Acórdão nº 1202/05.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO A….., S….., LDA (doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 10.09.2013, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pela primeira, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2000.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a 1.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente, a qual tem por objeto a apreciação jurisdicional da legalidade da liquidação n°…..271 e da respetiva demonstração de compensação n°…..985, no valor de EUR 1.879.261,84, referentes a IRC do exercício fiscal de 2000; B) A questão material controvertida prende-se com a dedutibilidade, em sede de IRC, dos descontos financeiros concedidos pela ora Recorrente aos seus clientes, bem como a sua sujeição a tributação autónoma por via da sua classificação como despesas confidenciais ou não documentadas; C) A ora Recorrente não pode concordar com a sentença recorrida, porquanto a mesma padece de flagrante défice instrutório, violação do princípio inquisitório, bem como erro nos pressupostos de facto e de direito que condicionam a solução jurídica encontrada pelo Tribunal a quo; D) Todas as correções efetuadas pela inspeção tributária partem do seguinte silogismo: para os descontos efetivados mediante a emissão de cheques ao portador, seria exigível à Recorrente fazer prova do seu efetivo recebimento por parte dos seus clientes, sob pena de não aceitação do custo e sujeição dos referidos encargos ao regime das despesas não documentadas ou confidenciais; E) Para sustentar a sua posição, a inspeção tributária procedeu à inquirição de 5 clientes da Recorrente - cujos depoimentos e identidade nunca foi facultada em sede inspetiva - e notificou já no final do procedimento de inspeção, a Recorrente a juntar em 8 dias cópia reto e verso de todos os cheques ou declaração emitida por todos os seus clientes a confirmar a receção dos descontos; F) O Tribunal ignorou a prova documental junta aos autos, testemunhal e as diligências adicionais de prova requeridas pela Recorrente, prova, essa que evidencia que: (i) os custos referentes a descontos financeiros estavam todos contabilizados e identificados os beneficiários; (ii) existência de prova contraditória face a alguns autos de depoimento de clientes da Recorrente; (iii) alteração da metodologia inspetiva nos anos de 2001 e 2002, incidente precisamente sobre a mesma matéria; G) A diligência probatória requerida no artigo 243° da p.i. mostrava-se, pois, procedimentalmente, relevante para efeitos de avaliação da prova produzida pela inspeção tributária e das declarações prestadas por alguns dos clientes da Recorrente; H) O que está aqui em discussão é saber se (i) a violação dos direitos procedimentais da Recorrente são passíveis de afetar a validade do ato que lhe sobreveio; e (ii) se os sujeitos passivos estão obrigados a manter e documentar na sua contabilidade o efetivo recebimento por parte dos seus clientes dos descontos financeiros que são concedidos; l) O tribunal omitiu de analisar (i) se a prova documental apresentada pela Recorrente estava em linha com os requisitos previstos no artigo 23° do CIRC; (ii) se era legalmente exigível para efeitos de comprovação do custo a prova efetiva do recebimento dos descontos por parte dos seus clientes; e finalmente (iii) efetuar uma análise crítica da prova produzida por ambas as partes; J) Ora, é neste ponto que o déficit probatório e instrutório se mostra crítico, porquanto existem indícios nos autos de que os clientes das farmácias (i) nalguns casos negaram a receção dos descontos; (ii) noutros casos que omitiram rendimentos, desviando-os da esfera empresarial para a esfera pessoal; (iii) e ainda, existem indícios para outros anos fiscais que confrontados e notificados para justificar as divergências, os mesmos apressaram-se a corrigir as declarações fiscais anteriormente entregues; K) Os descontos estão titulados por faturas, notas de crédito, cópias dos cheques, estando, ainda, devidamente relevados na contabilidade da Recorrente, inexistindo qualquer evidência documental que as quantias não corresponderam a uma saída de caixa e uma ablação patrimonial na esfera da Recorrente, sendo que inexistem quaisquer indício, nem sequer tal foi alegado pelo fisco, de qualquer comportamento evasivo ou fraudulento por parte da Recorrente; L) Neste contexto, mostra-se incompreensível a mera adesão in totum à argumentação expendida pela Fazenda Pública, sem que o tribunal a quo se pronuncie expressamente sobre (i) a prova documental a sustentar o custo; (ii) as contradições nas declarações dos 5 clientes inquiridos pela inspeção tributária; (iii) a inconsistência dos procedimentos de validação e diligências probatórias adotadas em sede de inspeção; (iv) a relevância da prova testemunhal; M) A relevância da prova testemunhal não se poderia centrar na questão da comprovação individual de cada desconto concedido - são mais de 200 clientes e a prova testemunhal está limitada a um máximo de testemunhas (10 nos termos do n°1 do artigo 118° do CPPT) - mas sim na aferição da consistência dos procedimentos contabilísticos de registo, documentação e evidenciação dos custos suportados, natureza dos descontos concedidos; N) O Tribunal a quo omitiu também na sua sentença, na parte relativa à alegada violação do artigo 23° do CIRC, a documentação junta pela Recorrente com a petição inicial (documentos n°25 a 91), consubstanciada em diversa documentação contabilística, vide cheques, declarações e notas de crédito relativos aos descontos concedidos pela Recorrente, os quais comprovam não só o pagamento dos descontos aos seus clientes, mas também, mesmo nos casos da documentação relativa a outros exercícios, permitem pôr em causa a credibilidade dos depoimentos prestados em sede da ação de inspeção subjacente ao ato tributário ora sindicado; O) A Requerente veio juntar aos autos cópia de parte da certidão emitida pelos serviços de inspeção tributária do Porto, da qual constam alguns dos pedidos de informação sobre os descontos Extra II e Rappel e respostas dos clientes da Recorrente com referência ao procedimento de inspeção relativo ao exercício de 2002; P) Apesar de se tratar de prova referente a factos tributários de um outro exercício - e como tal a referida prova não seria relevante para efeitos de comprovação do custo, nem tão pouco esse era o objetivo - tratava-se de matéria procedimentalmente relevante para demonstração da insuficiência probatória e de fundamentação constante do relatório de inspeção do exercício de 2000, uma vez que, para factos tributários idênticos (comprovação dos descontos pagos pela Recorrentes aos seus clientes farmácias), a inspeção tributária adotou diligências probatórias distintas, mormente por via da notificação de todos os clientes da Recorrente que declararam receber descontos no referido exercício de 2002; Q) Por via da alteração da atuação da inspeção fica claramente evidenciado que (i) afinal os custos estavam documentados na contabilidade, pois só assim se justificava a divergência entre os registos contabilísticos da Recorrente face aos seus clientes; bem como (ii) muitos clientes da Recorrente - os mesmos dos presentes autos - apressaram-se a correr a entregar declarações de substituição a comprovar a receção dos descontos; (iii) a insuficiência das diligências probatórias adotadas em sede inspetiva no exercício de 2000; R) Perante estes indícios, o Tribunal não poderia coibir-se de adotar todas as diligências probatórias afim de descobrir a verdade material e definir de forma justa a composição material do presente litígio; S) A Recorrente entende que no decurso do procedimento de inspeção a Administração Tributária violou ostensivamente os seus direitos de defesa e participação, afetando a validade desse procedimento e dos atos tributários que lhe sobrevieram; T) Para além de se ter coibido de agir perante os clientes da Recorrente - dos quais recolheu indícios sérios e evidentes de evasão fiscal - a inspeção tributária permitiu-se negar o acesso da Recorrente ao processo de inspeção, sendo que o acesso pleno a tais provas apenas sucedeu já depois de concluído o procedimento inspetivo; U) A Administração Tributária é reincidente neste tipo de comportamentos, uma vez que adotou semelhante conduta em sede dos procedimentos de inspeção relativos aos exercícios de 2001 e 2002, optando por uma estratégia deliberada de condicionamento do acesso da Recorrente aos elementos de prova constantes do procedimento, para depois os facultar já depois de concluído o procedimento de inspeção; V) Se os serviços de inspeção tributária estavam cientes do bem fundado da sua posição sobre a alegada confidencialidade dos dados que sonegaram à Recorrente, carece de explicação os motivos que a levaram a facultar os referidos dados (i) já depois de concluído o procedimento de inspeção e (ii) antes de ser proferida uma sentença pelo Tribunal Tributário competente, facto que o Douto Tribunal a quo também não logrou responder ou analisar; W) Os serviços de inspeção tributária condicionaram o exercício do direito de audição prévia por parte da Recorrente de modo a impossibilitar a apresentação de elementos probatórios que pudessem contraditar as conclusões expostas no relatório de inspeção, sendo inaceitável que num Estado de Direito seja recusado ao Mandatário de um contribuinte o acesso aos elementos de prova recolhidos num procedimento de inspeção e que o mesmo apenas tenha acesso a tais elementos depois de apresentar uma intimação...

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