Acórdão nº 0101/14.8BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução06 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

***Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo, com sede em Lisboa; # I.

A……….., Lda., com os sinais dos autos, neste processo de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), recorre, jurisdicionalmente, da sentença produzida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, em 28 de setembro de 2018, que julgou “improcedente o … recurso de contra-ordenação, mantendo-se, em consequência, a decisão de aplicação de coima.”; sendo esta no montante de € 787,50.

Alegou e concluiu, nos seguintes termos: « A) Fundamenta o Tribunal a quo, no entender da Recorrente mal, que “não colhe o argumento de que o imposto apurado seria de € 20,07 o que, tendo em conta o disposto no artigo 111.º do CIRC, importaria a não cobrança de qualquer montante, uma vez que este normativo se aplica aos casos de liquidação efectuada pela AT (cf. artigos 109.º e 110.º do CIRC). Sendo que, a liquidação de IRC é feita, em regra, pelo próprio sujeito passivo, tratando-se de uma auto-liquidação.” B) Facto assente e não contestado é que o valor de imposto a liquidar seria sempre de € 20,07 (vinte euros e sete cêntimos), independentemente de quem emitia a liquidação.

  1. Prevê o artigo 111.º do CIRC “não há lugar a cobrança quando, em virtude da liquidação efectuada, a importância liquidada for inferior a € 25.” D) Não é possível retirar deste normativo que a expressão “liquidação” a que se refere no artigo 111.º diz apenas respeito às que são emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

  2. Esta questão não foi ainda debatida e estudada a nível dos tribunais de primeira instância, motivo pelo qual a decisão que incidir sobre o presente recurso é fundamental para uma melhor aplicação do direito.

  3. O artigo 111.º do CIRC está integrado na secção III (disposições comuns) do Capítulo VI (Pagamento). Quis o legislador estabelecer nesta secção as disposições comuns sobre o pagamento. São comuns quer ao Sujeito Passivo quer às Finanças e as especificações de cada um estão integradas em artigo próprio, veja-se, G) O artigo 109.º do CIRC refere-se à falta de pagamento de imposto autoliquidado. Neste artigo estatui-se as consequências da falta de pagamento do imposto autoliquidado, ou seja o Sujeito Passivo ao ter emitido a guia de autoliquidação e que não a pagou.

  4. No artigo imediatamente seguinte (110.º do CIRC), o legislador estabeleceu como deve o Sujeito Passivo pagar o imposto liquidado pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira.

  5. O segundo artigo das disposições comuns, devidamente integrado no código (CIRC), refere que quando o sujeito passivo não cumpre com a obrigação de pagamento (artigo 109.º do CIRC), então os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira notificam o Sujeito Passivo para pagar o imposto.

  6. Quis o legislador dizer que, quer por iniciativa do contribuinte quer por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, o limite para o qual não há lugar à cobrança do imposto. Por outras palavras, quis o legislador estabelecer um limite para o qual não há lugar à cobrança do imposto, independentemente se é liquidado pelos serviços da Administração Tributária ou se é auto-liquidado.

  7. Por exemplo, o Tribunal a quo teria mérito na decisão se constasse da norma a seguinte redacção ou semelhante: não há lugar a cobrança quando, em virtude de liquidação efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a importância liquidada for inferior a € 25.” MAS TAL EXPRESSÃO NÃO CONSTA DA REFERIDA NORMA.

  8. É indiferente se os € 20,17 não são recebidos por via da autoliquidação ou se não são recebidos por via de liquidação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

  9. Assim, esta questão é premente e carece de ser uniformizada para que futuramente não subsistam mais quaisquer dúvidas sobre esta matéria que é, a ver da Recorrente, clara mas que suscitam dúvidas no Tribunal a quo.

  10. Cumpre então realçar que, não estão reunidos os requisitos para que seja aplicada qualquer coima ao presente processo uma vez que: -A infracção não ocasiona qualquer prejuízo para a receita tributária, vide, (artigo 111.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas); - A falta cometida encontra-se regularizada; e, - A própria falta revela um diminuto grau de culpa.

  11. A Recorrente regularizou a situação tributária mesmo antes da existência de qualquer processo.

  12. Termos em que, andou mal o Tribunal a quo ao aplicar o direito, designadamente ao interpretar a norma do artigo 111.º do CIRC e, consequentemente deverá considerar-se que não existiu prejuízo efectivo para a Administração (aliás, porque era impossível haver prejuízo).

  13. Considerando que não houve qualquer prejuízo para a receita fiscal e bem assim como, atendendo ao montante irrisório de imposto apurado (não sujeito a cobrança!) e a discrepância entre este e o valor da coima, deve dispensar a Recorrente da coima nos termos do artigo 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

  14. Por fim, cumpre ainda referir que a sentença recorrida e a conduta da administração viola o princípio da proporcionalidade noutra acepção, diversa da anteriormente exposta.

  15. É desproporcional a aplicação de uma coima no valor de € 787,50 (setecentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos) por um facto que o Estado declara, por via de lei, não lhe causar qualquer prejuízo (vide artigo 111.º do CIRC).

  16. Ora, se o Estado pretende não efectuar cobranças abaixo dos € 25,00 (vinte e cinco euros), então a aplicação de uma coima de valor superior a 300% do valor que era devido ao Estado (€ 20,07), manifesta-se excessivamente desproporcional.

  17. Motivo pelo qual, a Administração Tributária e a sentença recorrida violam, perigosamente, o princípio da proporcionalidade.

    Assim, nestes termos e nos demais de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deve julgar o presente recurso procedente por provada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT