Acórdão nº 230/20 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução22 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 230/2020

ATA

Aos 22 dias do mês de abril de 2020, os quatro juízes integrantes do pleno da 1.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Presidente, Manuel da Costa Andrade, e composta pelos Conselheiros Vice-Presidente, João Pedro Caupers, José António Teles Pereira (relator) e Maria de Fátima Mata-Mouros, reuniram-se por via telemática para discussão do projeto de acórdão relativo ao Processo n.º 476/2019, previamente distribuído pelo relator, decidindo o recurso apresentado nos presentes autos pela recorrente A. [artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril].

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO N.º 230/2020

Processo n.º 476/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (a ora Recorrente) intentou contra o Instituto dos Registos e do Notariado, IP (IRN) uma ação administrativa especial, tendo em vista a anulação da deliberação do Conselho Diretivo daquele Instituto, datada de 14/05/2015, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão e a condenou a restituir ao IRN a quantia de €1.915,00. O processo correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra com o número 3047/15.9BESNT.

1.1. Nesse Tribunal foi proferida decisão, datada de 11/03/2016, no sentido de julgar “verificada a exceção de inimpugnabilidade do ato”, com a consequente absolvição do IRN da instância.

Aí se considerou, em síntese, que da conjugação entre o artigo 225.º, n.º 4, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (doravante, LGTFP), e o artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, resultava que a impugnação judicial do ato de aplicação da sanção disciplinar em causa dependia da prévia interposição de recurso tutelar, ou seja, que este recurso teria, no caso, natureza necessária.

1.1.1. Desta decisão recorreu a Autora para o Tribunal Central Administrativo Sul. Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

O atual CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, foi-o ao abrigo da Lei n.º 42/2014, de 11 de julho.

Porém, a Lei n.º 42/2014, de 11 de julho, não conferiu ao Governo autorização para alterar o regime geral de punição das infrações disciplinares, matéria em que se terá de incluir a natureza da impugnação administrativa de ato punitivo .

Designadamente na medida em que do facto de a mesma ser definida como “necessária” se entenda como condição de acesso à via contenciosa.

E, bem assim, porquanto o facto de o ato punitivo, designadamente quando extintivo da relação jurídica de emprego público, ser matéria incluída nas bases da função pública.

[…]

[A] s normas vertidas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro – e até as que constam das alíneas ww) e seguintes do artigo 2.º da Lei n.º 42/2014, de 11 de julho – se entendidas como derrogatórias da natureza facultativa do recurso tutelar, constante dos artigos 224.º e 225.º da LGTFP, designadamente quando o ato punitivo seja extintivo da relação laboral, padecem de inconstitucionalidade por não terem sido precedidas de audição das associações sindicais – cf. artigo 56.º, n.º 2, alínea a), da CRP .

[…]”.

1.1.2. No Tribunal Central Administrativo Sul, foi proferido acórdão, datado de 16/02/2017, no sentido da improcedência do recurso. Dos respetivos fundamentos consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que não assiste razão à Recorrente, o que decorre da simples leitura da sentença recorrida, verificando-se que as objeções formuladas ao decidido em 1.ª instância se mostram destituídas da necessária consistência jurídica, face ao que se dispõe, nomeadamente, no artigo 3.º, n.º 1, al. c), 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, verificando-se também que o atual Código do Procedimento Administrativo foi aprovado pelo Governo ao abrigo da Lei n.º 42/2014, de 19 de julho, não se descortinando que em cumprimento do disposto no artigo 56.º, n.º 2, al. a), da CRP, as organizações sindicais tivessem que ter participado na elaboração do Novo CPA, que não é ‘legislação do trabalho’ em termos substantivos.

Relativamente à notificação da decisão punitiva, afigura-se-nos não fazer sentido pretender que tivesse que ser remetida à Recorrente carta registada com aviso de receção, quando esta já havia sido notificada pessoalmente dessa decisão em 19/05/2015, tomando conhecimento da mesma, não relevando para o efeito que não tenha querido assinar [o auto de] notificação.

Assim sendo, considerando a fundamentação da sentença recorrida, que é sufragada nas contra-alegações apresentadas, e afigura-se-nos não se verificar qualquer violação das disposições constitucionais invocada, porque o novo CPA não alterou o regime da punição das infrações disciplinares, nem constitui legislação do trabalho, nem de disposições legais, pois que o recurso tutelar em matéria disciplinar passou a ter natureza necessária, e assim sendo resta confirmar a sentença recorrida.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional e em confirmar a sentença recorrida

[…]”.

1.1.3. Desta decisão pretendeu a Autora recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Por acórdão de 08/06/2017, o STA não admitiu a revista.

1.2. A Autora interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, dando origem ao processo n.º 967/2017.

1.2.1. No processo n.º 967/2017, a relatora proferiu despacho de notificação das partes para alegarem.

1.2.2. Apresentadas as alegações, foi proferido acórdão intercalar (Acórdão n.º 563/2018), no sentido da notificação da Recorrente para, querendo, se pronunciar quanto à eventualidade do não conhecimento do objeto do recurso.

1.2.3. A Recorrente pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso.

1.2.4. Foi, então, proferido o Acórdão n.º 163/2019, no sentido do não conhecimento do objeto do recurso. Dos respetivos fundamentos consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

7. In casu, verifica-se que a decisão recorrida corresponde ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que não admitiu o recurso de revista. O critério normativo aplicado pelo mesmo – a respetiva ratio decidendi –, conforme resulta do excerto transcrito supra no n.º 1, assenta exclusivamente no entendimento perfilhado por aquele tribunal a respeito do artigo 150.º do CPTA e da excecionalidade do recurso de revista nele previsto. Consequentemente, apenas essa interpretação normativa pode ser objeto de fiscalização concreta da constitucionalidade no âmbito do presente processo.

Ora, como resulta expresso do requerimento de recurso e das alegações apresentadas, a recorrente pretende ver escrutinada interpretações normativas extraídas do artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro em conjugação com preceitos da LGTFP, nomeadamente os seus artigos 224.º e 225.º .

Deste modo, é evidente a falta de sintonia entre o objeto formal do recurso de constitucionalidade efetivamente interposto (isto é, a decisão recorrida, e que foi adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo) e o seu objeto material intencionado pela recorrente (a norma ou dimensão normativa cujo escrutínio constitucional se pretende e que corresponde aos critérios normativos adotados na decisão do Tribunal Central Administrativo Sul). Por outras palavras, a norma sindicada pela recorrente não coincide com aquela que foi aplicada pela decisão recorrida .

Está em causa uma deficiência estrutural do recurso, porquanto respeita à definição de elementos essenciais: tribunal recorrido, decisão recorrida e norma sindicada. A instância do recurso assim interposto estabeleceu uma relação entre o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Constitucional, pelo que a decisão deste último de conceder ou negar provimento ao recurso ou de o rejeitar apenas pode vincular o primeiro e projetar efeitos sobre a respetiva decisão.

8. Tal deficiência não pode ser ultrapassada oficiosamente (v.g. no exercício de uma cooperação ativa, mediante a ‘correta’ interpretação do ‘objeto material’) nem a requerimento do recorrente (v.g. por via do deferimento de uma requerida substituição do objeto real do recurso pelo ‘objeto intencionado’). De resto, a mesma deficiência também não poderia ter sido sanada mediante a prolação de um despacho-convite.

Com efeito, a função do despacho-convite previsto nos n.ºs 5, 6 e 7 do artigo 75.º-A da LTC é a de suprir vícios formais do requerimento de recurso ou de permitir o esclarecimento de dúvidas sobre os termos, sentido ou alcance do impulso recursório; não a de ‘salvar’ recursos inviáveis em razão de deficiências processuais de caráter estrutural, seja por ineptidão do respetivo requerimento (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 252/2008, 373/2012, 112/2013 e 286/2016), seja por falta de pressupostos processuais (como, por exemplo, o da utilidade do recurso por não coincidência entre a ratio decidendi da decisão recorrida e a norma sindicada no recurso de constitucionalidade; v. também, entre outros, os Acórdãos n.ºs 566/2012 e 159/2015).

No caso...

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