Acórdão nº 1720/14.8BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA CUNHA
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante 1.ª Recorrente ou executada) veio apresentar recurso da sentença proferida a 10.07.2015, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgado parcialmente procedente o pedido de execução de julgado (consubstanciado no acórdão deste TCAS, de 09.10.2012, proferido nos autos n.º 131/2002), apresentado pela E….., SA, condenando-se a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios à taxa de 4%, desde 07.06.2014 até 06.03.2015.

Nas alegações apresentadas, a 1.ª Recorrente concluiu nos seguintes termos: “

  1. O presente recurso vem interposto contra a sentença de 10/07/2015, proferida em sede de execução de julgado do acórdão do TC A Sul de 09/10/2012, na parte em que a mesma, na alínea b) do seu segmento decisório, determina o seguinte: “b) julgo parcialmente procedente o pedido de execução do julgado e condeno a executada ao cálculo e ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa de 4%, desde 07/06/2014 até 06/03/2015 (sublinhado nosso).

  2. Na pendência do julgado, a AT efectuou o pagamento de juros indemnizatórios no montante de € 1.359.507,31 e de juros de mora no montante de € 239.826,38, pelo período contínuo e sucessivo, respectivamente, de 28/12/2002 a 06/06/2014 e de 07/06/2014 a 06/03/2015, c) A AT não se conforma com a sentença na parte sob recurso por considerar que a entidade ora Recorrida já está plenamente ressarcida quanto aos juros devidos pelo retardamento na restituição do imposto anulado, quer no período que antecedeu o prazo legal para execução espontânea do julgado, quer no período subsequente que terminou com a emissão da nota de crédito, sendo seu entendimento que relativamente ao mesmo período de tempo, no caso de 07/06/2014 a 06/03/2015, não são devidos juros indemnizatórios e juros de mora, mas tão-somente e apenas juros de mora, os quais já se encontram pagos e, quanto a eles, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

  3. A questão decidenda, pois, é uma questão de direito, mais concretamente a de saber qual o termo final de cálculo dos juros indemnizatórios previstos no art. 43° da LGT quando a AT não cumpre espontaneamente o julgado no prazo expressamente previsto para o efeito, constituindo-se em mora nos termos do n° 2 do art. 102° da LGT.

  4. A jurisprudência do STA que tem vindo a pronunciar-se, uniformemente, no sentido de que não há cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal por não se poder justificar uma dupla compensação pela mesma privação de disponibilidade da quantia indevidamente paga (por ex. os acórdão de 19/12//2001, recurso n° 26608, de 20/10/2004, recurso n° 338/04, de 02/05/2007, recurso n° 9/7, de 02/03/2011, no processo n° 0880/11), f) Mais concretamente que “em virtude da liquidação ilegal são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do art. 102º, nº 2”, conforme acórdão de 02/07/2008, no processo n° 0303/08, e acórdão de 17/06/2009, no processo n° 0447/07, nos quais se remete para o autor Lima Guerreiro, na sua Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, páginas 420-421 g) Antecipando argumentos contrários à tese que serve de fundamento ao presente recurso, importa, pois, desenvolver alguns aspectos que demonstram que aquele entendimento da jurisprudência, embora anterior à introdução do n° 5 do art. 43° da LGT, aditado pela 64-B/2011, não sofreu minimamente com esta alteração legislativa.

  5. Que ambos os juros partilham a mesma natureza indemnizatória resulta da jurisprudência e da doutrina anteriores à redacção do n° 5 do art. 43° da LGT introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), a propósito quer da taxa de juros de mora, ao concluir que seria a taxa prevista para os juros indemnizatórios, quer a propósito da não cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios no mesmo período temporal sob pena de duplicação injustificada de reparação do mesmo prejuízo.

  6. Antes daquele aditamento, não existia qualquer norma que dispusesse expressamente sobre qual a taxa de juros de mora devidos pela inexecução espontânea de uma decisão judicial, j) Sendo pacífico na jurisprudência que a “a taxa dos juros moratórios a favor do contribuinte é a taxa de juros legal de 4% ao ano”, conforme entendimento sufragado pelo STA no acórdão de 31/01/2008, no processo n° 0839/07, e acórdão de 02/07/2008, no processo n° 0303/08, sendo aquela função reparadora concretizada, nas duas espécies de juros, através da mesma taxa de juros legais, fixada ao abrigo do art. 559° do Código Civil.

  7. Quanto aos respectivos períodos de retardamento, pronunciou-se o STA, considerando que “em virtude da liquidação ilegal são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do art. 102°, n° 2”, conforme acórdão de 02/07/2008, no processo n° 0303/08, e acórdão de 17/06/2009, no processo n° 0447/07, nos quais se remete para o autor Lima Guerreiro, na sua Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, páginas 420-421.

  8. Daquelas teses resulta, em síntese, que existindo incumprimento da execução espontânea do julgado e havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, aos respectivos períodos de retardamento aplica-se a mesma taxa legal de 4% ao ano, inexistindo cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal.

  9. Com o aditamento daquele n° 5 o legislador passou a dispor expressamente sobre qual a taxa dos juros de mora previstos no n° 2 do art. 102° da LGT, mais concretamente que "são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.

  10. Alcançou-se, deste modo, uma igualdade de tratamento entre os juros de mora devidos ao contribuinte e os juros de mora devidos ao Estado, conforme resulta da redacção do n 3 do art. 44º da LGT introduzida pela Lei n° 64-B/2011, de 30/12.

  11. A alteração legislativa acabada de referir não alterou a razão de ser dos juros de mora, que continua a ser o direito do contribuinte a ser compensado pela privação de uma disponibilidade financeira, tendo por fundamento a inexecução espontânea de uma decisão judicial transitada em julgado que condena à restituição do imposto.

  12. O contexto específico do incumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado justifica a aplicação de uma taxa de juro agravada para o dobro, que esteja em harmonia com a mora naquele incumprimento, por forma a cumular a sua função reparadora com uma função sancionatória pelo incumprimento do prazo para pagamento de dívida já reconhecida por sentença judicial.

  13. Não se vislumbra, por conseguinte, como defende uma parte da doutrina, que o disposto no n° 5 do art. 43° da LGT se esgote na prossecução de uma finalidade sancionatória, destinada a executar julgado, r) Uma vez que essa finalidade já é prosseguida por outros mecanismos legais que garantem o direito à tutela judicial efectiva na vertente do direito à execução das decisões judiciais, como são o disposto no artigo 159° do CPTA, sob a epígrafe “Inexecução ilícita das decisões judiciais”, que prevê a responsabilidade civil, disciplinar e criminal quando a AP não cumpre os deveres que lhe incumbem em virtude de decisão judicial, e o disposto no art. 169° do CPTA sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”.

  14. Aquele agravamento destina-se, por conseguinte, a reforçar as medidas legislativas já existentes, destinadas a compelir ao cumprimento do julgado, e, simultaneamente, a manter a função reparadora que desde sempre lhe reconhecido aos juros de mora.

  15. A entender-se de outro modo, o legislador teria acolhido uma solução legislativa manifestamente desproporcional, destituída de qualquer justificação razoável, conducente ao pagamento de juros de mora, “a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, em juros indemnizatórios, o que na prática conduz ao pagamento de juros pelo retardamento uma taxa de xxx (11,5% a título de juros de mora e 4% a título de juros indemnizatórios, que poderá ainda acrescer eventual sanção pecuniária compulsória prevista no art. 169º do CPTA, todos durante o mesmo período temporal.

  16. Por outro lado, sabedor da jurisprudência uniforme dos Tribunais, caso a intenção do legislador fosse a de retirar aos juros de mora a sua natureza reparadora é expectável que o tivesse expresso, o que de todo não fez.

  17. A título de exemplo, transcreve-se o seguinte do acórdão do STA de 02/03/2011, no processo n° 0880/11: Dispõe o artigo 102.°, n.° 2, da Lei Geral Tributária que no “caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea”.

    (...) Por outro lado, a previsão do dito artigo 102.°, n.° 2, (“casos de a sentença implicar a restituição do tributo já pago”), “aparentemente, estaria também abrangida no artigo 100.° [do mesmo diploma legal] em que se refere que há lugar a juros indemnizatórios a partir do termo do prazo de execução da decisão nos casos de procedência de impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo”.

    Cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, Áreas Editora, 5.a Edição, 2006, p. 482, nota 9.

    É que, no ponto, o artigo 102.°, n.° 2, utiliza o conceito “sentença” e o 100.° “impugnação judicial”, dois conceitos que significam a mesma realidade processual.

    Assim, literalmente interpretados, aqueles dois incisos normativos apontariam para a obrigação da Administração Tributária pagar ao sujeito passivo, a partir do termo do prazo da execução da decisão e relativamente ao mesmo período...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT