Acórdão nº 00093/12.8BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | Maria Fernanda Antunes Apar |
Data da Resolução | 15 de Maio de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A Magistrada do Ministério público instaurou acção de execução de sentença anulatória contra o Município (...), pedindo o seguinte: Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, deve a presente execução ser julgada procedente e provada e, em consequência: -ser condenado à reposição da legalidade urbanística e/ou conservação do edificado no que se refere ao muro, quanto à sua altura, qualidade de construção e segurança e respeito pelo seu enquadramento urbanístico e da paisagem que o rodeia (fora dos limites já licenciados e consolidados na ordem jurídica).
-Atento ao lapso de tempo já decorrido consideramos ser suficiente, para execução das referidas ações, a fixação de um prazo não superior a 4 meses, o que se requer, nos termos do artigo 165º, nº 1 do CPTA.
-Caso o Município não dê execução às referidas ações no prazo sugerido, requer-se, desde já, a imposição de uma sanção pecuniária compulsória a prestar pelo Presidente da Câmara do Município (...), nos termos previstos no artigo 169.º do CPTA, por cada dia de incumprimento, após o prazo de 4 meses, considerado razoável para executar.
Na acção figura como Contrainteressada I., SA, já nela melhor identificada.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a oposição da Contrainteressada e improcedente a oposição do Executado.
Foi ainda condenado Este a adotar as ações necessárias à reposição da legalidade urbanística e/ou conservação do edificado no que se refere ao muro, quanto à sua altura, qualidade de construção e segurança e respeito pelo seu enquadramento urbanístico e da paisagem que o rodeia (fora dos limites já licenciados e consolidados na ordem jurídica), no prazo de noventa dias úteis.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Município formulou as seguintes conclusões: 1. O Tribunal recorrido, ao invés de ter dispensado a realização das diligências probatórias, designadamente as requeridas pelo Executado, deveria tê-las ordenado, assim como outras que, ao abrigo do princípio do inquisitório e da gestão processual, considerasse pertinentes e necessárias para a boa decisão da causa.
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Não tendo ordenado as diligências instrutórias requeridas pelo Executado e outras pertinentes e/ou necessárias ao apuramento dos factos, o Tribunal recorrido julgou não provados os factos alegados pelo Executado, o que influiu decisivamente na decisão final do processo, tudo em prejuízo da boa e justa decisão do mérito da causa.
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Com excepção do facto “O Executado terá que recorrer à expropriação por utilidade pública para dar cumprimento à segunda parte da condenação da sentença exequenda”, o Tribunal recorrido julgou não provados os demais factos alegados pelo Oponente.
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O Tribunal recorrido fundamentou a resposta negativa dada à demais factualidade na “ausência de prova documental nesse sentido, a qual se revelava essencial e o único meio de prova admissível neste domínio.” 5. Porém, como se demonstrará infra, a fundamentação aduzida pelo Tribunal recorrido parte de premissas erradas e, por conseguinte, não pode merecer o menor acolhimento.
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Os factos alegados em 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12. e 13. da oposição só são susceptíveis de serem provados através de prova testemunhal. Com efeito, a junção de documentos atinentes à propriedade, por si só, não prova que tais documentos digam respeito aos concretos prédios confinantes com o referido muro. Acresce que, de acordo com a orientação unanimemente consolidada na jurisprudência dos Tribunais superiores, os documentos maxime a certidão predial, não permitem provar os elementos descritivos que deles constam, designadamente as confrontações.
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Pelo que, mais importante do que os documentos que titulam a aquisição ou titularidade dos prédios, é a prova da posse, pública e pacífica, durante certo lapso de tempo. E, como é consabido, a prova da posse só pode ser feita por prova testemunhal.
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Em face do exposto, é absolutamente incorrecto dizer-se, como defende o Tribunal a quo, que a prova da propriedade dos terrenos confinantes só pode fazer-se por prova documental.
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É, do mesmo modo, incorrecto defender que a alegada negociação em torno da aquisição e o desenrolar de um procedimento de expropriação também só podiam ser provadas por documentos.
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Tendo a tentativa de negociação ocorrido em momento temporal anterior ao início do procedimento de expropriação numa fase muito embrionária (ainda anterior à resolução de expropriar), a aguardar a elaboração do relatório de avaliação, como se alegou em 12. da oposição, inexiste prova documental produzida e, por maioria de razão, nada o Executado podia juntar a título de prova documental.
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Em suma, a factualidade alegada na Oposição deduzida pelo Executado podia (e só podia) ser demonstrada por prova testemunhal.
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Pelo que, a recusa de produção da prova testemunhal requerida pelo Executado, único meio de prova susceptível de provar o alegado em 5. a 13. da Oposição, violou fragrantemente o direito de defesa do Executado, impedindo de provar a factualidade que, no seu entender, consubstancia causa legítima de inexecução (pelo menos temporária) da sentença exequenda.
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Em consequência, deve a Douta Sentença recorrida ser anulada por défice instrutório. “Se o juiz dispensar a produção de prova testemunhal, e a não realização dessa diligência afectar o julgamento da matéria de facto, deve a sentença ser anulada por défice instrutório.” – Ac. do TCAS, de 12.12.2017, proferido no Proc. nº161/10.0BESNT, in www.dgsi.pt 14. Acresce que, ainda que o Tribunal recorrido considerasse, como considerou, embora erradamente como se disse, que a prova documental era o único meio de prova para demonstrar a factualidade vertida em 5. a 13. da oposição, exigia-se-lhe que, ao abrigo do princípio do inquisitório e da gestão processual, convidasse o Oponente, aqui Apelante, a juntar aos autos a prova documental de tal factualidade.
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De acordo com a actual significação dos princípios do inquisitório, da gestão processual e da justiça equitativa, impunha-se ao Tribunal recorrido, no entendimento sufragado quanto à limitação probatória, o convite ao Oponente juntar documentos susceptíveis de provar a factualidade alegada.
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Não o fazendo, o Tribunal recorrido inquinou a Douta Sentença recorrida em vício processual, na medida em que dispensou a produção de prova testemunhal, apesar de, como se viu, tratar-se de meio probatório necessário e não dispensável para provar a factualidade alegada na Oposição e, por maioria de razão, para conduzir à boa e equitativa decisão da causa.
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Em consequência de tal preterição, deve a Douta Sentença recorrida ser anulada, e, consequentemente, ordenar-se que os autos baixem ao Tribunal recorrido para produção da prova testemunhal requerida pelo Oponente ou para produção de outros meios de prova que o Tribunal considere necessários para o bom julgamento da matéria de facto.
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O Tribunal a quo considerou que a “invocada situação de necessidade de expropriação não pode ter-se como preenchendo uma causa legítima de inexecução, tanto que não há impedimento para o cumprimento da sentença. Poderá haver impedimento no imediato, a curto prazo, mas tal não equivale a um impedimento absoluto. A expropriação é possível, portanto a execução da sentença também o será. Na verdade, poderá demorar mais ou menos, mas a sentença é passível de ser cumprida.” 19. Salvo melhor opinião, a Douta Sentença recorrida incorre em flagrante vício de contradição insanável entre os fundamentos aduzidos e a decisão proferida.
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Não se admitindo que o Tribunal recorrido advogue uma qualquer espécie de expropriação ilícita dos terrenos confinantes, até porque reconhece que a execução da decisão exequenda implica a expropriação por utilidade pública das parcelas necessárias para a construção do muro de apoio, enquanto não houver declaração de utilidade pública e posse administrativa das parcelas a expropriar, não será possível, de nenhuma das formas, dar execução à decisão exequenda.
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Salvo melhor opinião, a circunstância de ser temporário (transitório) o impedimento, não o descaracteriza como absoluto (erga omnes e intransponível), pelo menos durante o lapso de tempo em que permanece o impedimento.
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Dúvidas não há de que a ocupação dos terrenos confinantes pressupõe a aquisição das parcelas necessárias à execução de tal muro e que, frustradas as tentativas de aquisição voluntária, só resta a aquisição mediante expropriação por utilidade pública.
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Enquanto não houver declaração de utilidade pública, a entidade expropriante não pode tomar posse administrativa das parcelas a expropriar e, por maioria de razão, não pode dar execução à decisão exequenda.
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Consequentemente, enquanto não houver declaração de utilidade pública, subsiste um impedimento absoluto à execução da decisão exequenda, ainda que tal impedimento seja temporário ou transitório.
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Em face do exposto, deve a Douta Sentença proferida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente por provada a Oposição deduzida, com fundamento, designadamente, na ocorrência de uma “causa legítima de inexecução” da decisão exequenda, a saber: a pendência de processo expropriativo que ainda não produziu declaração de expropriação por utilidade pública.
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O Tribunal recorrido defende que “o prazo de quatro meses para o cumprimento, como requerido no requerimento executivo, num momento que se aproximam os meses de verão e em que, normalmente, todos os serviços funcionam a meio gás (sendo que os trabalhadores tirarão férias nesta altura do ano), é insuficiente. Além disso, deve considerar-se que o prazo deve reportar-se a dias úteis, pois que os serviços do Executado não funcionam em sábados, domingos e feriados.” 27. Porém, ao arrepio do que defendera, o Tribunal recorrido limitou-se a fixar o prazo de cumprimento em 90 dias úteis, o que é inferior aos quatro meses considerados insuficientes.
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