Acórdão nº 1048/19.7T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | ANIZABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: *I. Relatório: Este Incidente de qualificação da Insolvência é processado por apenso aos autos de insolvência da sociedade M. F., Unipessoal, Limitada.
No âmbito do incidente a Exma. Sra. Administradora de Insolvência e o Ministério Público pugnam pela qualificação como culposa de tal insolvência, bem como pela afectação dessa qualificação o sócio e gerente M. F., defendendo ainda o Ministério Público que deve ser também afectada pela qualificação a mãe daquele, E. F., enquanto gerente de facto.
A Sociedade Requerida e os Requeridos M. F. e E. F. foram notificados/citados, tendo o gerente de direito, M. F. deduzido oposição ao presente incidente de qualificação de insolvência.
Assim, alega em síntese, que nunca exerceu a gerência de facto da empresa insolvente, a qual era exercida pela sua mãe, sendo que era esta a responsável, nunca contratou trabalhadoras, nunca deu ordens aos mesmos, não negociou com fornecedores e nem com clientes, nunca foi responsável pela organização da escrituração ou documentação da aludida firma, nem nunca teve a incumbência de efectuar pagamentos ao Estado, pelo que nenhuma responsabilidade lhe poderá ser imputada pelo pagamento de quaisquer dívidas ao Estado.
Alega ainda que desconhecia a existência de qualquer dívida aquando do encerramento da empresa, levado a cabo pela mãe, tendo tido conhecimento da existência de dividas quando foi notificado pela segurança Social e pelas Finanças para proceder aos seus pagamentos e tendo verificado o valor global da dívida, apresentou a empresa do qual foi gerente de direito à insolvência, e até inícios de 2019 desconhecia totalmente a existência de quaisquer dividas, atendendo que toda a documentação estava sobre a responsabilidade da sua mãe, daí que não se tenha apresentado à insolvência na data referida pela Sr.ª Administradora de Insolvência.
Conclui ser evidente que não teve qualquer culpa nem dolo na situação de insolvência dos presentes autos e quanto a si deve ser declarada fortuita, com as legais consequências.
Notificada da oposição deduzida, mediante requerimento junto aos autos a 03/07/2019, a Sr.(a) Administrador (a) de Insolvência respondeu à mesma mantendo todo o vertido no seu parecer (cfr. fls. 60 a 62).
Com vista nos autos a Digna Magistrada do Ministério Público aderiu à posição expressa pela Sr.(a) Administrador (a) de Insolvência (cfr. fls. 66).
*Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal.
*Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “- Qualifica-se como culposa a insolvência de M. F., Unipessoal, Lda.
- Considera-se afectada pela qualificação culposa a gerente de facto E. F..
- Declara-se E. F., pelo período de três anos, inibida para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa ou administração de património alheio.
- Determina-se a perda de quaisquer créditos de E. F. sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-a na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
- Condena-se a afectada pela qualificação E. F. a indemnizar os credores no montante global dos créditos reclamados e reconhecidos pela Sr(a). Administrador(a) de Insolvência e que ascende à quantia de € 37.396,20.
- Absolve-se o Requerido M. F. do pedido contra o mesmo formulado nestes autos.
Proceda ao registo da inibição na Conservatória do Registo Civil - artigo 189º, nº. 3, do C.I.R.E.
Custas em partes iguais pela Insolvente e pela Requerida E. F..
”*Inconformada com a decisão a respeito da absolvição do requerido M. F.
, veio a Digna Magistrada do MP interpor recurso, e formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1 – O único sócio e gerente M. F. foi quem em 2013, constituiu a ora insolvente “M. F. Unipessoal, Ldª, e até à insolvência desta, foi sempre o único sócio e gerente; 2 – Apesar de, a nosso ver, os factos dados como provados, em que a Mmª Juiz 2 a quo”, se baseia para concluir que tal sócio e gerente, nunca exercer a gerência de facto da insolvente, mas sim a sua mãe, serem meramente conclusivos ou pelo menos, em grande parte conclusivos, e não provarem que o sócio e gerente M. F., também ele não exerceu a gerência de factos e não apenas de direito.
3 – sempre o M. F., na qualidade de único sócio e gerente, mesmo que apenas de direito, deve ser afetado na qualificação da insolvência como culposa, pois sobre ele impendiam os especiais deveres de vigilância e controle da insolvente, nomeadamente, a obrigação de manter contabilidade organizada, a obrigação de elaborar as contas anuais no prazo legal, de as submeter á devida fiscalização e o dever de se informar e controlar sobre a vida da sociedade, a sua situação económico – financeira e o dever de se apresentar à insolvência.
4 – O referido sócio gerente nada disso fez, teve um comportamento absolutamente omissivo, revelando um desinteresse total pela empresa de que era o único sócio e gerente, não organizando qualquer escrita, nem se interessando por tal, não elaborando contas, não procurando informar – se e saber sobre a real situação económico financeira da insolvente.
5 – Tal conduta, atento os especiais deveres legais que sobre o M. F. impendiam, revela da sua parte uma culpa muito grave, absolutamente omissiva, a revelar quase uma conduta intencional.
6 – Devia, por isso, o referido sócio e gerente, M. F., na qualificação da insolvência como culposa.
7- Ao não decidir, assim, na douta sentença recorrida, a Mmª Juiz “ a quo” violou, entre outros, os artigos 6º, nº 1 e 2, e 186º, n1 e 2, alínea h) e nº 3, alíneas a) e b), todos do CIRE.
Deve, assim, o recurso interposto ser julgado procedente por provado e, consequentemente, a douta sentença recorrida, na parte em que absolve o M. F., ser revogada e substituída por outra que o condene como sócio e gerente, afetando – o na qualificação da insolvência como culposa.”*Não foram apresentadas contra-alegações.
*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber: 1. Da impugnação da matéria de facto (nomeadamente da utilidade do seu conhecimento).
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Da reapreciação da matéria de direito, no sentido de se considerar se os administradores de direito que não são administradores de facto podem ser declarados afetados pela qualificação.
*III. Fundamentação de facto.
Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: 1. A sociedade M. F., Unipessoal, Lda., constituiu-se como sociedade unipessoal por quotas, de responsabilidade limitada, em 21 de Maio de 2013, tendo como objecto social o comércio de artigos de vestuário, calçado, malas e acessórios de moda, tal como resulta da certidão permanente junta a fls. 82-83 deste apenso e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido.
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A sociedade tinha como único sócio à data da sua constituição, M. F., o qual era possuidor de uma quota no valor nominal de cinco mil euros, tal como resulta da certidão supra referida.
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O capital social é no montante de € 5.000,0.0 (Cinco mil euros), correspondente ao valor da quota referida no número...
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