Acórdão nº 01082/05.4BEPRT-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MUNICÍPIO ……… [M…..] interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 15.02.2019, o qual concedeu parcial provimento ao «recurso de apelação» que interpôs da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], de 18.03.2017, proferida no âmbito de execução do julgado anulatório - processo nº1082/05.4BEPRT, a que os presentes autos estão apensos - contra si instaurada pela HERANÇA JACENTE DE A……………, e ainda por B…………., e o «condenou a pagar às exequentes» determinadas quantias pecuniárias, com juros de mora.

    Conclui assim as suas alegações de revista: DA ADMISSÃO DO RECURSO A) O recurso é interposto do acórdão - reformado - do TCAN que concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelas exequentes - ora recorridas - revogou em parte a sentença do TAF e, no que para o presente recurso releva, condenou o município executado a pagar às exequentes «os salários, subsídios de férias, de Natal e de refeição que a funcionária A………..

    […] deixou de auferir desde o dia seguinte à data em que foi notificada do acto de demissão - 23.02.2005 -, com excepção dos dias em que recebeu o seu vencimento correspondentes a 14 dias do mês de Março de 2005 e a 8 dias do mês de Abril de 2005, conforme dado como provado, até à data da sua morte - 01.06.2014 -, durante o período em que, por força do acto impugnado, esteve a cumprir pena de demissão a que foi condenada, incluindo os aumentos salariais eventualmente ocorridos nesse período e os diferenciais existentes por eventuais progressões na carreira […]»; B) O presente recurso deverá ser admitido, nos termos previstos no artigo 150º, nº1, do CPTA, pois está em causa a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, e porque, simultaneamente, se verifica que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; C) Em causa no presente recurso está a validade do acto sancionatório pelo qual, no âmbito de um processo disciplinar, foi aplicada uma pena de demissão a uma trabalhadora com vínculo de trabalho em função pública; D) Assume particular relevância saber se para fundamentar a aplicação da pena de demissão a um funcionário público é necessário que essa pena, de demissão, surja legalmente tipificada como consequência de uma determinada infracção, ou deve considerar-se que embora por si só cada uma das infracções imputadas ao funcionário não tenha como consequência a aplicação de pena de demissão, todas essas infracções, consideradas no seu conjunto, e na medida em que inviabilizam a manutenção da relação funcional, são susceptíveis de fundamentar aplicação de pena de demissão; E) Mais concretamente, há que averiguar se o acto que aplicou a referida pena de demissão é ou não nulo, por lhe faltar um dos seus elementos essenciais, o que implica que se avalie a suficiência dos fundamentos que suportaram a aplicação dessa pena; F) Como é altamente intuitivo, dado o impacto socioeconómico da relação de emprego público e, bem assim, a delicadeza de qualquer questão que contenda com extinção do vínculo laboral, o problema em litígio possui um interesse jurídico e comunitário inegável; G) Ademais, basta ter em consideração o elevado número de cidadãos com vínculo de emprego público, e a frequência com que a extinção desse vínculo culmina num processo judicial, para concluir, com facilidade, que a utilidade da decisão que vier a ser proferida extravasa os limites do caso concreto, sendo potencialmente aplicável a uma panóplia de casos semelhantes; H) Além da questão relativa aos fundamentos para a aplicação da pena disciplinar de demissão no âmbito do vínculo de trabalho em função pública, está também em causa, neste recurso, a densificação de uma das causas de nulidade prevista no artigo 133º, nº1 do CPA, na redacção aplicável ao caso, questão que detém, só por si, relevância suficiente para a admissão; I) Uma tal constatação é ainda reforçada se se tiver em consideração que a concreta causa de nulidade em escrutínio - a saber, a falta de «elementos essenciais» do acto administrativo - peca pelo seu carácter indeterminado e consequente dificuldade acrescida na concretização dos casos que lhe poderão ser subsumíveis; J) Tendo sido pela falta de «elementos essenciais» do acto administrativo praticado pelo Senhor Vereador em 07.11.2007 que o Tribunal a quo o considerou nulo, sempre terá de se averiguar, no presente recurso, quais são afinal os «elementos essenciais» cuja falta redunda na nulidade do acto administrativo e, concretamente, saber se um acto administrativo pode ser considerado «elemento essencial» do outro; K) Ora, a considerável dificuldade no preenchimento do conceito de «elementos essenciais» deu azo a uma divergência doutrinal [e jurisprudencial] entre os defensores da adopção do critério estrutural que reconduzisse os «elementos essenciais» aos elementos constitutivos do conceito de acto administrativo [com a inerente dificuldade de se esbaterem fronteiras entre a nulidade e a inexistência do acto administrativo], e os defensores da adopção de critério material, associando o conceito vindo de referir a requisitos legais cuja falta, pela sua essencialidade ou gravidade, se entendesse que não devia ser apenas submetida ao regime da anulabilidade [não se ultrapassando, na verdade, o recurso a conceitos iminentemente indeterminados]; L) A complexidade inerente à concretização do conceito indeterminado em matéria tão sensível e com consequências tão gravosas, conduziu a que a jurisprudência adoptasse uma postura extremamente restritiva quanto à aplicabilidade da causa de nulidade vinda de referir, a qual foi totalmente postergada pela decisão recorrida; M) A densificação de uma das causas de nulidade de actos administrativos, é uma questão que reveste, por si, relevância jurídica indesmentível; N) No presente recurso está precisamente em causa o preenchimento do controverso conceito de «elementos essenciais», já que foi com fundamento nesta causa de nulidade que o Tribunal a quo considerou nulo o acto de 07.11.2007, que aplicou à funcionária a 2ª pena de demissão; O) Resulta evidente do que se deixou exposto, que o presente recurso versa sobre uma matéria de assinalável relevância, e notável complexidade, que importará, de certo, a um largo espectro de casos; P) Neste recurso cumpre esclarecer, ainda, se extravasa o âmbito do processo de execução de julgado as questões de saber se o acto de 25.02.2005 é ou não elemento essencial do acto de 07.11.2007, e se, em concreto, as demais infracções disciplinares praticadas pela funcionária A……… são, ou não, suficientes para afirmar a inviabilidade da manutenção da relação laboral e, consequentemente, sustentar a aplicação da pena de demissão; Q) O Tribunal a quo não podia pronunciar-se, no presente processo executivo, sobre a validade do acto que aplicou a pena de demissão de 07.11.2007, impondo-se, também, quanto a esta questão, que este STA se pronuncie, porquanto a mesma reveste um interesse que ultrapassa o âmbito destes autos, sendo susceptível de se repetir; R) Também do ponto de vista jurídico, as questões elencadas requerem a intervenção do STA, uma vez que o acórdão recorrido revela flagrantes erros na aplicação do direito; S) O Tribunal recorrido fez erradíssima interpretação do disposto nos artigos 176º, nº5, e 179º, nº2, do CPTA; T) O acórdão recorrido faz uma interpretação ilegal do disposto no artigo 133º, nº1, do CPA e ignora, por completo, que o «Estatuto Disciplinar» previa, no nº1, do artigo 26º, uma cláusula geral que permitia, à semelhança do actual artigo 187º da «Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas», a aplicação da pena de demissão às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional; U) Tudo razões pelas quais se conclui que este recurso reúne os pressupostos vertidos no nº1, do artigo 150º, do CPTA, requerendo-se a sua admissão; DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO V) Antes do mais, em ordem a esclarecer definitivamente o objecto dos autos principais e a sua articulação com outros processos, atente-se na seguinte sistematização: 1) O processo nº1082/05.4BEPRT teve como objecto o despacho do Senhor Vereador de 15.02.2005, que aplicou a primeira pena de demissão à funcionária A………….

    e que foi anulado com base no vício de incompetência. Os presentes autos respeitam precisamente à execução da sentença de anulação proferida no âmbito deste processo; 2) O processo nº3134/14.0BEPRT tem como objecto o despacho do Senhor Vereador de 07.11.2007, que aplicou a segunda pena de demissão à funcionária A………….., e no qual ainda não existe decisão transitada em julgado; 3) O processo nº1174/05.0BEPRT teve como objecto o despacho do Senhor Vereador de 25.02.2005, que considerou injustificadas as faltas dadas pela funcionária A………… no ano 2002, e que foi anulado; W) Convém esclarecer, a nível factual, que os processos disciplinares nºs …….. e ……., que deram origem ao despacho do «Vereador do Pelouro dos Recursos Humanos» da Câmara Municipal ……….., de 07.11.2007, tiveram, de acordo com o respectivo relatório, subjacentes os seguintes factos: [i] a funcionária deu 15 faltas seguidas e 20 interpoladas, todas injustificadas, no ano de 2002; [ii] a funcionária deu 5 faltas interpoladas, injustificadas, quatro em Dezembro de 2004 e a quinta no dia 5 de Janeiro de 2005; [iii] em 7 de Janeiro de 2005, a funcionária requisitou, para utilização pessoal, acórdãos do STA, utilizando expedientes de falsas requisições, durante o horário de expediente; [iv] incidente ocorrido na sala de leitura de periódicos, com falta de respeito da funcionária em relação ao seu superior hierárquico, no dia 13 de Janeiro de 2005; X) Tais factos culminaram na condenação da funcionária, A…………, em várias infracções disciplinares, por violação dos deveres de assiduidade e pontualidade, lealdade e de correcção - ver facto provado nº8; Y) Dito isto. O Tribunal recorrido considerou...

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