Acórdão nº 2798/16.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução16 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O R. Estado Português interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, de 13.09.2019, que julgou procedente a ação administrativa intentada por M...

, condenando-o a pagar ao autor - a título de danos morais decorrentes da violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável que se terá verificado na ação cível n.° 5545/06.6TCLRS -, a quantia de €3.463,00, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: «(…) 1. Pela sentença recorrida, datada de 13/09/2019, foi o réu Estado Português condenado no pagamento ao autor da quantia de 3.463,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes de violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável, comummente designado por atraso na aplicação da justiça.

  1. A sentença recorrida considerou, erradamente, que, no caso concreto, estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e que existiu uma demora injustificada na tramitação do processo de 3 anos, 4 meses e 23 dias, que deu origem à indemnização concretamente fixada - 3.463,00€.

  2. No entanto, além do mais, o período de duração injustificada do processo imputável ao funcionamento dos serviços do réu Estado não foi corretamente contabilizado e é substancialmente inferior ao considerado.

  3. Da conjugação do disposto nos arts. 7º/1, 3 e 4, 8º/1 e 2, 9º/1 e 10º do RRCEE resulta que o atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, gera uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - a existência de um facto voluntário; ilicitude; culpa; prejuízo e nexo de causalidade entre este e o facto -, que são de verificação cumulativa - cfr. art.º 483º do Código Civil.

  4. Para aferir do preenchimento do requisito da ilicitude, tal como considerado pela sentença recorrida, há que concretizar o conceito de “prazo razoável”, ao qual fazem apelo o art.º 20º/4 da CRP, o art.º 12º do RRCEE e o art.º 6º/1 da CEDH, que não está legalmente definido e tem vindo a ser jurisprudencialmente concretizado pelos tribunais nacionais e pelo TEDH, numa jurisprudência que a sentença recorrida seguiu de perto.

  5. De acordo com a jurisprudência maioritária dos tribunais nacionais e TEDH, tem-se considerado como duração média aceitável de um processo, que não seja particularmente complexo, 4 anos na primeira instância e 6 anos na sua globalidade, quando haja recurso para os tribunais superiores.

  6. Foi com base nesta duração média considerada razoável que a Mma. Juiz concluiu que, tendo o processo tido a duração total de 9 anos, 7 meses e 1 dia, dos quais 8 anos, 5 meses e 23 dias na primeira instância, existiu um atraso de 5 anos, 5 meses e 23 dias, aos quais descontou o período de 2 anos e 1 mês, que entendeu ser imputável ao autor.

  7. Ao cindir a tramitação do processo, analisando separadamente a sua duração nas diferentes instâncias – para concluir ser atraso tudo o que excedeu os 3 anos de duração na primeira instância – a Mma. Juiz fez uma errada interpretação e aplicação do direito.

  8. Como resulta do probatório, da sentença proferida em primeira instância e que julgou a ação improcedente, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e, deste, para o Supremo Tribunal de Justiça, que ficou deserto por falta de alegações, tendo ainda sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional.

  9. Assim, porque a ação teve intervenção de três instâncias judiciais e do Tribunal Constitucional, a duração média aceitável a considerar é, não de 4 anos, como o fez a sentença recorrida, mas de 6 anos.

  10. Como a jurisprudência tem entendido, a duração do processo e a violação do prazo razoável têm que ser aferidos não ato a ato, isoladamente, ou instância a instância, mas atendendo à duração da ação na sua globalidade, independentemente dos tempos que em cada momento e em cada instância foram praticados.

  11. Assim, tendo a sentença recorrida considerado que o processo teve a duração global de 9 anos, 7 meses e 1 dia, apenas pode ser considerado excessivo o prazo de 3 anos, 7 meses e 1 dia que decorreu após os 6 anos que se considera ser razoável para a duração média de um processo, que não seja particularmente complexo, e no qual tenha sido interposto recurso.

  12. É sobre este período de 3 anos, 7 meses e 1 dia – e não sobre o de 5 anos, 5 meses e 23 dias considerado pela sentença recorrida – que terão que ser descontados os lapsos temporais cujo decurso foi da exclusiva responsabilidade do autor, 14. E esses períodos são superiores aos 2 anos e 1 mês de atraso que a sentença recorrida considerou não serem imputáveis ao Estado, mas às partes.

  13. Da matéria de facto resultaram provados os seguintes atrasos da exclusiva responsabilidade do, ora, autor e que, como tal, não são imputáveis ao réu Estado: - 21 dias, correspondentes ao período que o autor demorou a constituir mandatário, na sequência da primeira renúncia ao mandato por parte do seu advogado – alíneas F) e G) do probatório; - 10 dias, correspondentes ao período de tempo que o autor demorou a juntar documentos probatórios que, de acordo com as regras processuais, deveria ter junto logo com a petição inicial – alínea K) do probatório; - 1 ano e 1 mês, correspondente aos períodos de suspensão da instância a pedido das partes – alíneas L), M), N), S), T), U), V) e W) do probatório; - 1 ano e 28 dias (e não apenas um ano como considerado pela sentença recorrida), correspondente ao período que o autor demorou a constituir mandatário na sequência da segunda renúncia ao mandato por parte do seu advogado – alíneas X) e Y) do probatório; -2 meses e 27 dias, correspondentes ao recurso interposto pelo autor para o STJ e que foi julgado deserto por falta de alegações – alíneas CC) e DD) do probatório.

  14. Todos estes períodos de atraso, que totalizam 2 anos, 5 meses e 26 dias, têm que ser descontados ao tempo de duração excessiva do processo, uma vez que, sendo cada um deles da exclusiva responsabilidade das partes, não são imputáveis ao réu Estado, seus agentes ou a deficiente funcionamento dos serviços.

  15. Ou seja, ao período de duração excessiva do processo, de 3 anos, 7 meses e 1 dia, há que descontar 2 anos, 5 meses e 26 dias – e não 2 anos e 1 mês, como considerado na sentença recorrida -, correspondentes aos períodos de atraso que não são imputáveis ao réu Estado Português.

  16. Consequentemente, a demora injustificada na prolação de decisão, no presente caso, eventualmente geradora de obrigação de indemnizar, se se verificassem os demais pressupostos da responsabilidade civil, que não se verificam, seria apenas de 1 ano, 1 mês e 5 dias, e não de 3 anos, 4 meses e 23 dias, como considerado na sentença.

  17. Existiu, por isso, erro de julgamento relativo à contabilização do período de duração excessiva do processo imputável ao réu e ao funcionamento dos seus serviços.

  18. No que concerne aos danos sofridos, apenas consta da matéria de facto provada que: “JJ) Na pendência da acção judicial com o n.º 5545/06.6CLRS o Autor sentiu angústia, ansiedade e frustração – declarações de parte.” 21. A pendência de uma ação, realidade distinta da sua duração, como a jurisprudência tem entendido, gera normalmente ansiedade e angústia para a generalidade dos cidadãos, sendo certo que, nos termos do art.º 496º do Código Civil, apenas são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

  19. No caso, provou-se que o autor sofreu angústia, ansiedade e frustração, sentimentos comuns a todos os cidadãos com ações pendentes, mas não se provou nenhuma circunstância reveladora de um grau acrescido de gravidade.

  20. Para este efeito importa ter em conta que na ação, de natureza cível, pela qual o autor pretendia obter uma indemnização por alegado vício contratual - restituição do sinal em dobro ou em singelo -, estavam em causa valores meramente patrimoniais, 24. Tendo a ação sido julgada totalmente improcedente, na primeira instância e em sede de recurso, com decisão sobre o mérito, a situação do autor era no seu terminus exatamente a mesma que existia antes da propositura e, caso tivesse demorado menos tempo, nada na sua situação jurídica ou patrimonial teria sofrido alteração, uma vez que as suas pretensões não teriam sido atendidas, sendo certo que está em causa um período de duração excessiva de apenas 1 ano, 1 mês e 5 dias.

  21. Uma decisão proferida em tempo considerado razoável, só alteraria substancialmente a situação do autor se lhe fosse totalmente favorável, isto é, se determinasse a nulidade do negócio que havia realizado e a restituição do sinal, o que não aconteceu.

  22. Estando em causa um atraso mínimo – 1 ano, 1 mês e 5 dias –, numa ação de natureza patrimonial e na qual não estavam em causa bens pessoais, que foi julgada improcedente, o dano moral provado não tem gravidade que justifique a tutela judicial – cfr. art.º 496º do Código Civil – pelo que não está preenchido um dos pressupostos da obrigação de indemnizar: a existência de dano, ao contrário do considerado pela sentença recorrida.

  23. Acresce que a angústia, ansiedade e frustração que se provou que o autor sentiu foi na pendência da ação e não por causa da sua duração, como consta expressamente da alínea JJ) do probatório, circunstância especialmente relevante e que impede a verificação de outro dos pressupostos da responsabilidade civil: a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano, apurado de acordo com a teoria da causalidade adequada, consagrada no art.º 563º do CC.

  24. Para que existisse nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito era necessário que se tivesse provado que o autor sentiu angústia, ansiedade e frustração por causa da duração da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT