Acórdão nº 0290/13.9BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A…………., devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAS, de 06.06.19, que, considerando não estarem “verificados os pressupostos para efectivar o instituto da responsabilidade civil do Estado”, negou provimento ao recurso por si interposto e confirmou a sentença da 1.ª instância.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAF de Sintra, de 18.05.17, que julgou dever ser “negado total provimento à presente acção absolvendo-se o Réu dos pedidos”.

Na p.i. que apresentou no TAF de Sintra o A., ora recorrente, peticionou, a final, o seguinte: a. Que “o Estado Português [seja] condenado a pagar ao A., a título de indemnização pelos prejuízos sofridos com o atraso no pagamento dos seus créditos laborais de seis anos e cinco meses, entre 1 de Dezembro de 2003, até à data do efectivo recebimento, em 23 de Abril de 2010, na quantia de € 42.122,19, já vencida, bem como a que for devida em resultado do provimento do recurso que se encontra ainda em apreciação, quanto à importância de 145.497,05 €, acrescidas dos respectivos juros de mora legais desde 23 de Abril de 2010 até 1 de Março de 2013 no valor € 4.810,00 e os que se vencerem até integral pagamento”.

  1. “Requer-se ainda a condenação do Estado Português no pagamento de custas e de todos os encargos com este processo, bem como as despesas de procuradoria a favor da Autora”.

  2. “Mais se requer a citação do Estado Português, para contestar, querendo, a presente acção e para juntar aos autos traslado do processo judicial do qual derivam os prejuízos”.

    1. O A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 581 a 637): “1º - O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quando considerou que o pedido indemnizatório apresentado pelo ora Recorrente consistia no pagamento de juros de mora, pelo atraso no pagamento do seu crédito, entre os anos de 2003, ano em que foram vendidos imóveis da falida no valor de mais de 1 803 342,30 Euros, e 23/4/2010, data em que o Recorrente recebeu o 1º pagamento parcial do seu crédito, estando esses juros demora proibidos pelo Artº 151º nº 2º do CPEREF; 2º - Ao actuar desse modo, o Tribunal a quo desconheceu que o Recorrente fundamentou o seu pedido indemnizatório na desvalorização monetária, do crédito que recebeu em 23/4/2010, no 1º rateio parcial no processo, o qual lhe deveria ter sido pago até 1/12/2003, mesmo existindo já incumprimento das normas aplicáveis ao processo de falência, mas se o Juiz tivesse agido com um mínimo de diligência na direção do processo, na medida em que a taxa de inflação avaliada pelo INE e assente nos autos, neste período, foi de 37,83%; 3º - O Acórdão recorrido desconheceu também que no Artº 27º da sua petição inicial, o Autor afirmou expressamente que os créditos sobre a empresa falida de que era trabalhador “de acordo com o Artº 151º nº 2º do CPEREF deixaram de vencer juros de mora a contar da data da sentença da declaração de insolvência, em Dezembro de 1999”, pelo que seria rematada estultícia pedir juros de mora na própria petição, em que referiu expressamente estar proibido o seu pagamento; 4º - Logo, não foi o pagamento de juros de mora que o Autor alguma vez pediu neste processo, mas antes uma indemnização pelos prejuízos sofridos com a demora ilícita e culposa no recebimento parcial do seu crédito, que se desvalorizou entre 2003 e 2010 no valor de 37,83%, e cujo fundamento legal foi, entre outros o disposto no Artº 12º da Lei 87/2017, de 31/12, o Artº 483º e seguintes e 562º e seguintes do Código Civil, bem como o disposto no Artº 22º da Constituição da República Portuguesa, e Artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, em virtude de considerar que o juiz que tinha legalmente a direção do processo de falência não cumpriu, ilícita e culposamente, os deveres que o legislador lhe atribuiu; 5º - Considerando não ser devida a indemnização pelos prejuízos causados, em virtude de o Artº 151 nº 2 do CPEREF proibir o vencimento de juros de mora sobre os créditos após a sentença de falência, o Tribunal a quo considerou afinal que, num processo de falência qualificado como urgente pela lei, e entregue à direção de um Juiz, onde são ultrapassados todos os prazos razoáveis de decisão, pois dura há mais de 20 anos e onde o primeiro pagamento aos credores foi feito 11 anos depois da sentença de falência e da apreensão da totalidade dos bens móveis e imóveis da sociedade falida, os credores não têm direito à indemnização dos prejuízos sofridos com a enorme, inaceitável e ilegal demora do processo e do pagamento dos seus créditos; 6º - Ora, é manifesto que esta orientação do Acórdão recorrido é errónea e inaceitável e desrespeita as normas reguladoras da responsabilidade civil do Estado pela prática de actos ilícitos e culposos no exercício da função jurisdicional, bem como as disposições já referidas no nº 4º destas conclusões, pelo que tal decisão deverá, a bem da aplicação proporcionada e justa da Lei, ser revogada por este Venerando Tribunal, por claramente ilegal e inconstitucional mesmo por ofensa ao Artº 22 da C.R.P.; 7º - Além disso, fica patente que esta questão do direito à indemnização pelos prejuízos causados no processo de falência em que pela enorme demora do processo e a negligente condução judicial do mesmo, se causaram prejuízos aos credores, estes têm o direito a ser indemnizados dos prejuízos sofridos, e causados pelo Estado com o deficiente exercício da função judicial, tratando-se de uma questão jurídica e social de fundamental importância não apenas para este processo mas para futuros casos semelhantes e para a melhor aplicação do direito ao caso sub judice, assim prevista como fundamento do recurso de revista.

      8º - Decidiu-se ainda no Acórdão recorrido o seguinte: “No caso que nos ocupa, não existe um comportamento em concreto de um funcionário (...) que possa ser considerado ilícito, enquanto juízo de censura dirigido ao facto/acto, ainda que omissivo, dessas pessoas. E também não existe a correspondente culpa, enquanto juízo de censura dirigido à respectiva pessoa. As pessoas terão feito o que podiam. Não vem alegado que alguma pessoa por falta de cuidado – e muito menos por dolo – tenha atrasado o andamento do processo (…).

      Donde, não havendo um concreto comportamento ilícito, sequer identificado, como não há, não pode haver culpa, nem nexo causal entre o facto/comportamento (de um concreto agente) e o resultado, dano (...)” (págª 51 do Acórdão); 9º - Ora, não pode haver nada de mais erróneo do que este juízo do Tribunal a quo, na medida em que ficou claramente demonstrado nos autos a prática de actos ilícitos e culposos duradouros e sucessivos por parte do juiz do processo, como aqui se passam a descrever; 10º - Este processo de falência que teve início em 9 de Abril de 1999, e que dura há mais de 20 anos, é regulado ainda pelo Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (C.P.E.R.E.F.) o Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, nos termos do disposto no Artº 12 nº 1º do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), e revogou o C.P.E.R.E.F.; 11º - No Artº 10º do CPEREF estabelece-se que os processos de recuperação da empresa e falência, incluindo os embargos e recursos a que houver lugar, têm carácter urgente e gozam de precedência sobre o serviço ordinário do Tribunal e que nem o falecimento do devedor, nem o de qualquer credor, determina a suspensão do processo de falência; 12º - Além disso, considerando o legislador que o propósito do processo de falência é a mais rápida liquidação do activo do falido e o mais célere pagamento aos credores, de modo igual dentro de cada classe de créditos, agilizou o mais possível a apreensão dos bens do falido e o apenso de liquidação de bens para com o seu resultado pagar aos credores do falido, nos termos dos Artºs 176º nº 1º e 180º nº 2º do CPEREF; 13º - O CPEREF determina mesmo no seu Artº 180º nº 2º que a liquidação do activo do falido deve ser concluída no prazo de seis meses, prorrogável a pedido do liquidatário, por período não superior a seis meses, obtido parecer favorável da comissão de credores, ou seja, deverá estar concluída no prazo de um ano depois da apreensão dos bens do falido: 14º - No caso vertente, porque os bens da empresa falida estavam todos apreendidos em 28/12/1999, a liquidação do activo deveria estar realizada até ao final do ano de 2000; 15º - Por outro lado, em 3/5/2001 terminou o processo de embargos à sentença de falência, tendo a sentença transitado em julgado; 16º - Assim, de acordo com o disposto no Artº 179 nº 1º do CPEREF em Maio de 2001, todos os bens da falida estavam já apreendidos para a massa falida e em condições de ser vendidos pelo liquidatário judicial, independentemente da verificação do passivo; 17º - Mas como está provado nos autos os primeiros imóveis da empresa foram vendidos em Junho de 2003 e o último imóvel só foi vendido em 13/12/2011, ou seja, 12 anos depois da respectiva apreensão!!!! 18º - Logo, é manifesto que o juiz desrespeitou o disposto no Artº 180º nº 2º do CPEREF que impõe que o prazo de duração da liquidação seja de um ano, nada tendo feito no processo para que tal prazo fosse respeitado pelo liquidatário, como devia; 19º - E tendo sido ultrapassado o prazo de liquidação em mais de três anos, até 2003, o juiz, que tem o dever legal de dirigir o processo, nunca perguntou ao liquidatário o que se passava, porque é que os bens da falida, apreendidos no processo, não tinham ainda sido vendidos e muito menos o substituiu no processo dada a sua patente inércia e violação dos preceitos do CPEREF, como devia ter feito nos termos do Artº 137º do CPEREF; 20º - Só em 23/9/2005, passados seis anos sobre a declaração da falência e a apreensão de todos os bens da falida o...

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