Acórdão nº 149/20 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução04 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 149/2020

Processo n.º 269/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., S.A. (a ora Recorrente) requereu ao Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, CAAD) a constituição de tribunal arbitral, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista a declaração de ilegalidade de um ato de liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano 2014. Do requerimento inicial consta, designadamente, o seguinte:

«[…]

124.º

Em resumo, as concretas transferências de fundos da Requerente para a entidade centralizadora de tesouraria não lhe proporcionam um qualquer aumento de liquidez financeira, ao contrário do que sucede, como vimos, num contrato de mútuo, razão pela qual não evidenciam qualquer manifestação de capacidade contributiva.

125.º

Deste modo, a falta de fundamento da tributação das concretas transações só poderá impedir o intérprete de as considerar incluídas na norma de incidência em apreço, qual seja a verba 17.1 da TGIS, conjugada com o artigo 1.º, número 1, do Código do IS.

126.º

Caso contrário, considerando-se que quaisquer transferências de fundos entre duas entidades caem na previsão dos aludidos normativos, estes serão materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da capacidade contributiva decorrente dos artigos 13.º e 104.º da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

[…]».

1.1. Por acórdão do CAAD de 11/02/2019, o pedido foi julgado improcedente. Tal decisão assentou nos fundamentos seguintes:

“[…]

III.1. Matéria de facto

A.1. Factos provados

A. A Requerente é sociedade comercial anónima (…) e tem o capital social de € 9.000.000,00.

B. A Requerente declarou início de atividade para efeitos fiscais em 1987-12-23, encontrando-se inscrita para o exercício da atividade principal de “fabricação de medicamentos” a que corresponde o código 21201 da Classificação das Atividades Económicas.

C. O objeto social da Requerente consiste no fabrico, importação e exportação e comercialização de produtos químicos e farmacêuticos, dermofarmacêuticos, de veterinária, de cosmética e perfumaria, produtos e artigos de higiene, de desinfeção e de limpeza, produtos dietéticos, chás medicinais, e outros complementos alimentares, reagentes e reativos, testes, vacinas, material cirúrgico e afins.

D. O capital social da Requerente é totalmente detido pela sociedade B., SGPS, S.A. com o NIPC […] com sede na Amadora.

E. A Requerente no exercício de 2014 encontrava-se inserida em grupo de sociedades e estava enquadrada no regime especial de tributação do grupo de sociedades (RETGS), tendo como sociedade dominante a empresa B., SGPS, S.A.

F. O grupo que tem como sociedade dominante a empresa B., SGPS, S.A., no ano de 2014, era, para efeitos de RETGS, constituído pelas seguintes empresas:

Dominante: B., SGPS, S.A.

Dominada: […] [Inclusão em 01/01/2015]

Dominada: [A ora Recorrente; Inclusão em 01/01/2008]

Dominada: […] [Inclusão em 01/01/2007]

Dominada: […] [Inclusão em 01/01/2007]

Dominada: […] [Inclusão em 01/01/2007]

Dominada: […] [Inclusão em 01/01/2007]

Dominada: […] [Inclusão em 01/01/2007]

Dominada: […] [Inclusão em 01/01/2007]

Dominada: […] [Inclusão em 01/01/2007]

G. Nas “Contas da Sociedade” de 2014 a Requerente inscreveu a seguinte declaração no “Anexo ao balanço e à demonstração de resultados”, na divisão “12 – Instrumentos financeiros”, subdivisão “12.2 Categorias de ativos financeiros” sob o título “Ativos financeiros”, que “a entidade está integrada num Grupo de Sociedades que adota o sistema de cash pooling zero balance como instrumento de gestão de tesouraria, sendo os excedentes de tesouraria cedidos à empresa-mãe e os deficits cobertos por esta. O saldo médio resultante destas operações foi remunerado, em 2014, à taxa de 7%”.

H. Nas “Contas da Sociedade” de 2014 a Requerente inscreveu a seguinte declaração no “Anexo ao balanço e à demonstração de resultados “, na divisão “15 – Outras informações”:

O Grupo C. efetuou a integração da gestão corrente de tesouraria de todas as empresas do grupo na empresa B., SGPS, S.A., com o objetivo de otimizar os recursos financeiros e simplificar as tarefas administrativas de tesouraria.

Com esta integração, na qual as empresas operacionais fazem transmissão singular de dívidas correntes, a empresa-mãe assegura a gestão dos fluxos financeiros correntes de todas as empresas do grupo, efetuando diretamente os recebimentos e os pagamentos resultantes da atividade operacional das participadas.

A 31 de dezembro, o montante relativo a dívidas correntes ativas seria de 3.117 milhares de euros e dívidas correntes passivas de 5.064 milhares de euros.”

I. A coberto da Ordem de Serviço n.º OI201702039, de 2017-05-08, com despacho de 10-05-2017, foi efetuada ação inspetiva interna ao exercício de 2014 da Requerente.

J. Em resultado da ação de inspeção interna referida, os Serviços de Inspeção Tributária elaboraram projeto de relatório onde propuseram correções ao Imposto do Selo no montante de €91.963,13 com fundamento na falta de liquidação e entrega nos cofres do Estado desse imposto por parte da Requerente, resultante da concessão de crédito, à empresa dominante do grupo a que o sujeito passivo pertence, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. b), 5.º, al. g), e 23.º, n.º 1, do Código do IS (CIS) e Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) .

[…]

M. No seu relatório os Serviços de Inspeção Tributária consideraram resultar as correções que se indicam, pelos fundamentos que constam do citado relatório, que se reproduzem:

“Da análise aos extratos bancários de janeiro de 2014 das contas detidas pela [ora Recorrente] designadamente no BCP e no Novo Banco disponibilizados pelo sujeito passivo, verifica-se que existem:

* fluxos de saída (por exemplo, pagamentos da Via Verde e a fornecedores) e fluxos de entrada (por exemplo, recebimentos de clientes) relacionados com a atividade corrente do sujeito passivo; e

* transferências a favor da empresa-mãe B., SGPS e recebidas desta sociedade, refletidas na conta bancária centralizante desta SGPS, que são contabilizadas na conta 268209004 – Cons. Tesouraria TSGPS a débito e a crédito, respetivamente.

Assim, a conta 268209004 – Cons. Tesouraria TSGPS funciona como conta corrente em que o saldo em cada data corresponde à posição que a [ora Recorrente] assume na conta centralizante, isto é, ou tem uma posição credora perante a empresa-mãe (saldos devedores) ou devedora (saldos credores).

De acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), este “(…) incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

A Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) determina na verba 17. Operações Financeiras – 17.1. que é devido imposto do selo:

“Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respetivo valor, em função do prazo.”

A alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS estabelece que “são sujeitos passivos do imposto (…) entidades concedentes do crédito e da garantia ou credores de juros, prémios, comissões e outras contraprestações”. Desta norma resulta que pela concessão de crédito é sujeito passivo a entidade mutuante, competindo a estas entidades nos termos do artigo 23.º, n.º 1, e 41.º, todos do CIS, liquidar o imposto e entregá-lo nos cofres do Estado.

O encargo do imposto é atribuído ao titular do interesse económico que, no caso da concessão do crédito, é o utilizador do crédito, conforme disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo.

Ou seja, compete ao concedente do crédito liquidar e entregar o Imposto nos cofres do Estado, podendo o concedente exercer o direito de regresso desse encargo, visto tal encargo ser atribuível ao utilizador do crédito.

Efetivamente, da análise aos movimentos da conta corrente 2682090004 verifica-se no período em análise (2014) o sado diário acumulado que tem na conta centralizante é sempre positivo, isto é, em termos líquidos a posição da [ora Recorrente] perante a B., SGPS é credora, traduzindo-se assim numa cedência de excedentes de tesouraria. Deste facto resulta que por estas operações tenham sido obtidos juros pela [ora Recorrente], calculados à taxa de 7% e reconhecidos na conta 7918 – Outros juros obtidos, no montante de €624.493,22 (cfr. anexo 4, págs. 36 e 37). Nos comentários preenchidos da IES de 2014 em relação às Principais Políticas Contabilísticas Adotadas em relação ao Rédito é referido que este compreende «(ii) os juros cobrados à empresa holding relativamente à cedência dos excedentes de tesouraria» .

O artigo 5.º do CIS, alínea g), estabelece que nas operações de crédito o momento em que a obrigação tributária se considera constituída é “o momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês”.

O valor tributável é, em conformidade com o n.º 1 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo, “o que resulta da Tabela Geral (…)”, sendo que, no caso em análise, o valor é apurado com base na verba 17.1.4 da TGIS, uma vez que o prazo da operação não é determinado nem...

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