Acórdão nº 024/08.0BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução06 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – Z………., S.A., com os sinais dos autos, vem, nos termos do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso excecional de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de Março de 2019, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa julgara improcedentes as impugnações judiciais por si deduzidas contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, considera a Recorrente verificar-se a violação de lei substantiva na interpretação dos artigos 19.º e 82.º do Código do IVA, colocando-se as seguintes questões: a. Saber se o disposto nos artigos 19.º e 82.º do Código do IVA permite a emissão de liquidações adicionais de IVA sem que tenha havido enriquecimento ilegítimo da Recorrente e sem que os reembolsos tenham sido previamente efetuados, e se esta interpretação é compatível com as Primeira e Sexta Diretivas do IVA, assim como com os princípios da neutralidade, segurança jurídica e da proporcionalidade; b. Saber se é admissível a limitação do direito à dedução do IVA em caso de indícios fortes de fraude fiscal a montante de um contribuinte como a Recorrente, considerando que esta não sabia nem tinha obrigação de saber que estava a participar numa fraude fiscal, e se essa limitação é compatível com a Sexta Diretiva do IVA e com o princípio da neutralidade; c. Saber se a ausência de margem de lucro, o facto de a Recorrente apenas fornecer serviços de apoio técnico ao Grupo, não conhecer os fornecedores e não dispor de uma estrutura alegadamente adequada significa que conhecia ou devia conhecer que participava numa fraude fiscal, e se essa interpretação é compatível com a Sexta Diretiva do IVA e com o princípio da neutralidade; d. Saber se, em caso de indícios fortes de fraude fiscal a montante de um contribuinte como a Recorrente, se impõe a este a demonstração de que as operações tituladas pela sua contabilidade efetivamente ocorreram nos termos aí definidos e, em caso afirmativo, se a circunstância de não ter sido efetuada essa demonstração obsta ao exercício do direito à dedução do IVA, quando se constate que este não sabia nem tinha obrigação de saber que estava a participar numa fraude fiscal, e se essa interpretação é compatível com a Sexta Diretiva do IVA e com o princípio da neutralidade.

2.ª Entende a Recorrente que resulta evidente a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no caso sub judice, impondo-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental; 3.ª No caso sub judice, a necessidade da revista para uma melhor aplicação do Direito assenta, desde logo, no facto de a questão ter a potencialidade de se repetir num número elevado de casos; 4.ª Com efeito, e desde logo, relativamente à questão da emissão das liquidações adicionais de IVA com referência a IVA alegadamente indevidamente deduzido, na pendência de pedidos de reembolso, sem que estes tenham sido efetuados, é evidente que na maior parte dos casos em que a administração tributária identifica uma situação de dedução indevida de IVA, está em causa um pedido de reembolso formulado pelo contribuinte, pelo que assume relevância a resposta a dar à questão de saber se esta pode emitir liquidações adicionais de IVA ou se lhe basta indeferir o reembolso, quando o contribuinte não tenha percecionado os montantes requeridos; 5.ª Também as questões que se prendem com a limitação do direito à dedução – particularmente no que se refere à questão de saber se recai sobre um contribuinte como a Recorrente o ónus da prova sobre a efetividade das operações e, em caso afirmativo, se a falta de demonstração dessa efetividade pode constituir uma limitação ao exercício do direito à dedução – são suscetíveis de se repetir em inúmeros casos, sendo conhecido o número de litígios que opõe a administração tributária aos contribuintes em matéria de direito à dedução do IVA, de que é exemplo, desde logo, a proliferação de acórdãos do TJUE sobre esta temática; 6.ª O juízo do TCAS padece, no entendimento da Recorrente, de erro ostensivo; 7.ª Relativamente à primeira questão em equação, porquanto o entendimento do Tribunal de que o ato tributário se pode ter por sanado oficiosamente, assenta na verificação de um pressuposto da emissão das liquidações adicionais que, mesmo a posteriori, não se verificou; 8.ª É que, de facto, mesmo tendo ocorrido a posteriori aquele reembolso, o montante em causa nunca foi percecionado pela Recorrente – mas imediatamente aplicado para compensação das dívidas em execução fiscal (cf. pontos 125 e 127 da factualidade dada como provada na sentença recorrida) – pelo que o pressuposto em que o Tribunal assenta a sanação oficiosa do ato tributário – qual seja, o facto de ter havido um reembolso e de o mesmo não se poder manter sem se incorrer no enriquecimento ilegítimo da Recorrente – não se verifica; 9.ª Este entendimento é, além do mais, contrário ao Direito Comunitário, na medida em que desconsidera o valor acrescentado relevante para efeitos de IVA; 10.ª Relativamente às demais questões em equação, o erro do Tribunal reside no facto de ter desconsiderado a circunstância de os indícios fortes de faturação falsa ocorrerem a montante da Recorrente e de a jurisprudência comunitária afastar a responsabilidade de uma empresa como a Recorrente mesmo que não tenha ficado demonstrado que as operações ocorreram; 11.ª Recorrendo aos ensinamentos dos recentes acórdãos Gábor Toth (Processo C-324/11), Bonik EOOD (C-285/11) e Maks Pen EOOD (C-18/13), constata-se que a circunstância de não ter sido possível apurar se as operações foram efetivamente praticadas ou de o serviço não ter sido efetivamente prestado não basta por si só para excluir o direito à dedução do IVA, quando não se demonstre que a empresa conhecia ou devia conhecer que participava numa fraude; 12.ª Assim, é juridicamente insustentável o juízo proferido pelo Tribunal recorrido por encerrar uma desconformidade com o Direito Comunitário; 13.ª Deste modo, é claramente necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para evitar que estas más interpretações se consolidem na ordem jurídica e que sejam aplicáveis em todas as situações; 14.ª No que se refere à relevância jurídica fundamental, que se manifesta, por um lado, na complexidade das operações jurídicas indispensáveis à resolução do caso e, por outro lado, na capacidade de expansão da controvérsia, impõe-se ao Tribunal a interpretação de um conjunto de preceitos, recorrendo aos vários elementos interpretativos das normas; 15.ª Não se trata, por conseguinte, de uma mera operação de interpretação de uma determinada norma jurídica, mas de um complexo de operações de subsunção jurídicas que, até à data e com o devido respeito, os tribunais superiores não efetuaram de forma completa e consistente; 16.ª De facto, atendendo aos conceitos em presença e às disposições normativas aplicáveis, é inequívoco para o Recorrente a existência de uma complexidade jurídica superior à comum que justifica a admissão do presente recurso de revista; 17.ª A complexidade da primeira questão em equação surge evidenciada pelo facto de se impor apreender a ratio do IVA para entender que não se impõe a emissão das liquidações adicionais nos casos em que pende um pedido de reembolso que nunca chegou a ser efetuado, conjugando esta ratio com as normas das Diretivas do IVA e os princípios que a norteiam; 18.ª A complexidade das demais questões em equação reside ao nível da difícil concatenação das limitações do exercício do direito à dedução do IVA com a prevenção e evitação da fraude fiscal, assim como das regras do ónus da prova que incide sobre a administração tributária e os contribuintes; 19.ª A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo afigura-se, assim, objetivamente útil para harmonização das disposições normativas nacionais com as Diretivas Comunitárias e com os princípios que as norteiam; 20.ª Para além disso, não vigora até esta data uma corrente uniforme de jurisprudência proferida pelos tribunais superiores quanto a estas questões; 21.ª Atendendo a que as questões em apreço têm passado e é suscetível de passar pela jurisprudência dos tribunais superiores, entende o Recorrente que é evidente a suscetibilidade de repetição da questão em casos futuros, em termos de expansão da controvérsia; 22.ª A decisão sobre as questões não é meramente teórica e tem inerentes efeitos práticos, com claro reflexo para o contribuinte; 23.ª A resposta à primeira questão permite clarificar qual deve ser a atuação da administração tributária (e, por conseguinte, a reação do contribuinte) em caso de dedução indevida de IVA sem que os reembolsos tenham sido previamente efetuados (uniformizando e disciplinando eventuais procedimentos da administração tributária e do contribuinte); 24.ª A resposta às demais questões relacionadas com a limitação do direito à dedução do IVA servirá de orientação futura para os casos em que, não conhecendo o contribuinte, nem tendo obrigação de conhecer, que participava numa fraude fiscal, sofre alguma limitação do direito à dedução por não ter evidenciado que as operações tituladas pela sua contabilidade efetivamente ocorreram 25.ª Atendendo a que estas são questões que, no entendimento do Recorrente, não se encontram resolvidas na jurisprudência, considera o Recorrente que o risco de persistirem e ocorrerem diversas situações deste tipo é bastante elevado; 26.ª É por forma a evitar esta situação com relevante impacto ao nível da situação tributária dos contribuintes que se impõe a revista; 27.ª A questão interpretativa coloca-se, assim, numa...

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