Acórdão nº 136/20 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução03 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 136/2020

Processo n.º 804/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A., B., C. e D. e é recorrida E., os primeiros vieram interpor recurso de constitucionalidade:

a) Por um lado, e ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 20 de setembro de 2018, que julgou apenas parcialmente procedente o recurso interposto da decisão de 1.ª instância que qualificou como culposa a insolvência de F., Lda., e, em consequência: (i) declarou afetados pela qualificação as gerentes de direito A. e B., assim como os gerentes de facto C. e D.; (ii) declarou as mesmas pessoas inibidas, pelo período de 5 (cinco) anos, para o exercício do comércio e a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; (iii) determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelos mesmos; (iv) condenou-os a indemnizar os credores da sociedade F., Lda. no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a efetuar em liquidação de sentença; e (v) quanto ao mais, absolveu os requeridos, por não se tratar matéria do âmbito do presente incidente de qualificação da insolvência. O Tribunal da Relação de Lisboa alterou parcialmente a matéria de facto, declarando os requeridos inibidos apenas por um período de 2 (dois) anos para o exercício do comércio e a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, mantendo no mais o decidido.

b) Por outro lado, e ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f), da LTC, da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 9 de abril de 2019, que indeferiu as nulidades arguidas pelos recorrentes do acórdão proferido pelo mesmo Tribunal no dia 12 de fevereiro de 2019, que negou provimento ao recurso de revista interposto pelos recorrentes do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa acima referido.

2. Os recursos de constitucionalidade apresentam, na sua essência, o seguinte teor:

a) Relativamente à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 663 a 666 dos autos):

«1. No referido Acórdão datado de 20 de setembro de 2018, o artigo 186º, n.º 2 do CIRE foi interpretado no sentido de que institui "(...) uma presunção iuri et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade (...)" dos comportamentos aí descritos "(...) para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo prova em contrário." - veja-se págs. 60 e 61 do Acórdão recorrido.

2. Interpretação que se afigura inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, previstos no artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

3. Os Recorrentes suscitaram a questão da mencionada inconstitucionalidade nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, as quais deram entrada no sistema Citius em 05104/2018 com a referência Citius 12096846 - cfr. pontos 185 a 202 das mesmas e respetivas Conclusões 48 a 56.»

b) Relativamente à decisão do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 674 a 676 dos autos):

«1. O Acórdão proferido em Conferência pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 9 de abril de 2019 já não admite recurso ordinário (cfr. art. 70º, n.ºs 2 e 3 da Lei 28/82).

2. No referido Acórdão, o artigo 655º nº 2 do CPC (em conjugação com o artigo 654º, nº 2 do mesmo Código, para o qual remete), foi interpretado em sentido que os Recorrentes reputam de inconstitucional.

3. O Supremo Tribunal de Justiça interpretou o mencionado artigo 655º do CPC no sentido de que, quando o recorrido suscite, nas suas contra-alegações, a questão da inadmissibilidade da Revista por inexistência dos respetivos pressupostos (nomeadamente por se verificar a dupla conformidade), o Tribunal pode decidir, desde logo, que não deve conhecer do objeto do recurso, sem notificar expressamente o recorrente para se pronunciar sobre a questão da inadmissibilidade do recurso.

4. Ou seja, o Tribunal entendeu que o artigo 655 nº 2 não impõe a notificação do recorrente para se pronunciar sobre a questão da inadmissibilidade do recurso suscitada pelo recorrido nas suas contra-alegações, quando se verifica que o recorrente foi notificado por aquele das contraalegações por si apresentadas.

5. O que resulta, entre outras, da seguinte passagem que a seguir se transcreve: "Tendo em conta que nas contra-alegações a Recorrida suscitou a questão da inadmissibilidade da revista por inexistência dos pressupostos para o efeito (fazendo referência, além do mais, à questão da dupla conformidade das decisões), uma vez que a parte Recorrente foi notificada da referida peça e, tendo tido oportunidade de responder, nada disse (cfr. artigos 655º, nº 2, 654º, nº 2 e 679º, todos do CPC), tornou-se dispensável dar lugar a novo contraditório, tanto mais que as partes, particularmente os Recorrentes, não poderiam deixar de contar com tal enquadramento jurídico, desde logo enquanto questão que se impunha conhecer."

6. Porém, essa interpretação do mencionado artigo 655º nº 2 do CPC afigura-se inconstitucional por violação dos princípios da proibição da indefesa e do contraditório, previstos no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da mesma Lei Fundamental.

7. Sendo também ilegal, por violação de "lei com valor reforçado": - art. 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, norma na qual se estipula o seguinte:

"1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela." - cfr. art" 70º n.º 1, als. f) e c) da Lei n.º 28/82.

8. Tendo os Recorrentes suscitado desde logo a questão das referidas inconstitucionalidade e ilegalidade no requerimento de arguição de nulidade do Acórdão deste Tribunal datado 12 de fevereiro de 2019 - vide nº.s 16 a 34 desse requerimento - que deu entrada no sistema Citius em 28 de fevereiro de 2019, com a ref.ª 126646 (cfr. art.º 75-A, n.º 2 da Lei 28/82).

9. Por tudo, pois, verificam-se todos os pressupostos de admissibilidade do presente recurso.

Termos em que, com os mais de direito, deve admitir-se o presente recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação da inconstitucionalidade e ilegalidade do artigo 655º do CPC (em conjugação com o art. 654º, n.º 2 do mesmo código, para o qual remete) interpretado no sentido que lhe foi atribuído pelo Supremo Tribunal de Justiça, supra explanado, por violação dos arts 20º e 23º da Constituição da República Portuguesa e 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, seguindo-se os ulteriores trâmites até final.»

3. Através da Decisão Sumária n.º 778/2019 foi decidido: a) não julgar inconstitucional a norma prevista no n.º 2 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 20 de setembro de 2018; e b) não conhecer o objeto do recurso interposto da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 9 de abril de 2019.

Foi a seguinte a fundamentação apresentada na referida Decisão Sumária:

«5. Considerada a conexão entre os dois recursos de constitucionalidade interpostos pelos recorrentes, justifica-se apreciá-los conjuntamente (cf. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 199 s.). Por outro lado, atenta a precedência lógica da questão relativa ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o respetivo recurso de constitucionalidade será apreciado em primeiro lugar, seguindo-se então a apreciação do recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

A) Recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

6. Com o recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, os recorrentes insurgem-se fundamentalmente contra a norma prevista no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, nos termos da qual se considera sempre culposa a insolvência do devedor (que não seja uma pessoa singular) quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham praticado algumas das condutas aí elencadas.

É essencial começar por sublinhar que os recorrentes, tanto no recurso de constitucionalidade aqui em apreço como já no recurso que interpuseram para o Tribunal da Relação de Lisboa, se insurgem, não contra uma ou alguma das alíneas em que se desdobra o referido artigo 186.º, n.º 2, cujo preenchimento conduz à qualificação da insolvência como culposa, mas contra a circunstância, em si mesma considerada, de esse preceito estabelecer que o preenchimento de qualquer daquelas alíneas conduz à qualificação da insolvência como culposa. Quer dizer, é a própria circunstância de ali se estabelecer uma presunção inilidível – independentemente de qualquer consideração acerca das concretas condutas selecionadas para ativarem a estatuição da norma – que os recorrentes entendem fazer emergir uma questão de constitucionalidade. É isso que resulta inequivocamente de passagens como as seguintes (sublinhados nossos): (i) No recurso interposto para o Tribunal da Relação: «185. A...

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