Acórdão nº 0401/13.4BEVIS 0444/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução03 de Junho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – O representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 7 de Fevereiro de 2018, que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação de IRC, referente ao ano de 2009, no valor de €328.277,74, apresentou recurso incidente sobre o segmento decisório que considerou que a impugnante A……….. SGPS SA - enquanto SGPS - exerceu uma actividade económica de forma directa, para efeitos do disposto no art.º 43.º do EBF, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação com a consequente anulação da liquidação de IRC referente ao exercício de 2009, cingindo-se o âmbito do presente recurso apenas sobre o segmento decisório que considerou que a impugnante enquanto SGPS – exerceu uma atividade económica de forma direta, para efeitos do disposto no art.º 43.º do EBF.

B. O fundamento da procedência da impugnação em referência assenta no facto de o decisor ter concluído que as SGPS (i) exercem de forma indireta mediante as suas participadas a atividade económica constante do pacto social daquelas (estando-lhe vedado o exercício direto da mesma); (ii) exercem de forma direta uma atividade económica que consiste na gestão ativa das participações, visando a sua rentabilização, quer mediante a obtenção de dividendos quer mediante eventuais mais-valias; (iii) exercem de forma direta uma atividade económica de concessão de crédito às suas participadas (sublinhado nosso).

C. Isto porque, no dizer da decisão sob recurso, “…o regime das SGPS prevê que estas exerçam uma atividade económica indiretamente e mediante o controlo das suas participadas que, essas sim, exercem atividades económicas a título direto, impedindo-as de exercer aquelas atividades económicas de forma direta”, sendo que, nos termos do mencionado regime jurídico, “…essa proibição não é absoluta na medida em que se admite que estas [as SGPS] prestem serviços de administração e gestão às suas participadas, mediante retribuição, bem como concedam financiamento às suas participadas dento de determinados limites”.

D. Pelo que, consignou-se logo a seguir na decisão, “…tem de se considerar como atividade principal da SGPS aquelas atividades de participação ativa na gestão e concessão de crédito, não podendo [essas atividades] ser classificadas como meramente acessórias” (sublinhado nosso).

E. Transpondo estas interpretações do regime jurídico das SGPS ao caso vertente, entendeu o Tribunal a quo que “…a SGPS exerce uma atividade de prestação de serviços e de prestação de serviços de gestão que, visando a obtenção de lucro, é de considerar como uma atividade económica para efeitos da aplicação quer do CIRC quer do EBF”, sendo que, tendo a impugnante auferido “…juros relativos à concessão de empréstimos às suas participadas”, “indubitavelmente, essa atividade é exercida de forma direta e não indireta”.

F. Ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, sendo nosso entendimento que o Tribunal a quo fez na sentença em crise uma incorreta interpretação do regime jurídico das SGPS, previsto no D. L n.º 495/88, de 30.12, em especial do art. 1.º, bem como dos art. 4.º, 5.º e 8.º. Nisso reside o erro de julgamento.

G. Ora, conforme resulta dos transcritos segmentos da decisão, o julgador considerou que, nos termos do regime jurídico das SGPS, aplicado à situação de facto da impugnante, permite e admite que as SGPS exerçam - de forma direta - uma atividade económica, atividade essa consubstanciada na gestão ativa das participações e na concessão de crédito às suas participadas, que, aliás, a decisão considera como atividade principal das SGPS.

H. No presente recurso o que em causa está é saber que concreto tipo de exercício – direto ou indireto - da atividade económica admite o D-L n.º 495/88, de 30.12 que as SGPS exerçam.

I. Sob a epígrafe Sociedades gestoras de participações sociais, é do seguinte teor o n.º 1 do art. 1.º do D. L. n.º 495/98, de 30.12: 1 - As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas. (sublinhado nosso).

J. Apesar da definição da norma vinda de aludir ser esclarecedora, e sistematicamente ter sido colocada logo na primeira parte do primeiro artigo do corpo do diploma, a sentença sob crítica entendeu que a gestão ativa das participações e a concessão de crédito às participadas consubstancia o exercício de forma direta de uma atividade económica.

K. Discordamos do assim doutamente decidido, desde logo porque, se bem interpretamos conjugadamente os preceitos daquele diploma, o que o legislador definiu (no artigo 1.º), permitiu (no artigo 4.º), vedou (no artigo 5.º) e advertiu (no artigo 8.º), foi justamente o oposto do que se verteu na sentença recorrida.

L. O autor do texto do D. L. n.º 495/88, de 30.12, ao criar o regime jurídico das SGPS definiu como objeto contratual deste tipo de sociedades a gestão de participações sociais, como forma indireta de exercício de atividades económicas (art. 1.º), gestão essa em cujo âmbito se permite a prestação de serviços técnicos de administração e de gestão às participadas (art. 4.º), mas não a toda a latitude, pelo que, logo a seguir, o legislador estabelece um conjunto de limitações, vedando certas operações (art. 5.º).

M. Bem ciente de que, por vezes, o objeto de facto diverge do objeto de direito, o legislador estabeleceu a consequência jurídica – dissolução – para as SGPS que exerçam de facto atividade económica direta, reforçando o caráter vinculado de certos preceitos do diploma ao estabelecer um regime sancionatório (art. 13.º) em caso de violação.

N. Assim, considera a Fazenda Pública que aquele regime jurídico, aliás especificamente criado para esse efeito, constituiu um diploma enformador e regulador, mas também coerente, das SGPS, construído em termos de permitir certas operações e não admitir outras, sem que, no entanto, isso signifique que as operações que o diploma permite às SGPS desenvolver extravasem o âmbito do objeto contratual legalmente definido.

O. Nestes termos, e considerando a construção normativa, coerente e lógica daquele regime jurídico, consideramos, debruçando-nos sobre o pomo da discórdia interpretativa, que a gestão ativa das participações e a concessão de crédito às participadas são operações que se inserem no objeto contratual legalmente previsto das SGPS, e que o legislador positivou como consubstanciando forma indireta do exercício de atividades económicas.

P. De resto, entendimento diverso deste, isto é, que as operações de gestão ativa das participações e a concessão de crédito às participadas não se inserem no objeto contratual previsto no regime jurídico das SGPS, sempre significará que tais operações têm um enquadramento que extravasa o objeto legalmente permitido e, por consequência, serão operações fora da capacidade societária (art. 6.º CSC), com os efeitos que isso implica.

Q. Entende, portanto, a Fazenda Pública, em divergência com a motivação vertida na decisão sob crítica, que a gestão ativa de participações sociais e a concessão de crédito às sociedades, enquanto operações típicas, diríamos até próprias e regulares, das SGPS, se subsumem no objeto contratual legalmente previsto de gestão de participações sociais noutras sociedades, que o legislador qualificou como consubstanciando forma indireta de exercício de atividades económicas.

R. A propósito da matéria de que aqui nos ocupamos, no recente Acórdão n.º 717/2017 do Tribunal Constitucional (Processo n.º 2013/2016), consignou-se que a atividade das SGPS consiste, por natureza, na valorização das participações sociais por si detidas, sendo que, “as SGPS têm por objeto contratual único a gestão de participações sociais de outras empresas, assim desenvolvendo, de forma indireta, uma atividade económica, com um regime legal próprio e específico”.

S. Em sintonia com a citada douta decisão, também a Fazenda Pública considera que a atividade de valorização das participações sociais, quer através da sua gestão ativa, quer através da concessão de crédito às suas participadas, se insere e tem pleno enquadramento no objeto contratual legalmente previsto.

T. Também na decisão arbitral proferida pelo CAAD em 24.01.2017, no Processo n.º 277/2016-T se deixou escrito que “de harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”. E que “…revela-se claro que a atividade das SGPS (…) não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objeto contratual”.

U. “Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do ativo financeiro adquirido, ao financiamento de tal ativo e à eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na atividade de uma SGPS.

Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do ativo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento” (idem, sublinhado nosso).

V. Aqui chegados, e resultando razoavelmente demonstrado que a SGPS, como é o caso da impugnante, têm como objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades (mesmo quando concretizam operações de gestão ativa dessas mesmas participações sociais e quando concedem crédito às participadas), objeto esse legalmente previsto e que o legislador classificou como consubstanciando forma...

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