Acórdão nº 2476/17.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO A….. instaurou ação administrativa contra o Estado Português, na qual peticionou a condenação deste último a pagar-lhe quantia de € 7.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar da citação até integral pagamento.

Alega, em síntese, que sofreu danos não patrimoniais com a duração excessiva de ação por si interposta, que correu termos no Julgado de Paz, na Instância Cível da Comarca de Lisboa e no Tribunal da Relação de Lisboa.

Citado, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação, pugnando pela improcedência da presente ação.

Por sentença de 01/05/2019, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.

Inconformada com tal decisão, a autora interpôs recurso, terminando as suas alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1.ª Atendendo a que a autora formulou o pedido de indemnização com base na violação do prazo razoável de decisão e indicou como violados os artºs. 2º. e 20º., nº. 4, ambos da Constituição, e 6º., § 1º., da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, presume-se que a mesma sofreu, por causa dessa violação, um dano não patrimonial, sendo que a presunção poderia ser ilidida pela prova de contrafactos que sempre teriam de ser alegados e provados pelo réu (artºs. 83º., nºs. 1,al. c), 3 e 5, do CPTA e 342º., nº. 2, 349º. e 350º.,nº. 2, todos do CC).

  1. ªPara ilidir a presunção o tribunal serviu-se de factos que não tinham sido alegados por qualquer das partes, tendo todos resultado da instrução da causa, nomeadamente do facto de a autora não se ter manifestado quando conheceu o resultado final da acção e a ansiedade (frustração, desgosto) alegadamente ter resultado do não recebimento da indemnização peticionada, o que não lhe era permitido fazer, uma vez que se tratava de factos essenciais, supostamente integrantes de uma excepção peremptória, e a questão não é de conhecimento oficioso (artº. 89º.,nºs. 1 e 3, do CPTA).

  2. Se considerados essenciais, susceptíveis de servir de causa impeditiva do direito invocado pela autora, sobre o réu recaía o ónus de os alegar e provar, o que não fez, sem o que o tribunal não pod ia servir-se deles e conhecer da excepção, pelo que, ao fazê-lo, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, com o que desobedeceu ao comando contido no artº. 95º., nº. 1, do CPTA, assim tendo cometido uma nulidade de sentença por excesso de pronúncia, prevista no artº. 615º., nº. 1, al. d), in fine, do CPC (artºs. 5º., nº. 1, e 571º., nº. 2, deste último Código e citado artº. 83º., nºs. 1, al. c), 3 e 5).

  3. ªOs factos alegados nos artigos 14º., 15º., 16º., 17º., 18º., 22º., 23º., 24º., 25º., 26º., 27º., 28º., 29º., 31º., 32º., 36º., 42º., 43º., 44º., 45º., 54º., 55º., 56º., 58º., 63º., 66º., 67º., 68º., e 72º. da petição inicial, na parte que respeita ao não cumprimento dos prazos, porque se encontram provados por documento e confissão, como ficou explanado no item 3.1. FACTOS QUE SE ENCONTRAM PROVADOS POR DOCUMENTO E CONFISSÃO do corpo das alegações, devem ser levados ao probatório e ser tidos em conta na fundamentação da sentença.

  4. Tais factos, confessados tacitamente pelo réu, relevantes para se poder aferir o comportamento das autoridades competentes que tiveram intervenção no processo, são reveladores de que, em muitas situações, houve falta de diligência na respectiva tramitação, do que resultaram atrasos injustificados, sem a verificação dos quais a causa da autora teria sido definitivamente julgada sem se exceder o prazo razoável.

    6 ªDe igual modo, encontram-se provados por documento e confissão os factos alegados nos artigos 6º., 7º., 33º., 34º., 40º., 59º. e 69º., reveladores de que a autora praticou alguns actos processuais vários dias antes do termo dos respectivos prazos, antecipando-os, reveladores da sua preocupação com a celeridade processual e da diligência com que sempre agiu, pelo que também devem ser levados ao probatório e ser tidos em conta na fundamentação da sentença, tendo sido violados, ao omiti-los, os artºs. 607º., nºs. 3 e 4, do CPC e 94º., nºs. 3 e 4, do CPTA).

  5. Na alínea MMMMM) do probatório deve ficar a constar que a autora escolheu o Julgado de Paz porque ficou muito satisfeita devido ao facto de a acção que nele propusera, com o número ….., ter sido decidida em 2 meses e 12 dias, tendo tido início a 18-04-2009 e tendo findado a 01-07-2009, como se alega no artigo 74º. da petição inicial e se encontra provado por documento, confissão e depoimento testemunhal, como também fica exposto no item 3.1.

  6. Porque tal facto também está provado por documento e testemunho, a alínea PPPPP) do probatório deve ser alterada no sentido de nela ficar a constar que as obras de restauro nela referidas foram executadas pelo condomínio no interior da fracção autónoma 7º.C e num terraço intermédio situado por cima da mesma, tendo a autora efectuado o reembolso das respectivas despesas, na parte que lhe competia.

  7. São relevantes para se poder concluir que a autora, ao encurtar prazos e antecipar a prática de actos processuais, agiu sempre com diligência superior à diligência média exigida pelo TE para estas situações, a todo o tempo preocupada com a celeridade processual e que não pode ser responsabilizada por qualquer dos atrasos verificados ao longo do processo, devendo todos eles ser imputados à Segurança Social e aos operadores judiciários que tiveram intervenção no mesmo.

  8. Com base na reapreciação da prova gravada, devem dar-se por provados os factos descritos nas alíneas a), b) e d) dos factos não provados, uma vez que a sentença errou na apreciação das passagens da gravação transcritas e prestadas nos momentos 00:05:26, 00:05:50, 00:06:17, 00:07:14, 00:08:07, 00:10:07, 00:11:13, 00:13:45, 00:14:26, 00:20:51, 00:21:08, 00:21:51, 00:30:35, 00:32:11, 00:38:54, 00:47:14, quanto aos factos descritos nas duas primeiras alíneas, e 00:08:07, 00:36:36, 00:36:37, 00:36:38, 00:36:48 e 00:36:54, quanto à alínea d), como melhor se expõe no item 3.2. FACTOS QUE DEVEM FICAR PROVADOS POR REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA.

  9. De facto, a testemunha inquirida tinha conhecimento directo dos factos, por os ter presenciado, indicou sempre a sua razão de ciência e depôs com isenção e sem hesitações, não entrou em contradições, prestou um depoimento que merece toda a credibilidade, que não foi abalada por contraprova, não havendo qualquer incompatibilidade entre os factos alegados pela autora e aqueles que foram alegados por outro autor numa outra acção com objecto idêntico ao desta.

  10. A autora começou por afastar a possibilidade de mediação para que o processo avançasse logo para a fase de julgamento, porque sabia que a diligência seria inútil, antecipou alguns actos processuais praticando-os antes do termo dos respectivos prazos, sempre preocupada com a celeridade processual e agindo com diligência superior à diligência média que é exigida pelo TE.

  11. O comportamento da autora não deixa de ser diligente pelo facto de ter feito dois requerimentos a pedir a marcação da audiência para certos dias da semana, de não ter comunicado à Segurança Social a alteração da sua situação económica para efeitos de cancelamento do apoio judiciário, de não ter feito uso de uma suposta aceleração processual, de ter juntado documentos aos autos de ter pedido a alteração da data de julgamento que estava agendada para 16-09-2015, de ter pedido apoio judiciário e de ter reclamado e interposto dois recursos.

  12. É manifestamente diferente o comportamento das autoridades competentes, tendo agido com falta da diligência que era devida, já que excederam, e em muito, um sem número de prazos processuais, sendo os excessos injustificados, praticaram actos não autorizados por lei e cometeram erros que atrasaram o processo.

  13. Deve ter-se em conta que os procedimentos nos Julgados de Paz, nos quais não há férias judiciais, estão concebidos e são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual, sendo os prazos processuais neles aplicados muito mais curtos do que os previstos no CPC.

  14. O processo primou pela simplicidade, tanto mais que as questões de facto e de direito a decidir não apresentavam qualquer complexidade, apenas foram inquiridas 4 testemunhas nas audiências de julgamento realizadas, não foi expedida qualquer carta precatória nem rogatória, não foi realizado nenhum exame pericial nem outra diligência de prova extraprocessual, tendo-se apenas produzido prova testemunhal e documental muito simplificada, e não houve renovação de prova nos recursos.

  15. Tendo o assunto da autora levado 6 anos e 8 meses a ser tratado e tendo em conta os critérios seguidos pelo TE e pelos tribunais superiores nacionais, não pode deixar de chegar-se à conclusão de que não foi feita justiça em prazo razoável, pelo que foram violados os artºs. 2º. e 20º., nº. 4, ambos da Constituicão, 6º, § 1º.,da CEDH, 14º, nº 1, do PIDCP, 1º., nºs. 1e 2, 3º, 7º,nºs. 3 e 4, 9º., 10º, nº. 1, e 12º., todos da Lei nº. 67/07, de 31de Dezembro, 70º, nº. 1, 483º,1 e 562º. e sgts., todos do CC.

  16. De facto, além de se considerar que o prazo global de 6 anos e 8 meses é excessivo, há que ter em conta que o processo não era complexo, o comportamento da autora foi mais do que normal, até tendo praticado alguns dos actos processuais muito antes do último dia dos respectivos prazos, ao contrário do das autoridades competentes, que não cumpriram muitos dos prazos processuais.

  17. Ainda que tivessem sido cumpridos com rigor todos os prazos processuais, não deixaria de se considerar excedido o prazo razoável, como se tem entendido, sendo que, nessa situação, constatar-se-ia que o Estado não teria cumprido os deveres decorrentes da ratificação Convenção, de organizar o sistema judiciário e de o dotar de outros meios, mecanismos e prazos adequados para poder atingir o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT