Acórdão nº 00824/11.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte: I. RELATÓRIO 1.1. P., S.A.

, ambas com sede na Rua (…), (…), intentaram ação administrativa especial contra o INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, com sede no Parque (…) (…), pedindo que seja determinada (i) a anulação dos atos praticados pelo R., consubstanciados, respetivamente, no cancelamento do alvará n.º 3464, datado de 17/03/2009, atribuído para funcionamento da Farmácia e no subsequente encerramento da mesma, (ii) a anulação do ato praticado pelo R. de declaração de extinção, por inutilidade superveniente, do procedimento de transferência da Farmácia S., (iii) a condenação do R. ao averbamento no alvará da Farmácia S. da transmissão das participações sociais representativas do capital social da A. P., S.A., (iv) a condenação do R. ao averbamento no alvará da Farmácia S. da transferência de localização da mesma farmácia e (v) a condenação do R. a reparar os danos provocados às AA. em consequência da prática dos atos administrativos ilegais acima mencionados e da omissão das condutas a que se achava legalmente vinculado.

Alegaram, para o efeito, em síntese, quanto ao ato que determinou o cancelamento do alvará e o encerramento da Farmácia S., que o mesmo viola o disposto nos artigos 14.º, n.º 2, e 15.º do atual regime jurídico da farmácia de oficina (aprovado pelo Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08 – doravante RJFO), porquanto a Autora/P., S.A. provou, não só que não ultrapassa o limite legal de farmácias imposto por lei, como que a circunstância de haver sociedades em relação de domínio consigo cujas ações são escriturais ao portador não impede que se controle o respeito pelo dito limite legal.

Mais alegaram que o ato em crise viola o artigo 16.º, alíneas b), d) e e), conjugado com o artigo 17.º, do RJFO, uma vez que não se verifica qualquer situação de incompatibilidade relativamente às entidades que participam no capital do grupo societário em que as Autoras se inserem. Defenderam, ainda, que aquele ato viola o art.º 53.º do RJFO, bem como os artigos 5.º, n.º 2, e 6.º-A do anterior CPA, pois que a sua atuação nunca determinaria o cancelamento do alvará e o subsequente encerramento da Farmácia S., mas unicamente a nulidade do negócio da compra e venda das participações sociais da Autora/P., S.A..

O ato em causa viola os princípios da boa fé e da proporcionalidade e incorre no vício de forma por falta de fundamentação.

Quanto ao ato que determina a extinção do procedimento de transferência da localização da Farmácia S., alegam que o mesmo viola o disposto nos artigos 23.º e seguintes da Portaria n.º 1430/2007, de 02/11, porquanto não se descortina na legislação aplicável qualquer fundamento para o não averbamento da transferência da localização da farmácia, cumpridos que estão todos os requisitos legais e regulamentares.

Aduziram ainda que que a atuação ilegal do R. lhes causou avultados e graves prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, estando preenchidos os pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do R..

1.2.

Regularmente citado, o R. apresentou contestação, defendendo-se por impugnação, alegando, em suma, que não se verifica nenhum dos vícios assacados pelas Autoras aos atos impugnados, o que determina a sua validade e a improcedência de todo o peticionado.

1.3.

Foi proferido despacho saneador, no qual se determinou que a instrução relativa ao pedido deduzido sob a alínea e) da parte final da petição inicial fosse diferida para momento posterior ao da apresentação das alegações escritas.

1.4.

Em 22.10.2015, o TAF do Porto proferiu sentença, que julgou a presente ação totalmente improcedente, constando a mesma do seguinte segmento decisório: «Pelo exposto, julga-se improcedente a presente ação administrativa especial e, em consequência, absolve-se o R. dos pedidos».

1.5.

Inconformadas com esta decisão, as Autoras interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que seja concedido provimento ao recurso e que a decisão recorrida seja revogada.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma: « a) O actual regime jurídico-administrativo da farmácia de oficina, constante do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, assume, tanto no plano dos princípios, como das regras, um carácter indiscutivelmente inovador quando confrontado com a teleologia dos preceitos contemplados na Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, e no Decreto-Lei n.º 48 547, de 27 de Agosto de 1968, que corporizavam o regime jurídico antecedente.

b) Entre aqueles princípios assume especial relevância o princípio do livre acesso ou da liberdade de acesso à propriedade de farmácia de oficina, sendo esta concebida como uma empresa na qual se exerce uma actividade empresarial vocacionada para a produção de bens e serviços ao público.

c) Aquele princípio estruturante do novo regime da farmácia de oficina congrega ou concretiza-se num conjunto de (sub)princípios irradiantes, irredutivelmente presentes numa ordem económica constitucionalmente concebida à luz das regras do mercado e da concorrência, como seja a liberdade de empresa e de iniciativa económica, a liberdade de aquisição e de transmissão de farmácias por qualquer modo e a liberdade de acesso de todos a este sector do mercado.

d) Como decorrência directa do mencionado princípio, hoje todas as pessoas singulares e todas as sociedades comerciais, independentemente de qualquer obrigatoriedade de a pessoa singular ou dos sócios serem titulares do grau habilitante de farmacêutico, podem aceder à propriedade da farmácia de oficina; circunstância que exprime a universalização do acesso a este sector económico ou de mercado, pondo fim ao regime monopolístico anterior.

e) Fazendo apelo o princípio da liberdade de acesso à propriedade de farmácia a (outras) liberdades constitucionais fundamentais, maxime a liberdade de iniciativa económica, esta, enquanto liberdade fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, impõe que lhe seja aplicado o regime específico próprio destes, em especial quanto aos limites às restrições legislativas. É neste contexto que deve ser entendido o limite legal ao número de farmácias de que uma pessoa singular ou sociedade comercial pode ser proprietária, exploradora ou gestora (quatro farmácias, em simultâneo, por cada proprietário).

f) Foi com base nos limites às restrições de direitos, liberdades e garantias que o legislador pautou a sua opção restritiva no que respeita à consagração legal do limite numérico de quatro farmácias por qualquer pessoa singular ou sociedade comercial que já seja ou pretenda ser proprietário (explorador ou gestor), directo ou indirecto, de farmácias. O respeito pelo princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso permitiu ao legislador atingir uma posição de equilíbrio entre a liberdade de acesso à propriedade de farmácias e o acautelamento de possíveis “tentações” de oligopólio.

g) Para alcançar aquele objectivo de equilíbrio ou de concordância entre liberdades constitucionais fundamentais e a necessidade de salvaguarda de outros bens constitucionalmente protegidos, o legislador, para além do referido limite numérico de farmácias de que se pode ser proprietário, impôs, no caso de o proprietário ser uma sociedade comercial, que o respectivo capital social seja representado por acções nominativas, em ordem a facilitar o conhecimento imediato de eventuais sociedades accionistas que sejam titulares de um direito de propriedade indirecta sobre a farmácia, por se encontrarem numa relação de domínio ou de grupo com aquela sociedade, proprietária directa da empresa farmacêutica.

h) O legislador pretende impor o requisito da nominatividade tão só e apenas às sociedades comerciais por acções proprietárias directas de farmácias e não estender ad infinitum esse «ónus» a todas as outras sociedades comerciais cujo capital social se encontre titulado por acções e que, eventualmente, possam manter com aquela sociedade comercial uma relação de domínio ou de grupo e, por essa razão, sejam proprietárias indirectas das mesmas. Com isto não se quer dizer que seja irrelevante a existência efectiva de uma cascata («cadeia poligonal») de relações societárias em que pode resultar a teia de relações de domínio ou de grupo para efeitos de determinação da propriedade indirecta de uma farmácia e da verificação do limite legal de quatro farmácias por proprietário; o que não se aceita é que, para se atingir um tal objectivo de conhecimento imediato de todas as sociedades proprietárias indirectas de uma farmácia, nomeadamente por via do exercício de um influência dominante, detida directamente por uma sociedade comercial por acções, o legislador tivesse feito impender, em «cascata», o «ónus» da nominatividade sobre todas elas.

i) Estender a obrigatoriedade de acções nominativas a todas as sociedades proprietárias indirectas de farmácias, para além dos custos financeiros e burocráticos inerentes, significaria estabelecer uma restrição inquestionavelmente desproporcionada aos princípios do livre acesso à propriedade de farmácia a sociedades comerciais cujo capital se encontrasse representado por acções, a começar, desde logo, pelo direito de aquisição da empresa.

j) Nestes termos, a exigência de nominatividade das acções, à partida concebida como um simples condicionalismo formal, destinado a proporcionar ou a facilitar à Administração o conhecimento das eventuais sociedades comercias proprietárias indirectas de uma farmácia, para efeitos de cômputo do limite numérico de quatro farmácias, redundaria numa restrição desnecessária e desproporcionada ou, mesmo, lesiva do núcleo essencial dos direitos ou liberdades fundamentais de iniciativa económica e propriedade privadas, constitucionalmente consagradas, bem como num manifesto atentado às liberdades comunitárias/europeias de empresa, de mercado e de concorrência.

k) Considerando que a exigência legal de nominatividade tem...

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