto sobre os consumidores finais e não sobre os sujeitos passivos/agentes económicos.

  17. Sendo certo que no caso dos autos estamos perante transacções comerciais entre sujeitos passivos de IVA, com obrigação de liquidação de IVA a jusante e integral direito de dedução do IVA suportado a montante.

  18. A dedução do IVA é imperativa e deve, aliás, ser efectuada no mesmo período em que é liquidado o IVA respeitante a AICB e aquisições de serviços prestados por não residentes (artigo 229 do CIVA).

  19. A Sexta Directiva "comandou" a redacção do preceituado no CIVA e, consequentemente, deve nortear a forma como as disposições legais do CIVA podem e devem ser interpretadas e aplicadas.

  20. Nos termos do artigo 8º nº 3 e 4 da CRP, o regulado naquela Directiva sobrepõe-se e prevalece sobre o normativo interno.

  21. A douta Sentença, ao sufragar a posição da AT e, por conseguinte, ao coarctar à Recorrente o exercício do direito à dedução do IVA, interpreta e aplica os ditos artigos 19º do CIVA e 19º do RITI em violação dos preceitos comunitários e dos princípios constitucionais da justiça, proporcionalidade e prossecução do interesse público (artigos 55 e 559 da LGT, 3º a 6º do CPA, redacção aplicável, e 266º nº 2 da CRP).

  22. Com efeito, estes princípios impunham que, das duas uma: (i) ou se aceita o direito à dedução da Recorrente; (ii) ou se revoga a liquidação de IVA efectuada pela AT - caso contrário, verifica-se um enriquecimento ilegítimo, sem causa, da AT.

  23. Em suma, a AT está obrigada à "plena reposição da legalidade", dentro do aludido respeito do princípio da proporcionalidade (cfr. artigo 100º da LGT).

  24. Assim, impunha-se à AT, quando efectuou a liquidação adicional de IVA em questão, que atendesse igualmente à simultânea dedução do mesmo montante de IVA, conforme previsto na lei - só assim a sua actuação seria "justa" e equitativa.

  25. Caso contrário, como sucede na douta Sentença recorrida, sufraga-se uma actuação administrativa norteada única e exclusivamente pelo "princípio" da maximização da receita fiscal - e não pelo princípio da plena reposição da legalidade, ao arrepio das mais elementares regras de isenção e objectividade da actuação administrativa.

  26. O direito à dedução de IVA só pode ser retirado, por via administrativa, em circunstâncias muito excepcionais, que devem ser sujeitas ao crivo do princípio da proporcionalidade.

  27. De facto, em circunstâncias como a dos autos, de autoliquidação ou reverse charge do IVA (liquidação e dedução simultâneas do mesmo valor de IVA), em que não se evidencia qualquer prejuízo para os interesses da Fazenda Pública, os princípios da justiça e da proporcionalidade demandam que não se façam correcções prejudiciais ao contribuinte - sobretudo quando estão em questão correcções baseadas em razões meramente formais.

  28. Ao não ser invocado qualquer preceito comunitário que legitimasse o entendimento da douta Sentença, de que o direito de dedução do IVA, em AICB e aquisições de serviços prestados por não residentes, é uma mera faculdade, a douta Sentença está em oposição com o douto Acórdão do STA, 2ª Secção, de 02.03.2005, Proc. 01186/04, in...

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