Acórdão nº 01704/14.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte, em representação da sua associada M., propôs contra o Estado Português e o Instituto de Segurança Social, I.P., todos melhor identificados nos autos, acção administrativa especial, formulando os seguintes pedidos: a) “Declarar-se nulo o denominado “contrato de prestação de serviços” da RA, pelos vícios apontados; b) Declarar-se a existência de uma relação jurídico-laboral subordinada entre o R. Instituto de Segurança Social, I.P. e a RA; c) Condenar o R. Instituto de Segurança Social I.P., no pagamento de todos os montantes remuneratórios não pagos à RA desde 28 de Fevereiro de 1996 por força da relação jurídico-laboral existente desde então, no que se mantém relapso, designadamente todos os subsídios de férias e de natal, e d) Declarada a conversão dos contratos por força do determinado na Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28/06/1999, tudo com as legais consequências, inclusive remuneratórias, tudo acrescido de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento, E, e) Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se admite, sejam os RR. condenados, solidariamente, a pagar à RA. uma indemnização calculada nos termos de um procedimento de despedimento ilícito imputado à entidade empregadora pública Instituto de Segurança Social, I.P., f) Sempre condenados os RR. nas custas integrais da lide, tudo com as legais consequências.” Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção, absolvido da instância o Réu Estado Português e absolvido de todos os pedidos o Réu Instituto de Segurança Social, I.P..

Desta vem interposto recurso.

Alegando, Aquele formulou as seguintes conclusões: 1°. Sobem os presentes autos à superior consideração de V. Exas. atenta a decisão que considerou improcedente a acção administrativa comum [Ant. NCPTA] e, em consequência absolveu o Réu dos pedidos, a qual padece de erro nos pressupostos de facto e, por consequência, aplicou inadequadamente o direito, 2°. Muito embora tenha reconhecido o Tribunal a quo que "salvo disposição legal em contrário, a legitimidade passiva cabe à pessoa colectiva pública de direito público a quem seja imputável o acto jurídico, in casu o contrato de prestação de serviços, que se pretende impugnar. É a ela, portanto, e não ao Estado Português, que a lei reconhece em primeira linha o interesse directo em contradizer o pedido formulado pelo autor." 3°. Pelo que decidiu... "Ante o exposto, é forçoso concluir que o Réu Estado Português é parte ilegítima na presente demanda, dado que a mesma pertence, em exclusivo, ao Réu Instituto de Segurança Social, com quem a representada do Autor celebrou o contrato de prestação de serviços cuja validade se encontra em discussão nos presentes autos."; 4°. Porém, mesmo aqui, se está perante uma situação que não é assim tão linear ou liquida; 5°. De facto, este não deveria ter sido o melhor desfecho a considerar no presente caso. Senão, veja-se o que nos diz a jurisprudência quanto a este respeito. Pode ler-se no âmbito do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.° 01080/15 de 19-05-2016 que: "De acordo com o critério da coincidência, para se aferir da personalidade judiciária, a resposta natural para um ato praticado por um órgão da pessoa colectiva de direito público como o Estado, seria o Estado. Ora, este artigo 10° n° 2 ao atribuir personalidade judiciária implícita aos ministérios, pelo facto de determinar que são as entidades a demandar, não está a retirar qualquer personalidade judiciária ao Estado mas apenas a retirar-lhe a legitimidade para ser demandado. Não podemos esquecer que, sendo a personalidade judiciária um atributo dos sujeitos, a implícita alusão deste preceito à personalidade judiciária é o apenas na sua extensão aos ministérios, porque não podem ser partes legítimas sem previamente lhes ser atribuída personalidade judiciária, e não na diminuição de qualidades do sujeito como a amputação da sua personalidade judiciária. Isto é, não é pelo facto de o Estado ser considerado parte ilegítima por não ser a parte passiva na demanda para este tipo de ações, que o preceito lhe está a amputar a sua personalidade judiciária. O Estado, enquanto tal, tem personalidade jurídica, e por inerência personalidade judiciária, apenas carecendo de legitimidade enquanto réu no âmbito de litígios relativos a atos ou omissões praticados pelos respectivos órgãos dos seus ministérios, isto é, face à posição que ocupa na concreta relação processual. O Estado não é um estranho na relação jurídica em causa.

Não podemos esquecer, como refere Freitas do Amaral, in "Curso de Direito Administrativo", 2ª edição, vol. 1, pág. 221, que «apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direcções-gerais não têm personalidade jurídica (...) o Estado-administração é uma pessoa colectiva pública autónoma, não confundível com os governantes que o dirigem, e nem com os funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas administrativas, também dotadas de distinta personalidade jurídica, tais como as regiões autónomas, as autarquias, as associações, institutos, empresas públicas, com personalidade jurídica, património, direitos, obrigações, atribuições, competências, finanças, pessoal próprios e que são terceiros em relação ao Estado (...)», Os ministérios, na organização do Estado, mais não são que meros departamentos de organização dos órgãos e serviços do seu órgão central Governo, dirigidos pelos respectivos ministros, sem qualquer tipo de personalidade jurídica ou judiciária».

No caso sub judice o Estado não ficou sem aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas apenas porque se estendeu a personalidade judiciária aos seus organismos em determinadas situações.

Os ministérios tornam-se assim sujeitos processuais, tornam-se entidades com personalidade judiciária, no âmbito de litígios, pelos atos ou omissões praticados pelos seus órgãos respectivos.

Trata-se da atribuição de "personalidade judiciária" a departamentos do Estado que, por carecerem de personalidade jurídica, não deteriam, ai partida, a susceptibilidade de ser parte.

A expressão a que se alude neste artigo 10 n° 2 apenas refere que, em vez de ser demandado o Estado (como deveria ser por força do princípio da coincidência), deve ser demandado o ministério.

E, face a esta expressão é que, por inerência, se pressupõe a atribuição de personalidade judiciária aos ministérios. [...] O CPTA veio com este art. 10° flexibilizar os critérios de atribuição de personalidade judiciária, possibilitando ao autor demandar quer a pessoa coletiva de direito público, quer, no caso do Estado, o Ministério, quer ainda o órgão administrativo a quem é imputável a ação ou omissão em litígio, conforme resulta do art.° 10 n° 4, ao estabelecer que no caso de erro na identificação do autor do ato se considera a ação proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence, [...] Em suma, não está aqui em causa a susceptibilidade de o Estado poder estar presente no processo, que é uma condição para que o juiz possa decidir de mérito, compor definitivamente o litígio, sob pena de perda de qualquer utilidade, mas tão só de ser a parte que deve ser demandada como réu na relação jurídica controvertida. Pelo que, a questão que aqui se coloca é, tão só, a de suprimento da ilegitimidade do Estado para figurar como entidade demandada na relação jurídica em causa.

Em suma, no caso dos autos, entendemos não haver impedimento ao convite à correção e aperfeiçoamento da petição nos termos do art. 88° do CPTA e de acordo com o princípio in dubio pra actione expresso no artigo 7.° do CPTA donde se retira que em caso de dúvida a interpretação jurídica deve favorecer a emissão de pronúncia de mérito, em nome da tutela jurisdicional efetiva (art. 20. °, n. °s 4 e 5, da CRP). Ou seja, por força do art. 88.° do CPTA, impunha-se ao julgador, em sede do dever de conhecer obrigatoriamente de «todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo», e do princípio da cooperação processual [arts. 08.° CPTA e 265.° CPC/07 - atuais arts. 06.° e 411.° do CPC/2013], a existência dum dever de providenciar pela prévia correção dos articulados e do suprimento das exceções dilatórias. A decisão de absolvição da instância não deveria, portanto, ter tido lugar antes da decisão de convite ao aperfeiçoamento.

E conclui: "Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em: [...] determinar a baixa dos autos ao TAF, a fim de ai ser proferido despacho a convidar a ora Recorrente a aperfeiçoar a sua petição inicial no que concerne à identificação da Entidade Demandada, prosseguindo os autos em conformidade." 6°. Mas não se ficam por aqui todas as incoerências verificadas na douta decisão a quo; 7º. Precisamente, perante o caso sub judicio, como pôde o Tribunal "a quo" concluir contrariamente ao peticionado e a respeito da " Nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entra a representada do Autor e o Réu Instituto da Segurança Social [...] que o contrato de prestação de serviços celebrado com a representada do Autor e o Centro Regional de Segurança Social do Norte não é nulo por duas ordens de razão.

Primo, o regime da nulidade do Artigo 35.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro não lhe é aplicável, conforme se constatou. Secundo, o contrato celebrado reúne todas as formalidades exigidas pelo Decreto-lei n.° 141/89, de 28 de Abril, que é o regime legal concretamente aplicável aos contratos que revestem essa natureza. Termos em que, improcede o fundamento do Autor, segundo o...

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