Acórdão nº 194/12.2BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelBENJAMIM BARBOSA
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: 1. Relatório 1.1. As partes A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por P…..

, Lda.

, contra a liquidação adicional relativa a IRC do exercício de 2006, veio interpor recurso jurisdicional.

* 1.2. O objecto do recurso 1.2.1. Alegações Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões: 1.ª Da análise da decisão recorrida no que respeita à factualidade dada como provada em 1.ª instância, verifica-se que a mesma é omissa na parte da matéria de facto respeitante à concreta fundamentação do ato tributário aqui sindicado e, em concreto, à factualidade relativa ao objeto e âmbito da ação de inspeção que lhe está subjacente, matéria que assume extrema relevância, uma vez que tem impacto direto na contagem do prazo de caducidade aplicável no caso em apreço.

  1. Com efeito, conforme resulta expresso no relatório final de inspeção, as correções ora sindicadas resultam exclusivamente da "análise dos valores inscritos nos Quadros 07 e 10 da Declaração Modelo 22, que consta do sistema informático" - cfr. página 2; sendo que, por outro lado, resulta do mesmo documento, aquando da especificação dos elementos analisados e que estão na origem das correções, que "Da análise dos elementos constantes do sistema informático, nomeadamente modelo 22, do exercício de 2006, verifica-se que deduziu no campo 234-Benefícios Fiscais, o valor de € 8.517.409,95, sendo C 8.467.230,71, referentes à Majoração à Criação de Emprego para Jovens, nos termos do artigo 17.º do CIRC e que não aplicou o disposto no artigo 86.º do CIRC, como se pode verificar pelos valores inscritos no quadro 10 desta Declaração de Rendimentos." (sombreado nosso).

  2. Estando perante um facto documentalmente provado e que é determinante na análise da questão controvertida, é evidente que o mesmo merecia outra ponderação por parte do Tribunal; contudo, este facto não consta da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo, em frontal contradição com a prova documental constante dos autos.

  3. É, assim, evidente a manifesta insuficiência da base instrutória, o que se invoca para efeitos de revogação da decisão ora recorrida, requerendo-se a este Venerando Tribunal a ampliação da matéria de facto dada como assente nos presentes autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º do CPC, pois, como demonstrado, a prova produzida impõe decisão diversa sobre o concreto ponto da matéria de facto acima mencionado.

  4. Requer-se assim a ampliação da matéria de facto assente em 1.ª instância de modo a abranger o seguinte ponto: a ação de inspeção desencadeada pela Administração Tributária ao ano de 2006 foi de natureza interna e teve como objeto a simples análise da declaração Modelo 22 do exercício, tendo sido a correção à matéria coletável efetuada com base nos referidos elementos.

  5. No que respeita à questão do prazo de caducidade, o legislador consagrou no número 2 do artigo 45.º da LGT um encurtamento do prazo geral de caducidade, nos casos em que o erro do qual resultou o pagamento de imposto inferior ao legalmente devido está evidenciado na própria declaração entregue pelo sujeito passivo, dispondo a Autoridade Tributária de todos os elementos que permitem efetuar a correção sem necessidade de proceder a qualquer diligência instrutória adicional.

  6. No caso em apreço, ao contrário do que defende o Tribunal a quo, a Recorrente considera que da prova documental junta aos autos, em concreto do relatório final de inspeção, é claro que as correções resultam apenas da análise efetuada às declarações fiscais da Recorrente, em concreto a Declaração Modelo 22.

  7. Ou seja, da análise do relatório final de inspeção, resulta claro que a Administração Tributária analisou e fundamentou as suas correções exclusivamente com base na análise interna dos elementos constantes da declaração Modelo 22 da Recorrente, assim se preenchendo o conceito de "erro evidenciado na declaração" para os efeitos consignados no n.

    º 2 do artigo 45.º da LGT.

  8. Com efeito, como vimos, para realização da correção, a AT apenas precisou de analisar os campos da Modelo 22 do exercício para confirmar (i) a dedução de benefícios fiscais e (ii) o não preenchimento do campo da declaração relativo ao artigo 86.º do CIRC, tão simples quanto isto! 10.ª Por outras palavras, a conclusão da AT no sentido da (não) aplicação do artigo 86.º do CIRC por parte da Recorrente resultou diretamente da leitura do campo da Modelo 22 relativo a esta questão.

  9. Tudo resumido, tratando-se de uma inspeção interna de mera verificação dos elementos declarados e da correção de erro evidenciado na própria declaração, nenhuma dúvida restará que será de aplicar o prazo de 3 anos previsto no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, pelo que o ato tributário em apreço deveria ter sido notificado à Recorrente o mais tardar até 31.12.2009, o que não sucedeu, como resulta da factualidade exposta nos presentes autos, assim se evidenciando, sem mais delongas, o decurso do prazo de caducidade — conforme prova documental junta aos autos, o que motivará a procedência do presente recurso, tudo com as devidas consequências legais.

  10. Conforme exposto em 1.ª instância, a questão material ora controvertida e que está na base das correções subjacentes ao ato tributário ora sindicado, prende-se em determinar se a ora Recorrente, tendo apurado prejuízos fiscais no exercício de 2006, estava obrigada a aplicar o limite previsto no artigo 86.º do CIRC (atual artigo 92.º) à liquidação de IRC do referido exercício.

  11. A ora Recorrente, ao apurar o IRC devido no exercício de 2006, não aplicou a limitação prevista na disposição legal acima referida, uma vez que no exercício em apreço apurou prejuízos fiscais, apoiando-se na doutrina constante do Despacho n.º 3469/2005 — o qual visou clarificar o âmbito de aplicação do artigo 86.º do CIRC nos exercícios em que os contribuintes apurem prejuízos fiscais.

  12. Da análise e leitura do referido Despacho resulta de forma inequívoca que nos casos em que os sujeitos passivos tivessem benefícios fiscais que operassem por dedução ao rendimento e, simultaneamente, apurassem prejuízos fiscais, não seria de aplicar a limitação prevista no artigo 86.º do CIRC (vide 4.º parágrafo), sendo que o Despacho n.º 3469/2005 de 19 de Janeiro de 2006 era a única orientação administrativa em vigor à data dos factos tributários, os quais recorde-se, tratando-se de IRC do exercício de 2006 se consumaram no último dia do período de tributação, i.e. 31.12.2006, conforme resulta do disposto no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC.

  13. De igual modo, parece claro que estamos perante uma orientação administrativa vinculativa na acepção do n.º 4 do artigo 68º da LGT em vigor à data dos factos tributários - pois trata-se de um Despacho proferido pelo dirigente máximo dos serviços, o Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, vertido numa orientação da AT sobre a interpretação de uma norma tributária em vigor no momento em que se consumou o facto tributário.

  14. A Recorrente não desconhece que o despacho em causa tem origem numa resposta a um pedido de informação vinculativa prestada para uni contribuinte concreto, contudo, uma leitura atenta da forma como está redigido o referido despacho permite-nos concluir sem margem para dúvidas que a AT transformou a resposta dada ao referido contribuinte e aplicável na sua situação concreta, num texto de caráter genérico orientador para os serviços e contribuintes sobre a aplicação do artigo 86.º do CIRC, mormente em casos de apuramento de prejuízos fiscais.

  15. Aliás, no referido despacho não se faz qualquer menção ao caso concreto que lhe deu origem, sendo que se não estivéssemos perante uma verdadeira orientação genérica, não haveria qualquer necessidade de o Despacho de 2008 clarificar ou esclarecer (nas palavras da AT) aquela primeira orientação.

  16. Como já salientou o STA, "III - Orientações genéricas, para efeitos do disposto no art.º 131.º, n.º 3 do CPPT, são actos do poder de direcção típico da relação de hierarquia administrativa, os quais dão a faculdade de emanar circulares interpretativas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos da administração tributária, funcionários e agentes subalternos, acerca do sentido em que devem — mediante interpretação ou integração entender-se as normas e princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar." - Acórdão n.º 26622, de 31.05.2006.

  17. Assim, a questão não é a natureza geral da referida orientação, mas sim a circunstância da mesma ter sido revogada por despacho posterior, sendo que, nos termos do artigo 68.º, n.º 5 da LGT, não são invocáveis retroativamente os atos tributários decorrentes de orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária.

  18. A Recorrente não consegue compreender em que passagem das duas orientações administrativas o Tribunal a quo se baseou para referir que os dois despachos têm natureza complementar, pois da leitura conjugada dos mesmos retira-se sem margem para grandes dúvidas a natureza contraditória entre si, nomeadamente quanto aos contribuintes em situação de prejuízos fiscais.

  19. Há sim, no despacho de 2008 uma redação e um entendimento claramente inovador e divergente e em sentido diametralmente oposto da orientação administrativa vigente até à data em que o mesmo foi proferido, pelo que, face ao disposto no artigo 68.º, n.º 5 da LGT, parece claro que o entendimento dos serviços de inspeção tributária padece de vício de violação de lei, uma vez que a aplicação do Despacho 56/2008 configura a aplicação retroativa de uma orientação genérica a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor.

  20. No caso em apreço, parece claro que estando em causa IRC do exercício de 2006, o Despacho n.º 3469/2005 era a única orientação administrativa em vigor à...

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