Acórdão nº 39/18.0T9CLB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | ORLANDO GON |
Data da Resolução | 06 de Maio de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Juízo de Competência Genérica de CB, sob acusação particular deduzida pelo assistente JP, que o Ministério Público acompanhou, foi submetido a julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal singular, o arguido PC, (…) imputando-se-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal.
O assistente JM deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal, a partir da notificação do pedido de indemnização civil ao arguido.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 6 de setembro de 2019, decidiu: Julgar a acusação particular deduzida pelo assistente JM parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, condenar o arguido PC pela prática, em autoria material, do crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, als. a) e b) do CP, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, o que perfaz o montante global de €1.400,00; e Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante civil JM, por parcialmente provado e, consequentemente, condenar o arguido/demandado civil PC a pagar àquele a quantia de € 500,00, a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se o arguido/demandado civil do demais peticionado.
Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido PC, concluindo a sua motivação do modo seguinte: I - Inconformados com a, aliás, douta Sentença proferida, outra alternativa não restou ao arguido que não fosse recorrer a este Venerando Tribunal; (…) VI - Atenta a alteração da factualidade provada nos termos anteriormente explanados, resulta evidente que o arguido PC não cometeu o crime pelo qual foi condenado; VII - O arguido publicou o texto em causa convicto que o efectivo responsável pelo pagamento da dívida é o assistente, por ter sido este quem negociou as condições do negócio do fornecimento de combustível, em benefício do Partido X...; VIII - Consubstanciando o vindo de expor um verdadeiro contrato a favor de terceiros, nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 443.° do Código Civil; IX - O arguido não teve intenção de "desinformar", conforme sustentado pelo Tribunal a quo, mas sim divulgar entre as suas amizades virtuais da sua página de facebook, a personalidade e o carácter do assistente, figura pública e candidato ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de (…), bem como obter o efectivo pagamento do valor em dívida; X - Apreciando a publicação constante dos pontos 4 e 6 da factualidade assente, salvo o devido respeito, não nos parece que a publicação do arguido tivesse ultrapassado o limite do necessário ao direito de informação/liberdade de expressão e crítica de cada um; XI - O exercício do direito de informação, liberdade de expressão e crítica de cada um pode entrar em conflito com bens jurídicos pessoais, como a honra e a consideração; XII - O eventual conflito entre esses dois direitos (ao bom nome e reputação, por um lado, e de expressão, por outro) tem de ser resolvido por ponderação dos respectivos interesses, fazendo intervir critérios como o da proporcionalidade, da necessidade e da adequação (art. 18°, n. ° 2, da Constituição), salvaK...ndo, porém, o núcleo (alcance e conteúdo) essencial dos preceitos constitucionais em jogo, que ocupam igual peso na hierarquia dos valores constitucionalmente protegidos; XIII - O assistente, conforme decorre dos pontos 40 e 49 da factualidade assente, é uma figura pública e amplamente conhecido enquanto político; XIV - O facto de não se encontrar investido de qualquer poder político, por ser um mero candidato à Câmara Municipal de (…) pelo Partido X..., não impede que os limites da crítica admissível sejam mais amplos em relação à sua pessoa, por se tratar efetivamente de uma personalidade pública visada nessa qualidade, nomeadamente enquanto político, do que em relação a um simples particular; XV - No campo da actividade político-partidária, mormente em campanha eleitoral para um cargo pessoal, como é o de Presidente da Câmara Municipal, a liberdade de expressão tem uma "força acrescida", levando a que a consciência social dominante se mostre mais permissiva e tenha como inócuas algumas atitudes tomadas nessa sede; XVI - A divulgação, perante a comunidade, de que um candidato a eleições não pagou uma dívida que contratou em beneficio do Partido X... constitui, a nosso ver, uma informação pertinente e relevante em sede de campanha eleitoral, já que é capaz de afectar a confiança que os cidadãos lhe atribuem e, por isso, permite formular uma intenção de voto com mais rigor; XVII - Apesar do arguido se ter expressado de forma pouco clara, é perceptível das palavras utilizadas que a sua intenção não se reduzia a um mero ataque pessoal e desnecessário, mas que pretendia divulgar pelos seus amigos virtuais a falta de pagamento do fornecimento de combustível negociado pelo assistente; XVIII - Os Tribunais não podem actuar com um fim de censura aplicada após a publicação - por oposição à censura prévia tanto tempo vigente entre nós - mas unicamente com o objectivo de tutela de bens jurídicos com dignidade penal que, no caso em apreço, salvo o devido respeito, não vemos como lesados, considerando que o arguido agiu no âmbito da sua liberdade de expressão e crítica; XIX - Entendemos que a conduta do arguido se contém, portanto, dentro dos limites do razoável no âmbito do debate político e dos objectivos que se visam com a campanha eleitoral nos regimes democráticos - que é o de esclarecer/convencer os eleitores, sem tibiezas ou constrangimentos, de qual o melhor candidato, que melhores qualidades reúne para gerir a autarquia - não sendo, por isso, ilícita; XX - As afirmações feitas pelo arguido não preenchem o tipo legal incriminador do artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, pois, objectivamente, não são, de acordo com a concepção legal de honra, susceptíveis de lesionar a honra e consideração do assistente; XXI - Sem prescindir, sempre se dirá que se encontram verificadas as causas de exclusão de punibilidade previstas no artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal; XXII - A intenção do arguido ao publicar os textos em causa no seu perfil de facebook era divulgar entre as suas amizades virtuais a personalidade e o carácter do assistente, figura pública e candidato ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de (…), atento a falta de pagamento no que concerne ao abastecimento de combustível, bem como obter o efectivo pagamento do correspondente valor; XXIII - De acordo com a factualidade assente, dúvidas não subsistem que existe uma dívida à empresa da qual o arguido era sócio-gerente, imputável ao assistente, por ter sido este a negociar o fornecimento de combustível com o arguido, em beneficio do Partido X...; XXIV - Entende-se que o arguido agiu no âmbito da realização de um interesse legítimo, como sendo o de esclarecer os eleitores, seus amigos virtuais, das qualidades do assistente, enquanto candidato à Câmara Municipal de (…), bem como obter o respectivo pagamento, pelo que tanto basta, a nosso ver, para preencher o requisito da alínea a), n.º 2, do artigo 180.º do Código Penal; XXV - Havendo o arguido imputado ao assistente a prática de factos concretos, designadamente a existência de uma dívida, decorrente da negociação encetada entre ambos em beneficio do Partido X..., acreditando, sem hesitações, nesses factos, entendemos ficar preenchido o requisito da alínea b), n.º 2, do artigo 180.º do Código Penal; XXVI - Ao divulgar a publicação sub judice, o arguido agiu com a intenção de realizar interesses legítimos e fê-lo convicto da veracidade de tal imputação, agindo, assim, de boa fé; XXVII - Caso assim não seja entendido, o que se admite por mera hipótese académica, sempre se dirá que a conduta do arguido pode reconduzir-se a erro sobre as circunstâncias de facto, a qual tem por efeito a exclusão do dolo do tipo de crime sob apreciação; XXVIII - A manter-se a factualidade determinada, o que não se concede, sempre se deverá considerar que não é censurável a percepção do arguido, com o quarto ano de escolaridade completo (facto 64 dos factos provados), que o responsável pelo pagamento decorrente do fornecimento de combustível é o assistente; XXIX - Apresentando-se o assistente, que não era representante do Partido X..., a negociar os termos de adjudicação do fornecimento de combustível com o arguido, outra percepção não poderia ter que não fosse considerar o assistente responsável pelo pagamento do valor resultante dos abastecimentos; XXX - O erro sobre as circunstâncias de facto é um erro intelectual que se situa no plano do puro conhecimento, traduzindo um defeito do conhecimento acerca dos elementos da hipótese constante do tipo; XXXI - Considerando que não se encontra prevista a punição do crime de difamação a título de negligência, não deverá o arguido ser condenado pela prática do mesmo; XXXII - Impondo-se, assim, a absolvição do arguido/recorrente e, em consequência, a improcedência total do pedido de indemnização civil formulado, dado não ter praticado o crime pelo qual foi condenado; (…) XL - A, aliás, douta Sentença sob apreciação violou as seguintes disposições legais: artigos 13.º, 16.°, n.º 3, (…), 180.°, n.º 1, 183.°, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Código Penal; artigos 18.º e 37.º, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa; e, artigo 443.° do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a, aliás, douta Sentença, substituindo-se por outra que absolva o arguido do crime de...
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