Acórdão nº 1788/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 05/11/2019, que, julgando procedente a ação administrativa especial urgente proposta por T…..

(Recorrido), anulou o despacho emitido em 17/09/2019 pela Diretora Nacional daquele Serviço- que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrido e determinou a transferência do mesmo para a Itália.

As alegações de recurso oferecidas pelo Recorrente culminam com as seguintes conclusões: «DAS CONCLUSÕES - 1.ª- O recorrente vem destarte reiterar tudo quanto já afirmou na anterior instância, em detrimento de todo o vertido e acolhido na infausta Sentença a quo, por manifesta inexistência de suporte legal.

- 2.ª- Saliente-se, que o que aqui está em causa, é o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional (que culminou com a aceitação tácita da retoma a cargo por parte do Estado requerido – a Itália) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a sua transferência.

- 3.ª- No estrito cumprimento do direito, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do ora recorrido para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do Pedido nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se queda apenas responsável pela execução da transferência, atento o previsto nos arts. 29.º e 30.º do Regulamento de Dublin.

- 4.ª- Nos termos da lei, só na eventualidade de Itália declinar a retoma a cargo é que haveria lugar, por expressa determinação, à aplicação do Capítulo III, mormente do art. 17.º, mas como tal não aconteceu (a Itália aceitou a retoma), foi afastada decisivamente a aplicabilidade do capítulo III (e de todas as suas normas), incluindo o art. 17.º, à situação vertente.

- 5.ª- Do exposto, resulta evidente que o acto administrativo impugnado se encontra legalmente enquadrado face ao disposto nos comandos imperativos ínsitos na legislação supra invocada. Malogradamente, o mesmo não acontece com a Sentença a quo.

Por conseguinte, - 6.ª- A autoridade recorrente não pode deixar de manifestar o seu total dissentimento com a Sentença proferida pelo tribunal a quo, porquanto inequivocamente colide com o determinado in legis, aquilatando-se, ex professo, da manifesta ilegalidade da Sentença proferida pelo TAC de Lisboa.

- 7.ª- Consequentemente, o ora recorrente não pode deixar de apelar a esse tribunal ad quem para que reconheça o vício de ilegalidade de que padece a douta Sentença e destarte proceda à sua anulação.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, impetra-se seja aceite o presente Recurso e, em conformidade seja anulada a Sentença a quo.

» O Recorrido apresentou contra-alegações, que integram as seguintes conclusões: «a.

O ora Recorrido tem receio dos conflitos que assolam o seu país de origem, segundo declarações do mesmo; b.

A posição do Recorrente em sede recurso nada traz de inovador aos autos; c.

Considerando as afirmações da ora Recorrido, são estes motivos suficientes para que lhe seja concedido o asilo que ora se requer, por razões humanitárias; d.

A decisão que anulou o acto praticado pelo SEF está correcta sendo confirmada pelo Recorrente no ponto 10 das suas alegações quando afirma que “em primeiro lugar, porque a audiência prévia não foi integralmente preterida”.

Nestes termos e nos mais de Direito, contando com o douto suprimento de V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, deve julgar-se improcedente o presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença proferida no âmbito dos presentes autos.» * A Digníssima Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso, pugnando pelo seu provimento, uma vez que, no seu entendimento, ocorre erro de julgamento.

Com efeito, sufraga a Digníssima o entendimento de que, uma vez aplicado o regime constante do Regulamento da (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, resulta que o Estado responsável pela apreciação do pedido de asilo é a Itália. Sendo assim, resta proferir decisão de inadmissibilidade, de acordo com o art.º 19.º-A, n.º 1 da Lei do Asilo, e proceder à transferência do Recorrente para a Itália.

* Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

* Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar se a sentença a quo padece de erros de julgamento. Concretamente, as problemáticas a deslindar são a de apurar, tendo em conta que na situação vertente houve lugar à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, conducente à decisão de inadmissibilidade deste pedido e à decisão de transferência do Recorrido para Itália: i) se a decisão de inadmissibilidade do pedido e sequente transferência constitui um ato vinculado nos termos do regime do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho; II) se o Recorrente cumpriu adequadamente, ou não, o dever de ouvir o Recorrido no procedimento em causa; e iii) se ocorrem, em Itália, falhas sistémicas no procedimento de asilo ou nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo.

II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa: «A.

No dia 20.8.2019, o Requerente formulou um pedido de proteção internacional junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nos termos e para os efeitos do disposto na Lei n.º 27/2008, de 30 de julho, que foi autuado com o n.º ….., cfr. informação n.º ….., junta à p.i.; B.

Após a apresentação do pedido de proteção internacional por parte do Requerente, o SEF apurou a eventual existência de um pedido anterior que o Requerente teria feito à chegada a Itália, concretamente, em Milão, no dia 11.1.2018, cfr. fls. 3 do p.a.; C.

Às autoridades italianas foi requerida a retoma a cargo do requerente, em 2.9.2019, cfr. doc. junto ao p.a.; D.

O teor integral da entrevista realizada pelo R. e no qual o A. prestou declarações, em 29.8.2019, é o seguinte: (…) (…) (…) (cfr. fls. 29 e segts do p.a.).

E.

Aquando da prestação das declarações transcritas, o A. não foi expressamente confrontado com a provável inadmissibilidade do seu pedido e com a possibilidade de ser transferido para Itália, cfr. fls. 29 a 37 do p.a.; F.

Perante o silêncio de Itália, o GAR concluiu pela aceitação do pedido de retoma, considerando aquele Estado o responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo A., propondo, assim, a transferência deste (cfr. doc. junto ao p.a.); G.

No pedido de proteção internacional atrás referenciado foi proferida decisão pela Sra. Diretora Nacional do SEF, datada de 17.9.2019, que considerou inadmissível o pedido formulado e ordenou a transferência do Requerente e do processo para Itália, cf. decisão junta à p.i. que se transcreve: H.

A mencionada decisão foi tomada na sequência da elaboração da informação dos serviços junta com a p.i. e que se dá por inteiramente reproduzida; I.

O A. não foi notificado da informação mencionada no ponto anterior, nomeadamente, para se pronunciar sobre a provável inadmissibilidade do seu pedido e a possibilidade de ser transferido para Itália, cfr. processo virtual; J.

Em 19.9.2019, o A. foi notificado da decisão proferida pela Senhora Diretora Nacional SEF que, com base na Informação do GAR, considerou inadmissível o pedido de protecção internacional e determinou a sua transferência para Itália, cfr. fls. 54 do p.a.; Factos não provados: Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação: A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos aos autos e ao p.a., referidos a cada alínea do probatório.» III- APRECIAÇÃO DO RECURSO O Recorrido, T….., propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente ação administrativa de natureza urgente, demandando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Ministério da Administração Interna, de modo a, em suma, obter a anulação do ato administrativo que considerou inadmissível o pedido de asilo apresentado no Gabinete de Asilo e Refugiados e, em consequência, determinou a sua retoma a cargo para Itália, bem como que lhe seja concedido asilo ou proteção subsidiária.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a ação procedente e anulou o ato proferido em 17/09/2019 pelo Recorrente.

Discorda o Recorrente do julgado na Instância a quo, invocando a ocorrência de erros de julgamento, pois que, no seu entendimento, foi adequadamente cumprido o dever de audiência prévia da Recorrida, nos termos estabelecidos no Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26 de junho. Além do mais, defende o Recorrente que aquele preceito de direito europeu não estabelece qualquer exigência de audiência prévia em moldes do descrito no art.º 17.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio (doravante, apenas Lei do Asilo) nas situações em que se imponha a prolação de uma decisão de inadmissibilidade do pedido por dever ser concretizado um procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, nos termos do art.º 36.º da Lei do Asilo.

Vejamos, então, se assiste razão ao Recorrente.

A primeira questão a dilucidar é a de saber se a sentença a quo realizou um julgamento incorreto, o que passa por apreciar se, no caso concreto, cumpria desenvolver um momento...

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