Acórdão nº 076/14.3BEAVR 01351/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelNEVES LEIT
Data da Resolução06 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1.

    A………… interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 17 maio 2016 que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos contra penhora de imóvel efectuada no processo de execução fiscal nº 0167201101004620 e apensos (SF S. João da Madeira) 1.2.

    O recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões: 1. A discordância da recorrente quanto ao decidido na douta sentença contende com a posição ou entendimento nesta perfilhado pelo Mmº Juiz a quo, subjacente à decisão nela tomada, quanto à natureza jurídica do "direito" do comodatário, in casu, da aqui recorrente; 2. A grande cisão, doutrinária e jurisprudencial, a esse nível, tem que ver com o reconhecer-se ao "direito" que para a esfera jurídica do comodatário resulta, ou seja, de que este é titular, por força do contrato de comodato, uma natureza jurídica de mero direito de "crédito" (direito de "crédito" que envolve o gozo de uma coisa) ou, ao invés, reconhecer-lhe a natureza jurídica de um direito real; 3. Nos termos do disposto no art° 1129º do Código Civil (diploma legal doravante designado apenas por C.C.) é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.

  2. Bem visto, o comodato distingue-se da locação essencialmente pela sua não onerosidade: o locatário recebe a coisa, devendo pagar a renda, ao passo que o comodatário nada paga, beneficiando, antes, neste caso, de uma liberalidade praticada pelo comodante - cfr. neste sentido Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, voI. 8, pág. 247, e Pires de Lima e Antunes de Varela, cit., VoI. II pp. 425-426.

  3. É possível decompor o conteúdo positivo do direito do comodatário nas seguintes faculdades: a) gozar a coisa - art°s 1129º, 1131° e 1135°, als. c) e d) do CC compreendendo o uso (art° 1133°, nº 1 do CC) e a fruição, quando exista convenção expressa nesse sentido (art° 1132° do CC); b) proporcionar a 3° o uso da coisa, quando o comodante o autorize (art° 1135°, al f); c) levantar as benfeitorias úteis e ser indemnizado das benfeitorias necessárias, nos termos da posse de má-fé (artº 1273° do CC), como manda o artº 1138°, nº 1 do CC; d) possuir a coisa (art° 1133°, nº 2 do CC) 6. Quanto ao conteúdo negativo do direito do comodatário, vale o disposto no art° 1135° do CC, nas suas 8 alíneas.

  4. Pelo comodato, o comodatário coloca-se, perante a coisa dada em comodato, numa situação especialmente vantajosa, pois beneficia das qualidades próprias desta em termos variáveis consoante o contratualmente acordado.

  5. Esse benefício que pode ir até à fruição é tutelado pela nossa ordem jurídica, pois há uma afetação jurídica de coisa corpórea.

  6. O comodatário, tem pois um direito pessoal de gozo sobre a coisa, confirmado pela atribuição da posse (artº 1133°, nº 2 do CC) 10. E tem um poder directo e imediato sobre a coisa; ele goza-a, usa-a e pode frui-la mercê da própria actividade, não podendo o comodante impedir ou restringir o uso da coisa pelo comodatário, que se assegura ele próprio desse uso – artº 1133° n° 1 do CC.

  7. A acrescer a isto temos, como corolário, que a posse atribuída ao comodatário pelo art° 1133°, n° 2 do CC e que, resultando da prática de actos materiais sobre uma coisa, é ela própria um direito real.

  8. E mais: o direito do comodatário é absoluto; enquanto subsistir é oponível "erga omnes", nomeadamente: ao comodante desde logo, mas também a terceiros estranhos; e ao terceiro adquirente de coisa cedida.

  9. A nossa ordem jurídica, ao contrário do que sucede noutras ordens jurídicas, atribui os meios possessórios ao comodatário, inclusive contra o próprio comodante; 14. E o comodante não pode reivindicar a sua coisa excepto se, pela resolução do contrato, por algum dos meios legalmente...

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