Acórdão nº 2195/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório L...

, intentou o presente processo urgente contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), peticionando a anulação da decisão da Directora Nacional Adjunta do SEF pelo qual se determinou que Itália é o Estado-Membro responsável pela sua retoma a cargo, acção esta julgada improcedente.

Com o decidido não se conformando, veio interpor recurso para este TCA, contendo o requerimento de recurso as seguintes conclusões: 1. Notificada da decisão do SEF, veio o Recorrente requerer a consulta do processo à entidade administrativa. Contudo, tal pedido não lhe foi deferido. Face à tramitação urgente dos presentes autos, o recurso – alvitrado pela aliás douta sentença do Tribunal a quo – à acção administrativa para acesso a documentos, mostrava-se, salvo o devido respeito, incompatível com a urgência dos presentes autos. Desta sorte, a obstaculização – por omissão de resposta – da consulta do processo constitui forma ínvia de coarctar o direito do recorrente de sindicar e contraditar a decisão administrativa, mas também de, pelo iterprocedimental constante do processo, aferir da legalidade do mesmo. Assim, resulta apodíctico que a obstaculização da consulta do processo, constitui nulidade que deveria ter sido declarada pelo Tribunal a quo.

  1. Perante a obstaculização da consulta do processo, não tomou o Recorrente conhecimento de que não havia sido notificado para se prounuciar em sede de audiência de interessados. Todavia, é aplicável o direito de audição/defesa no procedimento especial de determinação do Estado responsável, ainda que não expressamente previsto no regime procedimental definido no artigo 37.º, da Lei n.º27/2008. Destarte, deve a acção ser procedente e ser anulado o acto administrativo impugnado, devendo ser retomado o procedimento administrativo após as declarações do Recorrente, com a realização do relatório em falta.

  2. Não obstante o Recorrente não ter alegado em concreto ter sido sujeito a tratamento desumano e degradante, certo é que, logo que lhe foi possível, saiu de Itália e solicitou protecção internacional a Portugal, por força de saber o tratamento a que eram votados os migrantes e peticionários de protecção internacional em Itália. Mais, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo pretende que, só em concreto e perante tratamento desumano do Recorrente, poderia verificar que no Estado-Membro responsável pela retoma a cargo ocorreriam falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos Recorrentes de protecção internacional. Na verdade, face às reiteradas informações veiculadas por organizações internacionais acerca do tratamento desumano e degradante a que são votados os peticionários de protecção internacional em Itália, resulta apodictico que, caso se mantenha a decisão de retoma a cargo para esse EM, será este igualmente vitima do mesmo tratamento. Assim, deveria o oacto subi udice ser anulado por força do tratamento degradante e desumano a que são votados os migrantes no EM designado como responsável pela retoma a cargo.

  3. Alegou o Recorrente que existia deficit instrutório por parte do SEF porque o mesmo não havia instruído o processo com informação sobre tratamento a que são votados os Recorrentes de protecção internacional no EM. Na verdade, a aliás douta sentença considera a presunção – ainda que não absoluta, como expende a -de que a Itália, como qualquer EM cumpre as suas obrigações no procedimento de protecção internacional, Assim, laborou, de novo salvo o devido respeito, em erro de julgamento, porquanto desconsidera o que expende acerca das noticias e informações acerca do tratamento de migrantes em Itália e igualmente não reconhece a obrigatoriedade da decisão ser estribada com base em informação actualizada sobre as condições de acolhimento de Itália, existindo claro deficit instrutório.

  4. O Recorrente fundamentou o seu pedido de protecção internacional com o facto de ser perseguido nos seu país de origem por força da sua orientação sexual. Desta sorte, Itália, face ao tratamento que tem votado aos migrantes, mais do que provavelmente sujeitará o Recorrente a ser repatriado para o seu país de origem, ficando, por força da sua orientação sexual, em perigo de vida. Alegado o fundamento do pedido de protecção internacional do Recorrente, encontrava-se o Tribunal a quo obrigado a pronunciar-se sobre tal alegação, o que, manifestamente não fez, pelo que existiu omissão de pronuncia.

    Desta sorte, o entendimento plasmado pelo recorrente conduz à ilegalidade da sentença, devendo por isso ser revogada.

    O Recorrido não apresentou contra-alegações.

    • Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

    • Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

    • I. 1.

    Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se o tribunal a quo incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, por não ter conhecido de fundamento alegado na p.i. (o A. por força da sua orientação sexual, ficará em perigo de vida em caso de execução do acto); - Se o tribunal a quo errou ao ter concluído pela manutenção do despacho impugnado, o qual determinou também a notificação do requerente de protecção internacional para efeitos da sua transferência para a Itália, por ser este o Estado Membro responsável.

    • II.

    Fundamentação II.1.

    De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: 1) O Autor, nacional da Serra Leoa, apresentou um pedido de protecção internacional em Portugal em 12/07/2019, que foi registado sob o processo nº 1067/2019 – cfr. fls. 1, 2 e 14 do PA junto aos autos; 2) Em 02/05/2018, o Autor apresentou um pedido de protecção internacional em Itália, tendo as suas impressões digitais sido recolhidas e inseridas na base de dados EURODAC – cfr. fls. 4 e 32 do PA junto aos autos; 3) Em 17/07/2019, foi realizada uma entrevista com o ora Autor, nos termos do instrumento de fls. 20-27 do PA junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) – Cfr. fls. 20-27 do PA junto aos autos; 4) Em 22/07/2019, as autoridades portuguesas dirigiram um pedido de “Retoma a Cargo” ao Estado Italiano, ao abrigo do art. 18º, nº 1, al. b), do Regulamento (UE) nº 604/2013 – cfr. fls. 28-33 do PA junto aos autos; 5) Com data de 06/08/2019, o SEF comunicou às autoridades italianas que, em face da ausência de resposta, em duas semanas, ao pedido formulado, identificado no ponto antecedente, de acordo com o art. 25º, nº 2, do Regulamento Dublin III, considera que a Itália aceitou a retoma a cargo do ora Autor – cfr. fls. 34 do PA junto aos autos; 6) Em 06/08/2019, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF elaborou a informação nº 1436/GAR/2019, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte: “(…) Pelo exposto, e tendo em consideração que os pedidos são analisados por um único Estado, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho designarem como responsável, propõe-se que a Itália seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 25º, Nº 2 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho.” – cfr. fls. 37-40 do PA junto aos autos; 7) Em 06/08/2019, foi proferida pela Directora Nacional Adjunta do SEF a “Decisão” que ora se reproduz: «Imagem no original» – cfr. fls. 42 do PA junto aos autos; 8) Em 08/08/2019, a decisão referida no ponto anterior foi comunicada ao ora Autor, na língua inglesa, tendo-lhe sido fornecida cópia da decisão e da informação identificada no ponto 6) que antecede – cfr. fls. 43 do PA junto aos autos; 9) Com data de 12/08/2019, as autoridades portuguesas comunicaram ao Estado Italiano que a execução da decisão de transferência se encontra suspensa, enquanto se aguarda o resultado da impugnação deduzida pelo requerente de protecção, que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 56 do PA junto aos autos.

    O tribunal a quo exarou a seguinte motivação da decisão da matéria de facto: A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes do PA junto aos autos, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório.

    • II.2.

    De direito O ora Recorrente pretende a anulação da decisão que indeferiu, por inadmissível, o pedido de asilo formulado e que determinou a sua transferência para a Itália, entendendo existir nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

    Alega que fundamentou o seu pedido de protecção internacional com o facto de ser perseguido no seu país de origem por força da sua orientação sexual e que sobre isso o tribunal nada disse.

    Quanto ao mérito do decidido insiste que não lhe foi permitida a consulta do processo administrativo e que assim a obstaculização da consulta do processo, constitui nulidade que deveria ter sido declarada pelo tribunal a quo.

    Mais sustenta que é aplicável o direito de audição/defesa no procedimento especial de determinação do Estado responsável, ainda que não expressamente previsto no regime procedimental definido no artigo 37.º, da Lei n.º27/2008.

    Alega também que apesar de não ter alegado em concreto ter sido sujeito a tratamento desumano e degradante, certo é que, logo que lhe foi possível, saiu de Itália e solicitou protecção internacional a Portugal, por força de saber o tratamento a que eram votados os migrantes e peticionários de protecção internacional em Itália, país...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT