Acórdão nº 1528/16.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução16 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório S... -eletrónica, s.a (recorrente), intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra o ministério da administração interna e a contra-interessada, M...- electónica, lda (recorridos), uma acção administrativa de contencioso pré contratual, nos termos dos artigos 100.º e ss. do CPTA, na qual peticionou a anulação do despacho de 27.05.2016 do Secretário de Estado da Administração Interna, praticado no âmbito do procedimento concursal nº 76-DSUMC/2015 - aquisição de equipamentos para a segurança rodoviária para a Guarda Nacional República - que adjudicou à proposta apresentada pela contra-interessada o fornecimento do Lote 6 (radares de controle de velocidade), bem como a anulação do contrato que venha a ser celebrado, pedindo ainda a condenação do Réu MAI à prática de um novo acto que determine a exclusão da proposta da contra-interessada e a retoma do procedimento concursal.

O Tribunal a quo julgou a acção improcedente, absolvendo o Ministério da Administração Interna, dos pedidos formulados.

Inconformada, a Autora S... -Eletrónica, S.A recorreu para este Tribunal Central, tendo o recurso apresentado sido objecto de decisão por acórdão deste TCAS de 11.07.2018, no qual foi decidido negar provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença recorrida.

S... -Eletrónica, S.A , não se conformando com o acórdão deste TCAS de 11.07.2018, dele veio interpor recurso de revista para o STA, suscitando a nulidade do acórdão proferido por omissão de pronúncia.

Alega a Recorrente que o acórdão recorrido: "(...) não considerou o que foi invocado nas Alegações de recurso da ora Recorrente (nomeadamente nas respectivas Conclusões, a fls. 816 e segs. dos autos, que delimitavam o âmbito do recurso), nem o referido no douto Parecer do MP no TCA Sul, a fls. 920 dos autos, limitando-se o Acórdão recorrido, nomeadamente em sede de apreciação do erro de julgamento (pags. 29 e segs. do Acórdão) a aderir ao referido na Sentença de 1.ª Instância e ao alegado, mas não provado, pela Contrainteressada (M...), sem sequer fazer qualquer referência, nessa sede, ao invocado nas Conclusões de recurso da ora Recorrente, que, como concluído e bem fundamentado no referido Parecer do MP, impunham decisão diversa ( ...) ".

Por acórdão de 7.02.2019 do Supremo Tribunal Administrativo foi julgada procedente a revista, de acordo com a seguinte fundamentação: “(…) Como resulta dos autos, estamos perante um concurso público que tem por objecto a “aquisição de equipamentos para a segurança rodoviária para a Guarda Nacional Republicana”, procedimento este, cujas regras próprias se encontram no Programa do Procedimento (PP) e respectivo Caderno de Encargos (CE patenteadas pelo Ministério da Administração Interna – cfr. docs. 2 a 4 juntos com a p.i.

Contudo, neste processo jurisdicional a Autora apenas veio questionar o procedimento levado a cabo no que respeita ao lote 6 – Radares de controlo de velocidade - acabando por peticionar a anulação do despacho de 27.05.2016 do Secretário de Estado da Administração Interna, praticado no âmbito do concurso nº 76-DSUMC/2015, bem como, a anulação do contrato que venha a ser celebrado, pedindo ainda, em sede de petição inicial, a condenação do Réu MAI à prática de um novo acto que determine a exclusão da proposta da contra-interessada e a retoma do procedimento concursal.

O acórdão sob Revista, proferido pelo TCAS, elegeu como questão central a decidir, saber se a proposta da contra-interessada deveria ter sido excluída por violação do artº 13º, nº 2, al. e) e nºs 5 e 6 do Programa do Procedimento – normas estas que se encontram plasmadas na als. D) matéria de facto – tendo concluído, como na primeira instância que esse incumprimento não se verificou. Ou seja, sempre no âmbito da controvérsia gerada da circunstância do programa do concurso exigir, sob pena de exclusão, que a proposta deveria ser constituída por vários documentos, entre eles, os documentos de homologação e certificação por parte da entidade competente e documento que contenha a marca, modelo e características, especificações e requisitos técnicos do bem a fornecer, de acordo com o previsto no caderno de encargos; e documento comprovativo da aprovação por Despacho da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Temos, assim, que a peticionada exclusão da proposta apresentada pela ora recorrida/contra interessada foi apreciada em torno da questão de saber se estávamos ou não perante o mesmo aparelho de medição.

Contudo, a autora indicou uma outra causa de invalidade que deveria ter sido conhecida prioritariamente, pela relevância que assume perante o CE e o PP, causa esta que nunca foi conhecida nas instâncias.

Vejamos: As nulidades da sentença são taxativas e mostram-se elencadas no nº 1 do artº 615º do CPC/Lei 41/2013 de 26.06 [assim como serão todas as referências, sem indicação de norma especial].

No caso em apreço, a nulidade imputada ao acórdão recorrido é a referida na alínea d), do nº 1 do artº 615, onde se refere expressamente que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).

Mas quando é que realmente se verifica esta nulidade? Esta nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no nº 2 do artº 608º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".

A violação daquele dever torna nula a sentença, consequência que se justifica dado que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.

Mas, já Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143 indicava que há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão".

Ou seja, questões para este efeito são, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda os pressupostos processuais debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição nas questões objecto de litígio.

Assim, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que decidir as questões que por aquelas lhe tenham sido postas.

Ou seja, o que se impõe é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Assim sendo, na parte que ora nos interessa, haverá nulidade de sentença por omissão de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes.

A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 608º, nº 2 e, 615º, nº 1, d), do CPC.

Cremos, que a resposta tem de ser indagada na configuração que as partes deram ao litígio, tendo em consideração a causa de pedir, o pedido, bem como, as excepções invocadas pelo réu, o que significa que questões serão apenas, as questões de fundo, ou seja, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter.

Não serão nunca os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.

Em suma: as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pela relação causa de pedir/pedido, pelo que só existe omissão de pronúncia e, consequentemente, nulidade [artº 615º, nº 1, al. d), 1ª parte], se o tribunal, contrariando o disposto no nº 2 do artº 608º do CPC, proferir uma decisão desfavorável à parte, sem apreciar todos os fundamentos invocados, dado que a pretensão ou a excepção só podem ser julgadas improcedentes se nenhum dos fundamentos puder proceder, não incorrendo a decisão do julgador na referida nulidade quando deixe de se pronunciar sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes.

Regressando ao caso jub judice, vejamos o seguinte: As características do aparelho a fornecer resultam da factualidade constante das alíneas G) e I) que se mostram transcritas na factualidade assente, que remete para o artº 3º, nº 1 do CE e para a Acta nº 1 do Júri do Concurso de 17.02.2016 e respectiva aprovação em 18.02.2016, exigindo-se expressamente no capítulo das características e especificações técnicas que o equipamento a fornecer operasse “a cobertura simultânea de 4 ou mais vias de tráfego e nas duas faixas de rodagem”.

Face ao disposto nos pontos 5 e 6 da al. c) do nº 2 do artº 13º do PC, as propostas deviam ser constituídas, sob pena de exclusão, além do mais, por “documento de homologação...

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