Acórdão nº 02748/13.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A F. – Associação Mutualista veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 30.09.2019, pela qual se julgou totalmente improcedente a presente acção administrativa especial que a Recorrente move contra o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, IP.

, com vista a impugnar o despacho, de 20.08.2013, que indeferiu a pretensão da Autora para licenciamento e emissão de alvará para instalação e funcionamento de uma farmácia social “ao abrigo do nº 4 da Base II da Lei nº 2125, de 20/03/1965”, pedindo que o Tribunal anule o acto impugnado e que condene o Réu na emissão do alvará de farmácia social de venda de medicamentos sujeitos a prescrição médica aos seus associados, beneficiários e pensionistas, bem como o reconhecimento do direito de venda de medicamentos de “venda livre”, mesmo ao público em geral e que o Tribunal lhe reconheça o direito de porta de acesso ao exterior e de colocação de cruz verde assinalando ao público a sua localização.

Invocou para tanto, em síntese, que: a decisão recorrida incorreu em excesso de pronúncia e violou o princípio do contraditório, na medida em que aplica a norma do nº 2 do artigo 59º-A que manda desatender o nº 3 do artigo 14º, ambos do Decreto-Lei n.º 307/2007, na redacção do Decreto-Lei n.º 171/2012; aplica o entendimento vazado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.07.2018, sem que o acto recorrido tenha por fundamento esse entendimento e sem que a Recorrente e a Recorrida tenham invocado essa factualidade ou este entendimento de direito e sem que às partes fosse dada a oportunidade de se pronunciarem, tendo ocorrido uma decisão surpresa proibida por lei; que se verifica a nulidade da parte final da alínea d) e da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, por excesso de pronúncia e bem assim falta de prévio contraditório na dimensão do nº 3 do artigo 3º deste diploma, normas aplicáveis ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; existe falta de pronúncia sobre a inconstitucionalidade da solução resultante da decisão recorrida, na medida em que o pedido dirigido pela Recorrente ao Infarmed está todo ele centrado na inconstitucionalidade do normativo citado no acto recorrido; o próprio acto recorrido se refere ao tema e adianta que as entidades da economia social só podem aceder à propriedade de farmácias nos mesmos termos das entidades do sector lucrativo - através de sociedades comerciais e por concurso - em desacordo com o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 612/2011; o tribunal não está vinculado à concreta indicação da norma objecto de alegação da inconstitucionalidade, podendo e devendo julgá-la por outra que julgue ser aplicável; ocorre falta de pronúncia sobre o tema da constitucionalidade da solução que resulta, implicitamente, da decisão recorrida, que é a vazada no acto recorrido; daí que se verifique a nulidade da parte inicial da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quanto à inconstitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 59º-A do DL 307/2007, na redacção do DL 171/2012, na parte que desaplica às entidades da economia social o nº 3 do artigo 14º do mesmo diploma legal; a matéria que se trata neste caso mexe com a definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, e por isso, é uma competência exclusiva da Assembleia da República, nos termos da alínea j) do nº 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa e isso resulta claro do próprio Decreto-Lei 307/2007, uma vez que a única lei de autorização legislativa conferida ao Governo, na matéria em causa, que foi a Lei nº 20/2007, de 12 de Junho que "autoriza o Governo a legislar em matéria de propriedade das farmácias e a adaptar o regime geral das contraordenações às infracções cometidas no exercício da actividade farmacêutica”; mas tal autorização teve apenas a duração de 180 dias nos termos do seu artigo 4º; muito embora o Decreto-Lei nº 171/2012, de 01.08, refira que é emitido "nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 198º da CRP", invocando-se matéria de reserva relativa da Assembleia da República, o certo é que não invoca qualquer lei de autorização legislativa no sentido de permitir ao Governo alterar a lei, visando impossibilitar ou proibir as entidades da economia social de aceder a "farmácias sociais" através das suas vestes próprias de associações, como resulta da alteração da redacção do artigo 59º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 307/2007, que impede a aplicação à entidades da economia social do nº 3 do artigo 14º do mesmo diploma legal, a disposição que consagrava o acesso das entidades da economia social a farmácias sociais, na leitura do acórdão do Tribunal Constitucional nº 612/2011, também, entre Janeiro de 2012 e Agosto de 2012, nenhuma lei foi emitida pela Assembleia da República que permitisse ao Governo semelhante opção jurídica, conforme documento da Assembleia da República em anexo; pelo que a norma do nº 2 do artigo 59º-A do Decreto-Lei 307/2017, na redacção do Decreto-Lei n.º 171/2012, padece de inconstitucionalidade orgânica na medida em que manda desaplicar às entidades da economia social o nº 3 do artigo 14º da mesma lei, devendo ser desaplicada pelo Tribunal, porque o Governo não tinha competência para o efeito; mesmo que existisse qualquer autorização legislativa, o que não se consente, a alteração da lei não se conteve nos seus limites e por isso sempre ocorreria ilegalidade, porquanto a norma aplicada (nº 2 do artigo 59º-A do Decreto-Lei 307/2007, na redacção do Decreto-Lei n.º 171/2012, na medida em que afasta a aplicação às entidades da economia social do nº 3 do artigo 149º do mesmo diploma legal), por extravasar o sentido e extensão da respectiva lei de autorização seria ilegal, o que à cautela se invoca; o único sentido e limites em que uma autorização legislativa poderia ser balizada pela Assembleia da República, são revelados pelo próprio exórdio do Decreto-Lei nº 171/2012, que fala na adequação à jurisprudência do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 612/2011, o que, de forma escandalosa e grosseira não é feito, fazendo-se o inverso na medida em que não se fixou prazo para as farmácias que vendiam ao público em geral se adaptarem; diz-se no nº 2 do artigo 59º-A do Decreto-Lei 307/2007 que o nº 3 do artigo 14º do mesmo diploma, não se aplica às farmácias das entidades da economia social, ou seja, vem dizer-se, implicitamente, que as entidades da economia social, se quiserem aceder à propriedade da farmácia social, vão ter que se constituir em sociedades comerciais, mas nunca nas suas vestes de associação na venda de medicamentos sujeitos a receita médica apenas aos membros do seu substracto associativo. Ou seja, faz-se o contrário do que diz o acórdão do Tribunal Constitucional; para além do mais, a norma do artigo 59º-A, nº 2, do Decreto-Lei n.º 307/2007, na medida em que aniquila o acesso das entidades da economia social à instalação de farmácias sociais, nas vestes de associação, para venda de medicamentos sujeitos a receita médica, apenas aos membros do seu substracto associativo e as obriga, caso queiram aceder a essa propriedade, a usar a forma travestida em sociedades comerciais (forma usada pelas entidades do sector privado especulativo), viola o princípio constitucional da coexistência do sector social com o sector privado consagrado no artigo 82º da Constituição da República Portuguesa; viola o princípio da protecção do sector social previsto na alínea f) do artigo 80º da Constituição da República Portuguesa; não se respeita o princípio consagrado no nº 5 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa e viola o princípio da proibição do excesso ínsito no princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição, pelo que deveria e deve ser desaplicada; viola-se ainda, de forma acintosa, a alínea c) do artigo 10º da Lei n.º 30/2013, de 8 de Maio (Lei de Bases da Economia Social), aprovada por unanimidade na Assembleia da República, na medida em que compete aos poderes públicos "remover os obstáculos que impeçam a constituição e o desenvolvimento das atividades económicas das entidades da economia social", fazendo-se exactamente o contrário do que se diz.

O Recorrido apresentou contra-alegações, a defender a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1.Pronúncia excessiva, omissão do princípio do contraditório. Na medida em que a douta decisão recorrida aplica (1) a norma do nº 2 do artigo 59º-A que manda desatender o nº 3 do artigo 14º, ambos do DL 307/2007, na redacção do DL 171/2012; (2) o entendimento vazado no douto acórdão do STA de 06.07.2018; (3) sem que o acto recorrido tenha por fundamento esse entendimento e sem que a recorrente e a recorrida tenham invocado essa factualidade ou este entendimento de direito e sem que às partes fosse dada a oportunidade de se pronunciarem; ocorreu uma decisão surpresa proibida por lei.

  1. Ocorreu, pois, a nulidade da parte final da alínea d) e da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC — excesso de pronúncia e bem assim falta de prévio contraditório na dimensão do nº 3 do artigo 3º do CPC, normas aplicáveis ex vi CPTA, o que aqui se invoca.

  2. Falta de pronúncia sobre a inconstitucionalidade da solução resultante da decisão recorrida.

  3. Na medida em que (1) o pedido dirigido pela recorrente ao Infarmed está todo ele centrado na inconstitucionalidade do normativo citado no acto recorrido (2) o próprio acto recorrido se refere ao tema e adianta que as EES só podem aceder à propriedade de farmácias nos mesmos termos...

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