Acórdão nº 885/19.7BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução16 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: N……., Lda.

, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 13/01/2020, que no âmbito da ação de contencioso pré-contratual instaurada contra o Ministério da Defesa Nacional e a Contrainteressada, EID ………………., S.A.

, julgou procedente a exceção da intempestividade da interposição da ação e absolveu a Entidade Demandada e a Contrainteressada da instância.

* Formula a Autora, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “I. A sentença proferida pelo Tribunal a quo considerou verificada a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, invocada pelo Réu e pela Contrainteressada nas respetivas Contestações, absolvendo estes da instância, nos termos do disposto na alínea k) do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, C.P.T.A).

  1. O objeto deste recurso é circunscrito ao modo de contagem do prazo de 1 (um) mês, previsto no artigo 101.º do C.P.T.A. para o contencioso pré- contratual, e, mais concretamente, à articulação e interpretação das normas constantes neste mesmo artigo, nos artigos 58.º e 59.º do C.P.T.A. (também por força da remissão operada pelo n.º 1 do artigo 102.º deste diploma), com, e sobretudo, o regime constante no artigo 279.º do Código Civil.

  2. Defendendo-se, no presente recurso, que não se inclui, na contagem de qualquer prazo, incluindo o prazo de caducidade previsto no artigo 101.º do C.P.T.A., o dia do evento a partir do qual o mesmo começa a correr, leia-se o dia da notificação, aos concorrentes, do ato de adjudicação/de exclusão que se visa impugnar; e que não se pode converter em dias o prazo de 1 (um) mês previsto no já referido artigo 101.º do C.P.T.A; IV. O Concurso em causa nos presentes autos foi declarado aberto por via do Anúncio n.º 6583/2018, publicado no Diário da República, II Série, n.º 153, parte L, de 9 de agosto de 2018.

  3. Neste Concurso, apresentaram Proposta a ora Recorrente e a Contrainteressada, sendo que ambas foram notificadas da decisão de adjudicação da Proposta da Contrainteressada e de exclusão da ora Recorrente através da plataforma de contratação pública VORTAL, no dia 07 de outubro de 2019, às 16:59:36.

  4. Inconformada com o mérito dessa decisão, a Recorrente apresentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, através do sistema eletrónico SITAF, às 18:03:34 do dia 08 de novembro de 2019, Ação Administrativa Urgente de contencioso pré-contratual, com vista à declaração de nulidade ou à anulação da decisão de adjudicação/de exclusão, e, bem assim, à condenação do Réu à prática do ato devido, que se traduziria na adjudicação da Proposta da ora Recorrente.

  5. Nas suas Contestações, Réu e a Contrainteressada suscitaram a exceção de caducidade do direito de ação, defendendo, em suma, que a remissão operada pelo n.º 1 do artigo 97.º do C.P.T.A para o n.º 2 do artigo 58.º do mesmo diploma e deste, por sua vez, para o artigo 279.º do Código Civil, importa a aplicação exclusiva da alínea c) deste último normativo.

  6. Na Contestação da Contrainteressada defende-se que o prazo de 1 (mês), previsto no artigo 101.º do C.P.T.A. para este tipo de ações urgentes, começa a contar-se no mesmo dia em que se seja notificado do ato contra o qual se pretenda reagir judicialmente, isto é, o dia da notificação do ato de adjudicação/exclusão será o primeiro dia do referido prazo de um mês.

  7. A sentença recorrida considerou que, na contagem do prazo de um mês, previsto no artigo 101.º do C.P.T.A., se aplica exclusivamente o que designa por “norma especial” da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil; e, procedendo a uma contagem dia-a-dia de 31 dias, o considera que o termo do prazo ocorreu às 24h do dia 7 de novembro; X. No domínio da L.P.T.A., não se previa, sequer, qualquer meio de reação associado ao contencioso pré-contratual, circunscrevendo o tema aos prazos do recurso contencioso dos atos anuláveis, previsto no artigo 28.º da L.P.T.A.

  8. Por força da entrada em vigor do C.P.T.A, entre 2004 e 2015 (ou seja, durante cerca de 10 anos), os prazos a que alude o artigo 58.º do CPTA (equivalente ao referido artigo 28.º da LPTA) contaram-se nos termos da lei processual civil (por força do n.º 3 do artigo 58.º do C.P.TA.).

  9. Sempre existiu, mesmo aquando da vigência da L.P.T.A., doutrina e jurisprudência – inclusivamente do nosso Supremo Tribunal Administrativo – em abono da forma de contagem do prazo sustentada pela ora Recorrente, ou seja, a favor da aplicação cumulativa das alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil, ao prazo de caducidade de direito de ação então previsto no artigo 28.º da L.P.T.A.

  10. Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência é, precisamente, aquele que a Recorrente adotou, no sentido da aplicação autónoma e cumulativa das alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil na contagem do prazo de impugnação de atos administrativos, seja no contencioso impugnatório urgente, seja no não urgente.

  11. A tal conclusão conduz o argumento literal.

  12. O artigo 101.º do C.P.T.A. apenas remete para o n.º 3 do artigo 58.º e para os artigos 59.º e 60.º do C.P.T.A., os quais, apesar da relevância da norma contida no artigo 59.º quanto ao início dos prazos de impugnação, não resolvem diretamente a questão acerca da respetiva forma de contagem.

  13. Será, pois, por via da remissão operada pelo n.º 1 do artigo 97.º do C.P.T.A., para o disposto nos capítulos II e III do título II deste diploma, que chegámos à aplicação do n.º 2 do artigo 58.º do C.P.T.A, o qual, por sua vez, refere que os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.

  14. A remissão operada para este normativo legal foi “em bloco”, não tendo o legislador, na letra da lei, excluído qualquer das suas alíneas, ou, dizendo de outro modo, não circunscrevendo o âmbito da remissão a uma alínea em concreto.

  15. Caso pretendesse que a remissão fosse, tão só, para a alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, o legislador tê-lo-ia feito, o que deve fazer pressupor, em obediência ao disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, que não o pretendeu fazer.

  16. Neste sentido aponta, também, o teor do próprio artigo 279.º do Código Civil, cuja epígrafe é “cômputo do termo”, e que começa por referir que “à fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras.

    ”.

  17. Deve ainda atentar-se no teor do artigo 296.º do Código Civil, que esclarece que as regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.

  18. Do texto das alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil, decorre que as mesmas se destinam a regular realidades distintas, sendo a alínea b) relativa ao início da contagem do prazo, e a alínea c) ao seu termo final.

  19. Assim, também o argumento teleológico abona a favor da consideração de ambas na contagem de qualquer prazo, pelo que ambas serão convocadas, de modo autónomo e cumulativo, na contagem do prazo de 1 (um) mês previsto no artigo 101.º do C.P.T.A., por força da remissão operada pelo n.º 1 do artigo 97.º e pelo n.º 2 do artigo 58.º, ambos do C.P.T.A., para o artigo 279.º, do Código Civil.

  20. Em abono desta interpretação, e ainda com recurso aos argumentos acima referidos, atente- se no teor do n.º 2 do artigo 59.º do C.P.T.A., aplicável ao contencioso pré-contratual por via da remissão expressa do artigo 101.º do C.P.T.A.

  21. O que, em conjugação com o disposto na alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, deixa bem clara a relevância que se atribui ao ato de notificação, nos processos de cariz impugnatório - urgente e não urgente – sendo esta – a notificação dos destinatários - o evento a partir do qual o prazo começa a correr, e não o primeiro dia do prazo.

  22. Em abono do que vem dito, e ao contrário do que se refere na sentença recorrida, veja-se que a (melhor) Jurisprudência, anterior ao C.P.T.A. também já se pronunciava neste sentido.

  23. Já no domínio do C.P.T.A, mas ainda no contexto da redação inicial do n.º 2 do artigo 58.º, que ordenava a contagem dos prazos de impugnação à luz da lei processual civil, há jurisprudência que bem demonstra que as regras contidas no artigo 279.º do Código Civil, incluindo na sua alínea b), sempre foram “chamadas” à contagem dos prazos de caducidade de direito de ação, nos processos de impugnação de atos administrativos.

  24. Após a entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 214.º-G/2015, de 02.10 os prazos de impugnação de atos administrativos, por força da nova redação conferida ao artigo 58.º do C.P.T.A, passaram a contar-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, e já não nos termos da lei processual civil.

  25. A redação do artigo 59.º do C.P.T.A. sofreu também alterações em 2015, passando o seu n.º 2 a conter aquela que é a redação atual.

  26. A jurisprudência mais recente dos TCA Norte e Sul e do STA, proferida já após a entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 214.º-G/2015, de 02.10, aplica cumulativamente as alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil, e o prazo de impugnação é, a final, contado sem que no mesmo se inclua o dia da respetiva notificação.

  27. Da resenha jurisprudencial feita nas Alegações acima decorre, com clareza, que os Tribunais Administrativos, quer ao abrigo da L.P.T.A., quer, sobretudo, ao abrigo do C.P.T.A., após a sua revisão de 2015, têm procedido a uma aplicação, consoante os casos concretos assim o exijam, das várias alíneas do artigo 279.º do Código Civil, no contexto de processos impugnatórios, de processos de contencioso pré- contratual ou se outros processos urgentes, como os de contencioso de massa ou algumas intimações.

  28. As regras contidas no artigo...

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