Acórdão nº 502/04.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA CUNHA
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO S….., S.A (doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 13.10.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pela primeira, que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 1999.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a 1.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença, proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual considerou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC, efectuada pela AT, relativamente ao exercício de 1999.

  1. Com efeito, salvo o devido respeito, entende a recorrente que a decisão recorrida padece de ANULABILIDADE, por omissão de julgamento e fundamentação das suas decisões em matéria de prova i.e., por ausência de exame crítico das provas que serviram de base para formar a convicção do tribunal, em violação do disposto no n° 2 do artigo 123° do CPPT e dos n° 2 e 3 do artigo 659° do CPC, e por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no n° 1 do artigo 123° do CPPT e do n° 2 do artigo 659° do CPPT.

  2. Em primeiro lugar, a fundamentação decisória consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação, e exame crítico, das provas que serviram para fundar a decisão (cfr. n° 2 do artigo 123° do CPPT, n° 2 e 3 do artigo 659° do CPC e n° 2, do artigo 374°, do CPP).

  3. A sentença se bastou em elencar meios de prova, não fornecendo aos seus destinatários, ainda que de forma sintética, os motivos de facto que levaram o tribunal recorrido a decidir no sentido em que o fez, não explicitando as razões pelas quais credenciou os meios de prova que mencionou, indiciando, por essa via, que a decisão em lugar de proceder de um processo lógico-racional de valoração das provas resulta antes de um processo arbitrário e injusto.

  4. No que se refere à prova testemunhal, a sentença nada esclarece, enuncia, cita, valora ou critica; dos depoimentos proferidos pelas testemunhas arroladas pela impugnante na petição inicial de impugnação judicial nada é tido em conta ou considerado ao nível da factualidade provada, limitando-se o tribunal a referir que “na inquirição de testemunhas, a impugnante tentou demonstrar a racionalidade da escolha dos custos desconsiderados, nada questionando quanto às concretas despesas efectuadas, mas para que resultasse provados os factos que permitissem a conclusão relativa à indispensabilidade, as testemunhas tinham de responder a questões relativas a factos, respeitantes a cada despesa, e se é natural, como evidenciado pela impugnante, que seja difícil identificar as concretas despesas e os concretos eventos, as despesas devem ter associados documentos que facilitem a sua identificação, de forma a ser possível dar por provado, em concreto, cada custo. Na inquirição das testemunhas pretendeu demonstrar-se a aceitabilidade das despesas, mas tal não está em causa nos presentes autos, pois como bem se compreende, não é pelo facto de ser aceitável que uma sociedade frete uma aeronave, que todos os custos com alugueres de aeronaves, independentemente do seu concreto objectivo, sejam fiscalmente relevantes, por serem indispensáveis.

    ”.

  5. Faltam índices racionais de credibilidade de tais provas, condições legitimantes de uma fundamentação sobeja. Falta saber por que razão não foram considerados como provados factos intensivamente corroborados por testemunhas que, afinal, são merecedoras de crédito.

  6. Ora, é este justamente um ponto de enorme evidência e perplexidade suscitado pela decisão de que se recorre: ela não permite conhecer dos seus motivos ou razões, quer no que diz respeito ao juízo crítico efectuado ao nível da matéria de facto objecto de prova documental e testemunhal, quer no que diz respeito ao debate doutrinário e jurisprudencial dos conceitos jurídicos implicados nas normas invocadas e nos institutos jurídicos suscitados pelas partes.

  7. Assim, da densa matéria de facto objecto de inquirição testemunhal, não resulta provado um único facto. Questiona-se a recorrente da razão pela qual não terá o tribunal atribuído força probatória a outros factos confirmados por várias fontes testemunhais: terá sido porque o tribunal não lhes reconhece credibilidade? terá sido porque o tribunal os considerou irrelevantes para a decisão da causa? terá sido porque o tribunal laborou com base numa mera sensação de que a tese à qual deveria aderir teria que ser aquela que se fundava justamente numa alegada e suposta falta de demonstração (aquela a que a Autoridade Tributária se refere é apenas a falta de demonstração documental) da imprescindibilidade dos custos corrigidos? I. O tribunal não esclarece de todo estas dúvidas, antes escudando-se em afirmações pela rama, que não preenche, e que colocam a recorrente numa situação impossível: se a prova testemunhal não é considerada porque as testemunhas alegadamente não responderam a questões relativas a factos, respeitantes a cada despesa, identificando-as em concreto e de forma rigorosa, o que se pode chamar a uma explicação exaustiva das necessidades inerentes à actividade, a uma enunciação circunstanciada das deslocações realizadas no ano em aeronave fretada e dos seus intuitos comerciais? J. Não seria apenas a prova na primeira pessoa impossível, no caso, dado que todas as deslocações, conforme exaustivamente explanado pelas testemunhas inquiridas, foram realizadas por membros do Conselho de Administração da recorrente, e, por isso, partes no processo de impugnação em crise aquela apta a ser considerada suficiente pelo julgador? K. Acaso é exigível a testemunhas que se recordem de pormenores exactos de deslocações realizadas, há praticamente dez anos atrás, por terceiros (terceiros estes, repita-se, impossibilitados de testemunhar em juízo)? L. Segue-se, pois, que, não é possível, pelos dados disponíveis na sentença recorrida, conhecer os motivos de facto que levaram o tribunal a decidir no sentido em que o fez, explicitando as razões pelas quais credenciou os meios de prova que mencionou, não considerou atendíveis, para efeitos probatórios, os depoimentos recolhidos das testemunhas inquiridas e os ajuizou no sentido da sua irrelevância para a decisão da causa.

  8. Para além deste vício, o tribunal a quo incorreu, na sentença que proferiu, num apreciável erro de julgamento da matéria de direito.

  9. Com efeito, NO QUE DIZ RESPEITO ÀS CORRECÇÕES EFECTUADAS À C….

    , é patente o erro de julgamento em que incorre o Tribunal, ao qual não pode deixar de ser imputada uma leitura desviante da norma do artigo 13.° do Decreto-Regulamentar n.° 2/90.

  10. A aplicação do disposto neste preceito pressupõe a verificação de três requisitos: i. deverá tratar-se de uma entidade concessionária; ii. os elementos do activo imobilizado adquiridos ou produzidos terão de ser devolvidos e quaisquer benfeitorias deverão reverter gratuitamente no final da concessão; e, iii. os elementos do activo imobilizado em causa deverão ser amortizados de acordo com o período previsto para a concessão.

  11. A C….. celebrou um contrato administrativo com a APL para a utilização duma parcela do armazém n.° 24, junto às docas do porto de Lisboa, com o n.° 329 de inventário.

  12. É inquestionável que os portos de mar, praias e docas pertencem ao domínio público, tal como desde sempre foi reconhecido, quer pela legislação, quer pela doutrina (vide MARCELO CAETANO, Manual de Direito administrativo, Almedina, II volume, págs. 898 e ss.).

  13. Resulta do aludido contrato que nos encontramos aqui, sem margem para quaisquer dúvidas, perante uma situação de uso privativo de um bem do domínio público por parte da C…... Na verdade, o local ocupado pela C….. nos termos daquele contrato administrativo pertence, de acordo com a lei, ao domínio público do Estado (vide os artigos 30 e 4º do Estatuto Orgânico da Administração do Porto de Lisboa, aprovado pelo D. L. n.° 309/87, de 7 de Agosto, e em vigor no momento da celebração do contrato administrativo aqui em causa).

  14. O contrato em apreço atribuiu à C….. o poder de usar privativamente uma parcela de um bem do domínio público, uma concessão, a qual pressupõe a transmissão para um sujeito privado do direito de ocupar e de utilizar tuna parcela do domínio público, com exclusão de todos os outros (cfr. cláusula 1 do contrato junto como documento n.° 5).

  15. É ainda pacífico que a concessão de uso privativo de um bem do domínio público resulta de um contrato administrativo, tal como o que está subjacente à situação dos presentes autos (cfr. documento n.° 5).

  16. Assinale-se que a existência de um contrato administrativo é mesmo um dos elementos distintivos e identificadores de uma concessão (vide PEDRO GONÇALVES, A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, pág. 88 e ss).

    V. Outro dos elementos que caracterizam a concessão é a atribuição de poderes de uso privativo mais longos ao contrário de uma licença administrativa, por ex. —conferindo-se assim ao concessionário uma posição relativamente estável (cfr.

    cláusula 2 do contrato, que prevê uma duração inicial de cinco anos).

  17. Esta posição estável do concessionário é ainda reforçada pelo facto de, caso a Administração pretender desvincular-se do contrato, ter de invocar motivos de interesse público justificativos dessa pretensão, ficando ainda obrigada ao pagamento de uma indemnização ao concessionário (cfr. cláusula 9, n°. 2, do contrato, aqui documento n.° 5).

    X. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, não restam dúvidas de...

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