Acórdão nº 197/15.5TNLSB-A.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | CONCEIÇÃO SAAVEDRA |
Data da Resolução | 05 de Maio de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- Relatório: A [ …., Lda ] , veio, em 27.8.2015, por apenso aos autos de procedimento cautelar de arresto instaurado por B [ Pescados ……, S.L. ] , contra C [ …….. Company ] , deduzir embargos de terceiro na sequência do decretado arresto do navio “Espadarte”, para garantia do crédito marítimo de € 108.517,53 e juros acrescidos, que foi substituído pela prestação de caução. Invoca a embargante, para tanto e em síntese, que adquiriu à 2ª embargada, C , o referido navio pesqueiro, livre de ónus e encargos, condição essencial para a concretização do negócio, pelo preço de € 200.000,00, por escritura pública celebrada no dia 29.10.2014, pelo que é sua exclusiva proprietária desde então. Mais refere que foi a embargante quem custeou a reparação do navio no valor de € 23.477,69, procedendo ainda a outras intervenções no mesmo até Julho de 2015 no valor total de € 227.854,54. Diz que não tendo qualquer obrigação perante a 1ª embargada e sendo alheia aos negócios celebrados entre as embargadas, deve ser levantado o arresto e ordenada a restituição provisória do navio em questão à embargante, uma vez que este lhe pertence, julgando-se procedentes os embargos.
Recebidos os embargos, foi determinada a suspensão dos termos do procedimento cautelar de arresto, bem como a restituição provisória do navio “Espadarte” à embargante, condicionada à prestação de caução, e ainda a notificação das ali requerente e requerida para contestar (fls. 127 a 130). Foi, entretanto, prestada caução.
Veio contestar os embargos apenas a 1ª embargada, B, invocando, antes de mais, a intempestividade dos mesmos e a caducidade do direito da embargante. Mais defende que na invocada escritura de compra e venda do navio não foi demonstrada a legitimidade da transmitente nem documentalmente comprovadas as características do navio, que não coincidem com os documentos togoleses juntos no arresto. Segundo refere, a pessoa física que compareceu no ato de venda em nome da 2ª embargada carecia de poderes bastantes para a representar naquela escritura pública, pelo que tal venda é nula, nos termos do art. 892 do C.C.. Mas ainda que assim não fosse, o credor pode arrestar um navio a pessoa diversa do devedor, nos termos da Convenção de Bruxelas de 1952, desde que o direito de sequela seja concedido ao arrestante pela lex fori ou pela Convenção de Bruxelas de 10.4.1926 para a Unificação de Certas Regras relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos. Pelo que, tendo Portugal aderido à referida Convenção de 1926 (por Carta de 12.12.1931, Diário do Governo, I Série, nº 128, de 2.6.1932), o crédito marítimo em questão é considerado privilegiado, assistindo à 1ª embargada o direito de requerer o arresto do navio. Pede seja levantada a suspensão do arresto e mantido o depósito da caução, sendo declarada a nulidade do contrato de compra e venda do navio “Espadarte” celebrado por escritura pública de 29.10.2014.
Foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, fixando-se ainda o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, em 17.8.2019, proferida sentença que, julgando improcedente a exceção de caducidade suscitada, conheceu de mérito, concluindo nos seguintes termos: “(...) julgo improcedentes por não provados os presentes embargos de terceiro, deles absolvendo a 1ª Embargada e, consequentemente: - determino o levantamento da suspensão dos termos da providência cautelar de arresto a correr nos autos principais; - mantenho o depósito da caução à ordem dos autos; - declaro a nulidade do contrato de compra e venda do navio “Espadarte” celebrado por escritura pública no dia 29.10.2014.
Notifique e registe Custas a cargo da Embargante.” Inconformada, recorreu a embargante A, culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem: “ A. A Apelante deduziu nos presentes autos embargos de terceiro contra as Apeladas B e C, visando o levantamento do arresto sobre a embarcação “Espadarte”, que a aquela adquirira, de boa fé e livre de ónus e encargos na data de 29 de outubro de 2014. B. Durante todo o processo negocial e até ao arresto movido nos autos principais, nenhum indício quanto a um eventual vício de falta de legitimidade para a vinculação da sociedade vendedora foi percepcionável pela ora Apelante.
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Todos os elementos com os quais a Apelante foi confrontada apontam no sentido da plena legitimidade do representante da Apelada C, Eduardo ….. .
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Tal convicção foi induzida pela análise pelo legal representante da Apelante de uma procuração geral outorgada ao supra indicado Eduardo ….., que inequivocamente seria, à data da celebração do negócio, pessoa com poderes bastantes para vincular a sociedade.
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Foi essa a perceção da Apelante - como seria de um destinatário normal, que de outro modo não celebraria o negócio em causa – sendo inquestionável, à data da escritura, quem vendeu – quem representou a vendedora tinha poderes para vender.
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Merece censura a decisão recorrida, na medida em que o Tribunal recorrido tinha todos os elementos probatórios para concluir pela legitimidade de Eduardo ……para vincular a sociedade no negócio, tanto do ponto de vista interno como perante terceiros, jamais sendo possível compreender a venda em causa como sendo de bem alheio.
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Por requerimento de 15 de Outubro de 2016, a Apelada C procedeu à junção aos autos de embargos de duas atas em língua espanhola, ambas datadas de 12 de Novembro de 2009 e protocolizadas notarialmente em 1 de Dezembro de 2009, sendo que na primeira delas revogou-se a procuração de 02 de Junho de 1998 e na segunda, se deliberou a emissão de uma procuração geral a favor de Eduardo …...
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A Apelada C juntou os mesmos documentos traduzidos, bem como ata de 5 de janeiro de 2010, outorgando procuração geral a favor de Eduardo ….., em língua espanhola. I. Nenhum dos três documentos foi impugnado, ou sequer manifestada oposição à sua junção, pelo que viria a mesma viria a ser expressamente admitida por Douto Despacho de 17 de novembro de 2016.
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Por requerimento de 23 de novembro de 2016, a 2ª Embargada juntou a tradução da procuração de 5 de janeiro de 2016, que, uma vez mais, não foi impugnada.
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Por Douto Despacho de 12 de dezembro de 2016, foi admitida a sua junção.
L. É forçoso concluir que foi produzida prova documental demonstrativa de que a procuração que determinava a assinatura de uma pessoa do “grupo A” e outra do “grupo B”, in casu, Eduardo …. e José ….., já não estava vigente à data da aquisição do navio arrestado pela Recorrente.
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Ocorre que, o Tribunal a quo ignorou tal prova documental, já que, da leitura do aresto recorrido, não se vislumbra qualquer referência expressa à mesma, sendo todo raciocínio empreendido pela Primeira Instância logica e juridicamente dependente da vigência da procuração de 1998.
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Ficou cabalmente demonstrado que, aquando da outorga da escritura pública de compra e venda do navio “Espadarte”, que também se encontra nos autos e como documento autêntico que é faz prova plena da matéria nela referida, o representante da Apelada Espadarte tinha poderes bastantes para a vincular naquele ato.
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Mesmo que ocorresse alguma insuficiência de poderes de representação da sociedade, o regime de venda de bens alheios plasmado no art. 892.º do CC não seria aqui aplicável, mas sim o do regime de vinculação das sociedades comerciais, que protege terceiros de boa-fé.
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A irregular representação da sociedade num determinado negócio jurídico é inoponível a terceiros, não podendo ser por estes invocada, pelo que, ainda que a maioria dos gerentes ou administradores – ou o número previsto no pacto social para o efeito – não intervenha no negócio, este é plenamente eficaz e vincula a sociedade.
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A procuração a favor de todos os integrantes do “grupo A” ( Jose …. e Alfredo …..) foi revogada, conforme documento notarial junto aos autos, o que significa que os poderes de representação pertenciam a qualquer dos membros do grupo “B”, do qual Eduardo ….. era parte.
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Em face do exposto, deverá ser aditado um ponto “2” à matéria de facto provada, com o seguinte teor: «A procuração referida no ponto “1” foi revogada por deliberação de 12/11/2009, data em que foi deliberado emitir uma procuração geral a favor de Eduardo ……..».
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Deverá ser aditado um ponto “3” à matéria de facto provada, com o seguinte teor: «Por deliberação de 5/1/2010 foi emitida Procuração Geral pela Segunda Embargada favor de Eduardo ….., em cumprimento da deliberação supra.».
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Na sequência do aditamento dos pontos “2” e “3”, deverá ser alterado o facto provado n.º 4, eliminando-se a passagem “cessando (...)”, até final.
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Tudo demonstrando que não estamos diante de uma situação de “venda de bens alheios” o que altera na sua totalidade, os fundamentos e conclusões da douta Sentença Recorrida.” Conclui, em suma, pela revogação da sentença recorrida.
Em contra-alegações, a recorrida e 1ª embargada, B.
, defende o acerto do julgado, concluindo nos seguintes termos: “ 1. A douta Sentença recorrida é modelar e inimpugnável, não padecendo dos vícios que a Apelante lhe aponta.
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A Apelante alicerça as suas alegações, em matéria de facto, na suficiência dos poderes de Eduardo …. para a celebração da escritura pública de compra e venda do navio, em representação da C, e, em matéria de Direito, na submissão desta às normas do direito societário português, não obstante ser uma pessoa colectiva de direito panamiano.
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As alegações da Apelante radicam em duas insanáveis contradições: - por um lado, entende como provada que a procuração de 2 de Junho de 1998, foi revogada em 5 de Janeiro de 2010, mas admite como provado que, em 25 de Fevereiro de 2015, José …. renunciou aos poderes que aquela primeira procuração lhe conferia; - por outro lado, conclui ter sido feita prova de que a procuração de 2 de Junho de 1998 já estaria totalmente...
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