Acórdão nº 2846/18.4T8VIS-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução30 de Março de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra J (…), residente em(…), n.º (…), (...) do Concelho de (...), apresentou-se à insolvência e no requerimento de apresentação à insolvência pediu a exoneração do passivo restante.

No requerimento de apresentação à insolvência e em declaração anexa a tal requerimento declarou que não possuía quaisquer bens móveis ou imóveis.

Em 21 de Junho de 2018 foi proferida sentença a declará-lo em situação de insolvência.

Visto que, no relatório a que se refere o artigo 155.º do CIRE, o administrador judicial mencionou que obteve a informação de que num processo de execução instaurado contra o requerente fora penhorado ¼ de um prédio urbano destinado a habitação [prédio urbano sito em (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1304 da freguesia de (...) e inscrito na matriz sob o artigo 692 da União das freguesias de (...) e (...)] e juntou o auto de apreensão desse bem para a massa insolvente, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo ordenou a notificação do insolvente para, querendo, se pronunciar sobre a eventual violação do devedor de informação e as consequências quanto ao pedido de exoneração do passivo restante.

O requerente, notificado na pessoa do seu patrono, não disse nada.

Por decisão proferida em 11-11-2019, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

Justificou a decisão dizendo: 1. Que devedor não relacionou, conforme estava obrigado, o bem que acabou por ser apreendido, tendo declarado na petição inicial, de forma expressa e sem qualquer justificação que não possuía quaisquer bens; 2. Que nos termos previstos no artigo 24.º, n.º 1, alínea e), o devedor estava obrigado a apresentar “relação de todos os bens e direitos de que [é] titular”; 3. Que estava em causa informação relevante “para simplificar a apreensão para a massa”; 4. Que a culpa devia ser apreciada pela diligência de “um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” (art. 487.º, n.º 2, do Código Civil); 5. Que qualquer pessoa colocada na posição do insolvente, não podia deixar de ignorar que era proprietário, na proporção de 1/4, do bem que acabou por ser apreendido e que estava obrigado a relacioná-lo, o que levava a considerar que, ao omitir aquele direito e ao declarar que o seu património era “inexistente”, o insolvente actuou de forma dolosa, sendo certo que nada se podia valorar a seu favor já que não apresentou qualquer justificação para aquela omissão; 6. Que mesmo que se considerasse que o insolvente não actuou com dolo, era indiscutível que a sua actuação integrava, pelo menos, culpa grave, já que, tendo em conta as circunstâncias do caso, só uma pessoa especialmente descuidada e desatenta é que poderia incorrer na omissão em que incorreu o insolvente; 7. Que o pedido de exoneração do passivo restante era liminarmente indeferido quando o devedor, com dolo ou culpa grave, violava os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultem do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no decurso do processo de insolvência; 8. Que estava verificada a causa de indeferimento liminar prevista na alínea g), do n.º 1, do artigo 238.º.

O requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse o despacho recorrido e se substituísse o mesmo por decisão a admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

Para o efeito alegou, em síntese: 1. Que o ponto n.º 13 da matéria de facto devia ser alterado no sentido de se fazer constar que: “o devedor apresentou-se à insolvência no dia 11 de Junho de 2018, representado por patrono oficioso”; 2. Que deviam ser aditados aos fundamentos da decisão as seguintes alegações de facto: a) Que “o Insolvente foi notificado, sob pena de indeferimento liminar da petição inicial, a juntar aos autos a relação de credores, com indicação dos domicílios, datas de vencimento, natureza e garantias que beneficiam e eventual existência de relações especiais nos termos de artigo 49.º, para cumprimento dos artigos 24.º, n.º 1, alínea a) e 27.º, n.º 1, alínea b), ambos do CIRE.”; b) Que “o Insolvente, apresentou nova relação de credores, informando os autos que, em relação à credora S(…), o crédito encontra-se vencido desde 2015, de natureza comum, sem qualquer garantia”; c) Que a “A Sr.ª Administradora de Insolvência deu conhecimento aos autos de que, em relação ao processo executivo, relacionado pelo Insolvente, encontrava-se penhorado, além do IRS respeitante ao ano de 2017, ¼ de um prédio urbano, descrito na Conservatório do Registo Predial de (...) sob o n.º 1304, da freguesia de (...), concelho de (...) e inscrito na matriz sob o artigo 692.º da União de Freguesia de (...) e (...).”; d) Que “Notificado o Insolvente para, querendo, se pronunciar sobre a, eventual violação do dever de informação e consequências quanto ao pedido de exoneração do passivo restante, nada disse”; e) Que “Em 06.11.2018, o insolvente juntou aos autos procuração a favor de mandatária.” 3. Que o tribunal violou a alínea g) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE.

Não houve resposta ao recurso.

Síntese das questões suscitadas pelo recurso: A primeira é a de saber se devem ser introduzidas nos fundamentos da decisão as alterações de facto pretendidas pelo recorrente.

A segunda é a de saber se, ao indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, a decisão recorrida violou a alínea g) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE.

* Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direito, iremos começar pela questão da ampliação da matéria de facto.

A ampliação da matéria de facto pressupõe: 1. Que a matéria em causa seja indispensável para a decisão da causa [parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC]; 2. Que a matéria em causa constitua facto assente, resulte da prova produzida ou esteja provada por documento superveniente [n.º 1 do artigo 662.º do CPC].

Os factos que o recorrente quer ver incluídos nos fundamentos de facto da decisão correspondem a actos praticados no processo de insolvência, por ele, pelo Meritíssimo juiz do tribunal a quo, pela administradora da insolvência e pela secretaria.

Visto que tais factos podem ser tomados em consideração pelo juiz, ainda que não constem dos fundamentos de facto da sentença, não se aditam os mesmos aos fundamentos da decisão.

* Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos: 1. O crédito da sociedade S (…)S.A. está titulado por uma livrança subscrita pelo insolvente, datada de 2 de Março de 2005, com vencimento em 23 de Março de 2005, no montante de € 10.508,99.

  1. O insolvente não liquidou qualquer montante relativo àquela livrança.

  2. Em 18 de Janeiro de 2008 o insolvente contraiu casamento com M (…) que foi dissolvido por divórcio declarado por decisão de 18 de Julho de 2016.

  3. P (…), nascido no dia 22 de Maio de 2009, está registado como filho do insolvente e de M (…).

  4. No dia 10 de Janeiro de 2013, o insolvente e mulher, M (…)casados sob o regime da comunhão geral de bens (como primeiros outorgantes), M (…) (como segunda outorgante), E (…)...

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