Acórdão nº 15/18.2BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução07 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão 1. Relatório 1.1. A Companhia U..., S.A. veio, ao abrigo do preceituado no artigo 27º, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº486/2017-T que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral que apresentou contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2008, no valor de 11.740,23€

1.2. No articulado inicial, a Impugnante expôs a sua pretensão, nos seguintes termos: «A - DO OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO 1°A Autora havia apresentado pedido de revisão oficiosa de ato tributário de liquidação de IRC relativo ao exercício fiscal de 2008. 2°Após audição prévia, a AT indeferiu o pedido de revisão oficiosa, nos termos e com os fundamentos da informação dos serviços sobre a qual recaiu o despacho respetivo. 3°A Autora impugnou junto do Tribunal Arbitral do CAAD o referido ato pedindo que o mesmo fosse declarado ilegal. 4°Veio o Tribunal Arbitral decidir, por sentença de 01.02.2018, pela total improcedência do pedido. B - A QUESTÃO DE FUNDO/MÉRITO 5°A A. desenvolve a atividade de prestamista, regulada pelo Decreto-Lei n°365/99, de 17 de setembro, atividade que consiste, de acordo com o disposto no n°2 do art.1° do DL n°365/99, no exercício por pessoa singular ou coletiva da atividade de mútuo garantido por penhor. 6°O art.32°/1, do DL 365/99 determina a obrigatoriedade de o prestamista indemnizar o mutuário «[e]m caso de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas dadas em penhor». 7°Nos termos do art.33°/1, a responsabilidade de indemnizar «é obrigatoriamente transferida para uma companhia seguradora». 8°Face à natureza da atividade prestamista, que implica uma elevada velocidade de circulação dos bens, é impossível determinar com exatidão o valor dos montantes a segurar, isto é, em cada momento o valor dos bens segurados pode ser superior ou inferior ao valor dos bens na posse do prestamista a título de garantia dos mútuos concedidos. 9ºPode, portanto, suceder que, no momento em que ocorra um evento cujo risco se encontre segurado, o valor do seguro seja inferior ao valor dos bens perdidos, extraviados, furtados, roubados ou destruídos. E essa discrepância pode não ser previsível no momento em que é feito o seguro. 10°Tendo essa situação em mente a lei determinou (art.33°/2, do DL 365/99) a obrigatoriedade de um valor mínimo de seguro, cujo critério é o que resultar da média das avaliações feitas no ano anterior, critério que também está estabelecido na Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil do Prestamista. 11°O facto é que a A. tem cumprido com as obrigações legais de transferência do risco. Fê-lo também quanto ao ano de 2008. E fê-lo por valores muito acima do exigível por lei (média das avaliações do ano anterior), como se demonstra pelos documentos 1 e 2 em anexo à Reclamação Graciosa/convolada em Pedido de Revisão Oficiosa do Ato Tributário, constante do processo instrutor. 12°Ou seja, o valor segurado era normalmente feito multiplicando por 4 o valor das avaliações das existências e acrescendo 50%. Basta comparar também a atualização de um ano para o outro para verificar que a A. não só cumpria com o mínimo imposto por lei, como o excedia largamente. 13°No ano de 2008, a A. foi vítima de dois furtos, devidamente comprovados - em 14/4/2008 (na sede) e em 29/12/2008. Foi ainda vítima de novo furto em 7/5/2009 (na filial 6), fatos incontestados pela AT. 14°O valor total das indemnizações a pagar aos mutuários, relativamente aos furtos ocorridos em 2008 eram de €19.273.585,43. O valor coberto pelo seguro era de €14.132.588,05. A Requerente assumiu parte do valor seguro a título de franquia, no total de € 1.623.217,52. 15°A seguradora pagou a indemnização no valor de € 12.509.370,53. A A. pagou a diferença em falta, ou seja, €5.141.001,38 acrescido da franquia, o que resultou num encargo de € 6.764.218,9. 16°Na declaração modelo 22, no campo 7, n° 213, relativa ao exercício de 2008, a A. inscreveu a verba de € 5.084,036,47. 17°Na sequência de inspeção tributária foi pela AT comunicada à ora A. a falta de liquidação e pagamento de imposto de IRC relativo ao exercício de 2008. 18°Feitas as correcções respetivas (foram corrigidos os impostos declarando-se em falta EUR 3.926,05), bem como as demonstrações de acerto de contas, liquidação de juros e demonstração de liquidação, resultou a final um valor de IRC a suportar pela A. de EUR 11.740,35. 19°Na verdade, a liquidação do imposto teve por base um preenchimento equivocado da parte da A. do modelo 22, campo 7. N° 213. 20°O equívoco esteve em ter a A. assinalado como «custos não dedutíveis» as verbas pagas aos clientes a título de indemnização, para efeitos do art.42°/1, al. e, do CIRC, quando tal entendimento é contrário à lei e à sua correta interpretação. 21ºNo entanto a A. pagou os impostos indevidamente liquidados. 22°Uma vez que o pagamento do imposto não significa qualquer aceitação do ato, porque estamos perante o direito indisponível à impugnação (cf. Saldanha Sanches, Anotação ao acórdão do STA de 21.04.1993, FISCO 69), porque prevalece a substância sobre a forma, e porque o Estado não pode locupletar-se à custa alheia, por tudo isso a A. reclamou graciosamente e pediu, depois a convolação da reclamação no presente pedido de revisão oficiosa de ato tributário. 23°Em síntese, a AT considerou que estando o SP prestamista obrigado a transferir o risco para uma seguradora, tal risco é, deste modo, "segurável", devendo sê-lo na sua totalidade, pelo que se enquadra na previsão do art.46°/1, al. e), do CIRC, não sendo dedutível como custo fiscal. 24°Tendo por base informação vinculativa solicitada pela ora A. e 2009, bem como as informações que serviram de fundamento ao ato tributário impugnado, são três as razões apresentadas para o indeferimento: (1) O roubo de objetos não é «atividade normal da empresa», pelo que não pode ser considerado «custo indispensável para a realização dos rendimentos»; (2) A semelhança com a situação sobre que recaiu o parecer 2/2007, do Centro de Estudos Fiscais, sancionado superiormente, segundo o qual: «não são aceites como custos ou perdas para efeitos de determinação do lucro tributável os valores das indemnizações pagas aos clientes atingidos pelo desvio de fundos depositados no Banco, na parte não abrangida pelo seguro»; (3) Não se conseguir provar que na situação dos valores não cobertos por seguro se está perante «um bem de risco não segurável». 25°A A. impugnou a decisão da AT junto do tribunal arbitral, nos termos constantes da respectiva petição inicial que consta em anexo à presente impugnação e para onde se remete, prescindindo de expor ou sintetizar os seus termos neste lugar, uma vez que se trata aqui tão-somente de demonstrar a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença arbitral. C - DOS VÍCIOS DA DECISÃO IMPUGNADA26°A presente impugnação tem, como referido, como fundamento a existência na sentença do vício previsto na alínea b), do n° l do artigo 28° do RJAT, ou seja, a oposição dos fundamentos com a decisão, como se demonstra de seguida. 1ªOposição 27° Em 6/6.2. e 12/12.3 da sentença arbitral dá-se como assente que: «Os mutuários e lesados, são por lei obrigatoriamente indemnizados em caso de furto, sendo que o valor das indemnizações é calculado nos termos do artigo 32° n°2 do Decreto-Lei n°365/99 de 17 de Setembro.» 28°Na sua apreciação jurídica, a sentença impugnada, no seu parágrafo 35, aceita e transcreve a disposição legal do n°1 do artigo 32° do DL 365/99, segundo a qual «1- Em caso de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas dadas em penhor, fica o prestamista obrigado a indemnizar o mutuário.» 29°Em 36/ 36.1 da sentença arbitral, considera-se «evidente» que (sublinhado da A.): «36.1. O prestamista tem a obrigação de indemnizar, em caso de furto, e essa obrigação é transferida na totalidade para uma companhia seguradora.» 30°Porém, em clara contradição, a decisão impugnada refere no seu parágrafo 38, em sede de interpreção/aplicação do Direito: «Alias, a própria lei, não contempla o pagamento de qualquer indeminização a título de caso de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas dadas em penhor seja feita pelo prestamista.» 31°Existe, pois, aqui uma clara oposição entre o fundamento - matéria dada como assente -, segundo o qual o prestamista é obrigado a indemnizar o mutuário em caso de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas dadas em penhor e a interpretação jurídica que suporta a decisão, se segundo a qual «a própria lei não contempla» tal obrigação pelo prestamista. 32°Trata-se de uma contradição essencial, porque é baseada na interpretação feita em 38 que a sentença arbitral constrói a sua interpetação segundo a qual, em síntese, não havendo obrigação de o prestamista indemnizar, a fim de o mutuário ser indemnizado, existe a obrigação de o prestamista transferir para uma seguradora, na totalidade, os riscos de mútuo com penhor a fim de garantir-se a norma referida em 6.2 da decisão em apreço. 2ª Oposição33°Relacionada com a anterior, e no seguimento da mesma, a sentença incorre num outro vício de oposição da decisão com os fundamentos. Assim, 34°Em 36/3.6.1 e 36.2. da sentença diz-se, com sublinhado da A.: «Conforme se pode verificar, dos artigos supra transcritos, resulta evidente o seguinte: 36.1. O prestamista tem a obrigação de indemnizar, em caso de furto, e essa obrigação é transferida na totalidade para uma companhia seguradora. 36.2. A seguradora tem a responsabilidade de indemnizar, em caso de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas;» 35°Já, porém, no seu parágrafo 35, aceita e transcreve a disposição legal do n°1 do artigo 33° do DL 365/99, segundo a qual, com acentuação da própria sentença...

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