Acórdão nº 02164/16.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A., residente na Avenida (…), (…), instaurou contra o Ministério da Defesa Nacional, sito na Avenida (…), (…), acção administrativa “DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO E CONSEQUENTE ANULAÇÃO DE ATO”, tendo formulado o seguinte pedido: -ser o R. condenado na prática de ato administrativo devido em que se qualifique o A. como deficiente das Forças Armadas; -ser anulado o despacho de 8 de agosto de 2016 do Diretor Geral de Recursos da Defesa Nacional, no uso dos poderes delegados do Secretário de Estado Defesa Nacional.

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor concluiu: 1.O Tribunal a quo dispensou a realização de audiência prévia e de audiência de julgamento, proferindo saneador-sentença.

  1. O Tribunal a quo não deu ao Rec.te a possibilidade de se pronunciar quanto a tal dispensa, dado que foi notificado dela aquando ao saneador-sentença, o que consubstancia uma nulidade processual.

  2. O caso sub judice não se circunscreve a matéria de Direito.

  3. A matéria de facto merecia ser alvo de uma melhor apreciação que permitisse a boa decisão da causa. Todavia, o Tribunal não mandou produzir a prova indicada.

  4. Tendo o Rec.te alegado factos que não devam considerar-se provados, está o Tribunal impossibilitado de conhecer do mérito da causa.

  5. Salvo o devido respeito, o Tribunal violou o disposto no artigo 91º nº 1 do CPTA que estabelece a obrigatoriedade da realização de audiência final de julgamento quando apresentada prova testemunhal.

  6. Tal constitui vício que determina a nulidade da decisão.

  7. O Tribunal não se pronunciou quanto aos sucessivos requerimentos apresentados pelo Rec.te.

  8. Repare-se, os autos não mereceram qualquer movimentação processual por parte do digno Tribunal desde 10 de março de 2017, e volvidos sete dias a contar do requerimento apresentado pelo Rec.te, pedindo fosse emitida certidão para efeitos judiciais e remessa ao Conselho Superior de Magistratura, foi proferida a decisão da qual se recorre.

  9. Ora, salvo o devido respeito, parece haver aqui uma sequência lógica de atos, que potenciou a decisão tomada pelo Tribunal a quo, 11. o que, a ter acontecido, não pode deixar de merecer censura.

    TERMOS EM QUE pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que será suprido, deve ao presente recurso ser dado provimento, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedentes as arguidas exceções, assim se fazendo JUSTIÇA! O Réu juntou contra-alegações, concluindo: A. A sentença ora posta em crise negou provimento à ação administrativa intentada pelo Recorrente, tendo julgado a mesma totalmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu o R. dos pedidos formulados na p.i.

    1. A matéria sobre a qual foi proferida a sentença ora posta em crise, assenta no facto de a doença diagnosticada ao requerente não poder ser relacionada com o “serviço de campanha”, pelo que não se encontra preenchido um dos requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, o que, por si só, impede a qualificação do interessado como DFA, em virtude de a qualificação como DFA depender da verificação cumulativa dos pressupostos e requisitos previstos nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.

    2. Por outro lado, o ora Recorrente defende que “com a Lei 46/99, pretendeu o legislador alargar a qualificação de deficiente das forças armadas aos casos de stress pós-traumático de guerra, independentemente da verificação dos requisitos referidos no n.º 2 do artigo 1º do DL 43/76.” – cfr. artigo 21.º da p.i”.

    3. A qualificação como deficiente das Forças Armadas não opera para todos aqueles que, chamados a cumprir o serviço militar obrigatório nas ex-Províncias Ultramarinas, se deficientaram, contraíram e/ou agravaram doenças em virtude do serviço prestado, os quais, desde logo, se encontram abrangidos pelo regime jurídico relativo à proteção dos acidentes em serviço ou doenças profissionais, mas apenas para aqueles em que tais deficiências ou doenças foram adquiridas ou contraídas em circunstâncias particularmente penosas e/ou traumatizantes.

    4. Nesse sentido, veja-se o Acórdão de 24 de maio de 2007 do Tribunal Central Administrativo Sul, segundo o qual “A qualificação como DFA exige que a doença, fonte de incapacidade, tenha sido contraída em serviço de campanha ou situação equiparada, nos termos fixados no D.L. n.º 43/76, não bastando que a fonte da doença radique na simples prestação do serviço militar”.

    5. Também assim entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 8 de fevereiro de 1994 no Processo n.º 31398: “não é espírito do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, premiar aquilo que é tão só o exercício regular da função, o seu desiderato é o reconhecimento de situações verdadeiramente excepcionais de perigo”.

    6. Tratando-se de doença do foro psíquico, verificamos que o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, número que foi aditado pela Lei n.º 46/99, de 16 de junho, veio possibilitar a atribuição do estatuto de DFA às vítimas de stress pós-traumático de guerra.

    7. Como resulta claro do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de setembro de 2008 (Processo n.º 0265/08) “IV - Na medida em que a previsão desse n.º 3 se apresenta enunciada «para efeitos do número anterior», deve ver-se esse n.º 3 como continuador e receptício do n.º 2, sendo aqueles «efeitos» os resultantes da interpretação e aplicação do «número anterior». V – Assim, a atribuição do estatuto de DFA às vítimas de «stress» de guerra exige que a sua «perturbação psicológica» resulte de «serviço de campanha» ou de alguma das outras situações que, nos termos do n.º 2 do referido art. 1.º, são equiparáveis a tal «serviço».” (no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 15.05.2003 no Proc. n.º 4459/00/RJ).

      I. Atente-se a outro Acórdão do mesmo Tribunal superior (Proc. n.º 01852/03, de 19.05.2005), na parte em que refere “que a filosofia do DL n.º 43/76 é, de acordo com a jurisprudência deste STA, significativamente restritiva e exigente, assentando na consideração de que o diploma pretende ‘exprimir a gratidão da Pátria por quem se sacrifica por ela em situações de serviço que, no caso dos militares, excedem em risco o que é próprio do comum das atividades castrenses’, e que o mesmo ‘contempla os actos de sacrifício pela Pátria, que ultrapassem os limites do mero cumprimento do dever militar. Não se compreenderia, assim – até por razões de unidade e coerência sistemáticas – que relativamente a outra doença, nomeadamente de ordem psíquica, e ainda que objeto de uma previsão específica, a filosofia do diploma fosse outra, menos exigente, permitindo a qualificação como DFA a partir da mera constatação de doença sofrida no exercício do serviço militar”.

    8. Na verdade, o único acidente traumático sofrido pelo A. e que ficou provado durante o processo, foi perfeitamente fortuito e deveu-se ao facto de uma frigideira com óleo a ferver se ter entornado sobre o seu corpo.

    9. Efetivamente, o acidente sofrido pelo A. na cozinha do aquartelamento foi o único dado como provado, tanto no relatório do Oficial Instrutor, como no Parecer da CPIP n.º 469/2015, que a final, acaba por atribuir nexo entre a doença e o cumprimento do Serviço Militar (cfr. a fls. 41, 42 e 268 do p.a.).

      L. De facto, se cruzarmos e analisarmos criticamente todos os elementos de prova constantes do processo, nomeadamente a “História do Pelotão de Reconhecimento Daimler N.º 3010”, que constitui um documento autêntico, poderemos concluir que, apesar do serviço militar cumprido em ambiente de guerra, “a moral manteve-se sempre boa, (…) como pode ser apreciada em todo o resumo cronológico.”, não havendo registo de qualquer envolvimento direto ou indireto em ações de combate por parte do ora Recorrente (cfr. a fls. 295 a 315 do p.a).

    10. Por outro lado, se trouxermos à colação o depoimento do ora Recorrente em Auto de Declarações datado de maio de 2004, segundo o qual “mais ou menos a meio da comissão começou a ter problemas psíquicos, tendo perdido a noção da idade das pessoas, a esquecer-se da fisionomia das pessoas e a não ter a noção da velocidade dos automóveis e começou a refugiar-se no álcool” (cfr. a fls. 261 a 263 do p.a., e artigo 12.º da p.i.), e o confrontarmos com o escriturado na sua folha de matricula, (outro documento autêntico), nomeadamente com a entrada de 1973 – março, onde se lê “Apto no Exame complementar de condução auto em 08MAR73” (cfr. a fls. 154 do p.a.), parece-nos pouco provável que, alguém nas condições psíquicas acima referidas conseguisse ultrapassar um exame de condução complementar (pois o A. já possuía a especialidade de condutor) a cerca de três meses de terminar a comissão e regressar à metrópole.

    11. No artigo 17.º da p.i., o ora Recorrente parece insurgir-se contra o facto de o seu processo ter demorado 16 anos a ser concluído, e com alguma razão diga-se, mas nada diz acerca do facto de ter demorado mais de 25 anos para requerer a eventual qualificação como DFA.

    12. O Recorrente baseia o seu pedido também no argumento de que “dos relatórios e pareceres resulta inequivocamente um diagnóstico concludente e um nexo de causalidade entre a doença e os fatores que a desencadearam” - cfr. artigo 31.º da p.i.

    13. Ora, os médicos psiquiatras elaboraram os relatórios médicos – diga-se, aliás, a pedido do próprio Recorrente, que os juntou ao requerimento inicial - com base nos relatos que o doente, ora Recorrente, lhes fez, uma vez que não cumpriram serviço militar com o Recorrente em Moçambique, razão pela qual os relatórios médicos não podem constituir prova dos factos descritos pelo próprio, ao contrário daquilo que este pretende (cfr. artigos 13.º e 31.º da p.i.).

    14. A este propósito, menciona o Relatório de observação psicológica que sobre ele foi elaborado: “Refere o início dos...

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