Acórdão nº 091/19.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução20 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório I.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (C.P.T.A.), aplicável “ex vi” do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — R.J.A.T.), interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do S.T.A., da decisão arbitral proferida no processo n.º 469/2019-T do Centro de Arbitragem Administrativa (C.A.A.D.), em que foi requerente Z……….., Lda., sinalizada nos autos, e que julgou procedente o pedido de anulação dos actos de autoliquidação de IVA, dos exercícios de 2002 e 2003.

No requerimento de interposição circunscreve o recurso à matéria relativa ao cálculo do montante de IVA decorrente da correção resultante do cálculo do “pro rata” definitivo de 70% para 34% e a sua aplicação ao IVA dedutível relativo aos bens e serviços comuns adquiridos ao longo do ano pelas diferentes empresas envolvidas em fusão, invocando contradição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/11/2017, proferido no âmbito do processo n.º 0485/17.

I.2.

Apresenta ainda alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo: A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

  1. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

  2. O âmbito do presente recurso circunscreve-se à matéria relativa ao cálculo do montante de IVA decorrente da correção resultante do cálculo do pro rata definitivo de 70% para 34% e a sua aplicação ao IVA dedutível relativo aos bens e serviços comuns adquiridos ao longo do ano pelas diferentes empresas envolvidas na fusão.

  3. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

  4. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

  5. Em ambos ao Acórdãos, Autora e Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo atividades sujeitas a IVA e atividades isentas de IVA.

  6. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

  7. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal, por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano.

    I. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

  8. Ambas imputam aos atos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

  9. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

    L. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afetos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

  10. Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».

  11. Já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral que: “Por outro lado, ainda, dispõe a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, que «[N]os casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é: para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário».” Ou seja, o IVA deve ser liquidado sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, constituindo este montante global o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira. Assim, a solução proposta pela Administração Tributária, de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, a parte da renda correspondente à amortização financeira não tem apoio direto nos textos legais.” O. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

  12. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

  13. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

  14. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

  15. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento.

    Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência: - ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E - ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça.

    I.3.

    O recurso foi admitido com efeito suspensivo, tendo a recorrida apresentado contra-alegações, com o seguinte quadro conclusivo: A. Deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser rejeitado por violação do disposto no artigo 25.º do RJAT, por inexistência dos pressupostos de identidade quanto à situação de facto e quanto à questão fundamental de direito.

  16. Entende a Recorrente que a decisão recorrida se encontra em contradição com o acórdão fundamento quando considera que o método de cálculo da percentagem de dedução utilizado pela Administração Tributária no que respeita às operações de locação financeira não tem qualquer suporte legal e deve, como tal, ser recusado.

  17. Salvo o devido respeito, não se verificam, in casu, os pressupostos de identidade quanto à situação de facto e quanto à questão fundamental de direito, dos quais depende a admissibilidade do recurso para uniformização jurisprudência.

  18. Quanto à identidade de situações de facto, basta referir que a Recorrida não é um banco nem o conjunto das suas atividades é similar aquelas desenvolvidas pelos bancos, facto essencial na decisão adotada pelo acórdão fundamento.

  19. Também as questões colocadas (analisadas) numa e outra decisão são fundamentalmente distintas: enquanto o acórdão fundamento parte da análise de uma situação em que foi aplicável o Ofício-circulado 30108 – ofício ao abrigo do qual a Administração Tributária se pronunciou sobre aquele que seria, no seu entender, o pro rata aplicável a entidades que exercem operações de locação financeira -, tal Ofício sequer existia à data dos factos subjacentes à decisão recorrida.

  20. Adicionalmente, sequer...

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