Acórdão nº 637/16.6T8VCT-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | CONCEI |
Data da Resolução | 07 de Maio de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
I – RELATÓRIO X, Resinas de …, Lda., Ré nos presentes autos, inconformada com o despacho que indeferiu o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, dele vem interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso é interposto sobre o despacho proferido pelo Tribunal “a quo” em 09.12.2019 com a referência 44784625, na parte em que indeferiu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pedida pela Apelante por requerimento de 16.10.2019 com a referência 33723726 (reforma de custas).
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A Apelante discorda, em absoluto, da posição do Tribunal de primeira instância, e entende que o seu requerimento foi tempestivo e merece deferimento.
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Perante a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, a Apelante tem de pagar, a título de remanescente de taxa de justiça, a quantia de € 53.448,00 (cinquenta e três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros).
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Conforme é dito no Acórdão desta Relação de 10.07.2019 (processo 797/12.5TVPRT-A.G2) “A aferição judicial da justeza do montante da taxa de justiça remanescente relativamente à “especificidade da situação” não está submetida ao princípio da instância (não tem que ser requerida pela parte, que assim não tem qualquer ónus atinente e, deste modo, não está sujeita a ver precludida a possibilidade da prática de um ato processual que lhe competisse praticar), constituindo antes, aliás ainda em decorrência de exigências constitucionais que o RCP claramente visou acautelar, um verdadeiro poder-dever do juiz (princípio da oficialidade)”.
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Para além de se tratar de um poder/dever do Juiz, é inequívoco que o Juiz decidirá melhor após a elaboração da conta, pois, nesse momento, fica a conhecer o valor exato dos montantes e causa e da sua eventual desproporcionalidade, injustiça e desadequação, que estão subjacentes à norma flexibilizadora consagrada no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
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Este preceito legal, que contém um comando dirigido ao juiz no sentido de, oficiosamente e em conformidade com os pressupostos legais, poder dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça a considerar na conta final, não impõe às partes que, antes da elaboração da conta, requeiram a sua dispensa sob pena de preclusão do seu direito, ou seja, não as impede de requerer a dispensa com a notificação da conta que, essa sim, fixa o valor a pagar.
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Em conformidade, o limite temporal para ser pedida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça corresponde àquele que legalmente é concedido à parte para liquidar voluntariamente o remanescente da taxa de justiça, ou seja, sendo a parte vencida, no prazo de 10 dias a contar da notificação da conta – artigo 31.º n.º 1 do RCP.
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No caso dos presentes autos, a Apelante requereu a dispensa no prazo de 10 dias a contar da notificação da conta, tendo-o feito, portanto, tempestivamente.
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Em face do disposto no artigo 193.º n.º 3 do CPC, não obsta à admissibilidade desse pedido o facto de ter sido feito por via de incidente de reforma de conta previsto no artigo 31.º n.º 1 do RCP.
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Em relação ao mérito da pretensão da Apelante, o valor da ação fixado na P.I. foi de € 186.290,97 (cento e oitenta e seis mil, duzentos e noventa euros e noventa e sete cêntimos).
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A Apelante apresentou contestação e formulou um pedido reconvencional no valor de € 1.826,592,45 (um milhão, oitocentos e vinte e seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e quarenta e cinco cêntimos).
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No despacho saneador, proferido em 12.07.2016, o Tribunal de primeira instância decidiu pela inadmissibilidade da reconvenção e a Apelante não reagiu por meio de recurso, conformando-se.
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No mesmo despacho, o Tribunal de primeira instância, em momento imediatamente anterior ao posicionamento sobre a inadmissibilidade da Reconvenção, fixou o valor da ação no montante de € 2.012,883,14, o qual corresponde à soma do valor da P.I. com o valor da Reconvenção.
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Pese embora, como referido, a Apelante não tivesse reagido ao despacho saneador, e, assim, também não tomou posição sobre o valor da ação aí fixado, a verdade é que, não tendo sido admitida a reconvenção, o valor da ação teria de ser o inserto na P.I., ou seja, 186.290,97 (cento e oitenta e seis mil, duzentos e noventa euros e noventa e sete cêntimos).
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Estabelece o artigo 299.º do CPC que “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, exceto quanto haja reconvenção ou intervenção principal”.
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No entanto, o valor do pedido formulado pelo Réu (pedido reconvencional), só é somado ao valor do pedido formulado pelo Autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º do CPC.
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A soma do valor dos pedidos não é automática, ou seja, o aumento do valor só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção, sendo certo que a admissibilidade da reconvenção depende de despacho judicial e da verificação dos requisitos previstos no artigo 266.º do CPC.
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Não tendo sido admitido o pedido reconvencional, por ter sido entendido que tal pedido não preenchia nenhum dos requisitos elencados no artigo 266.º do CPC, o valor da acção tem, obrigatoriamente, que corresponder ao valor do pedido formulado na petição inicial – neste sentido, Acordão da Relação de Guimarães de 08.10.2015, processo n.º 1089/14.0TJVNF.G1.
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Como referido, a Apelante não reagiu à fixação do valor pelo Tribunal de Primeira Instância (e este já não é o momento oportuno para o fazer), mas essa situação pode, e deve ser considerada e valorada de modo favorável para efeitos da pretensão que pretende ver decretada com o presente recurso.
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Acresce que, o, à data, mandatário da Apelante, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça subsequente (2.ª prestação), nem compareceu à audiência de discussão e julgamento.
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Como consequência, a Ré não pôde, sequer, fazer prova dos factos alegados na sua defesa por impugnação, nem a prova testemunhal apresentada pela Autora foi sujeita a contraditório por mandatário da Apelante na audiência de julgamento.
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O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, estabelece que “Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”.
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A complexidade da causa é apreciada à luz dos critérios estatuídos no n.º 7 do artigo 570.º do CPC, que prevê que integram o conceito de acções de especial complexidade, as que contenham articulados ou alegações prolixas; digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, ou; impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
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Na presente ação discutiu-se, apenas e só, o incumprimento, pela Ré, de um contrato de fornecimento de mercadorias que celebrou com a Autora, a resolução do contrato por esse motivo, e a consequente obrigação de restituir o preço antecipadamente recebido, no montante de € 185.238,00, acrescido dos respetivos juros de mora.
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Conforme consta da sentença proferida em primeira instância, as questões a decidir foram tão somente a caracterização do contrato celebrado entre as partes; o incumprimento contratual e as respetivas consequências; e a assunção da responsabilidade pelo incumprimento.
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A audiência de julgamento foi realizada num único dia, 14 de Novembro de 2016, e compreendeu, apenas, a inquirição das seis testemunhas arroladas pela Autora.
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Na fase de recurso, também apenas se discutiu a questão do incumprimento e da resolução do contrato, conforme P.I.
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Os articulados e as alegações das partes não foram prolixas; a questão não era de grande complexidade jurídica, nem importaram a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; nem implicou a audição de um elevado número de testemunhas, nem a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
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A audiência de discussão e julgamento se realizou no dia 14 de Novembro de 2016 e a sentença foi proferida no dia 19 de Dezembro de 2016, pouco mais de um mês depois.
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As alegações de recurso da Apelante foram apresentadas no dia 15 de Fevereiro de 2017, o recurso foi admitido por despacho de 28 de Março de 2017, e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães foi elaborado em 11 de Maio de 2017 e notificado no dia 18 e mesmo mês.
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A própria tramitação dos autos foi, diga-se, muito rápida, pois, iniciou-se com a apresentação da P.I. em 18 de fevereiro de 2016, e terminou com o acórdão proferido por este Tribunal da Relação no dia 18 de Maio de 2017, ou seja, um ano e três meses depois.
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A taxa de justiça é um montante pecuniário aplicável como contrapartida exigida pela prestação concreta de serviços de justiça a cargo dos tribunais, no exercício jurisdicional.
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A possibilidade de dispensa do remanescente da taxa de justiça foi consagrada pela Lei para acautelar o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, que tem assento no artigo 20.º da CRP, e que decorre dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP.
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O legislador procurou acautelar situações injustas, em que a determinação da taxa de justiça, calculada apenas em função do valor da acção, se traduzisse num valor exorbitante, manifestamente exagerado, sem correspondência e proporcionalidade face ao serviço de administração da justiça prestado.
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É cristalino que o montante da taxa de justiça a final, de € 53.448,00 é manifestamente desproporcional em função do serviço prestado, pelo que, em termos de juízo de proporcionalidade, razoabilidade e adequação, face à tramitação processada, ao comportamento processual das partes, aos valores da acção, das taxas de justiça já pagas (no montante de € 4.488,00), e ao valor...
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