Acórdão nº 477/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | LINA COSTA |
Data da Resolução | 16 de Abril de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: C..... - C….. S.A.
(doravante C..... ou Recorrente), devidamente identificada nos autos de outros processos cautelares, em que é requerente contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P.
(IMT ou Recorrido) e a sociedade F..... Serviços Lda.
(F..... ou Recorrida), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 2.12.2019, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu indeferir a providência cautelar e, em consequência, absolveu a Entidade requerida e a Contra-interessada do pedido.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: “1ª A sentença ora recorrida, a sentença proferida pelo Snr. Juiz do TAC de Lisboa em 2/12/19 no Proc. nº 477/19, 3ª UO, a qual indeferiu a providência de suspensão de execução do contrato administrativo de gestão do centro de inspeção automóvel de Viseu celebrado em 17/12/18 entre o Recorrido IMT e a Recorrida F..... Lda, é nula por vício de omissão de pronúncia; 2ª Com efeito, na pi da ora Recorrente e para efeitos de aplicação do nº4, do art. 132º do CPTA, esta submeteu à apreciação do TAC de Lisboa os vários interesses que se pretendiam acautelar com o pedido de suspensão de execução do contrato; 3ª O primeiro interesse invocado foi a salvaguarda da sua posição financeira a fim de poder continuar a explorar o centro de inspeção de Viseu; 4ª O segundo interesse invocado foi a defesa dos consumidores dado estar a celebrar-se um contrato de gestão de um centro de inspeção com uma entidade que não era uma entidade autorizada a realizar a actividade de inspeção automóvel; 5ª E o terceiro interesse, o qual a então requerente não hesitou em qualificar como um interesse bem alto, era a independência dos Tribunais enquanto órgãos de soberania a quem constitucionalmente foi atribuído a tarefa de dirimir os conflitos de interesses particulares; 6ª Tratavam-se assim de questões essenciais à decisão do mérito da causa e que o Tribunal, enquanto assuntos que integravam o "thema decidendum", tinha de conhecer; 7ª Não se tratavam, pois, de simples motivos ou razões utilizadas para dar suporte argumentativo ao pedido formulado pela então Requerente; 8ª Porém, perante as três questões então colocadas, as quais constituíam as verdadeiras causas de pedir da providência, a sentença recorrida apenas se pronunciou sobre a referida na conclusão 3ª, nada tendo dito sobre as questões referidas nas conclusões 4ª e 5ª; 9ª E não há dúvida nenhuma de que uma das questões que não foi conhecida pela sentença recorrida, era e é uma questão fundamental ao próprio funcionamento do Estado de Direito; 10ª Assim é que, a então Requerente, perante as três questões colocadas ao Tribunal para efeitos de ponderação a que alude o nº 4, do art 132º do CPTA, afirmou claramente que o deferimento da providência era da maior importância para a salvaguarda da independência dos Tribunais; 11ª Por isso, não era só o interesse financeiro da ora Recorrente que ficaria em causa se a providência não fosse deferida, mas o interesse coletivo da absoluta necessidade de se respeitar a independência dos Tribunais enquanto marca essencial da nossa Constituição; 12ª É que, existindo um conflito judicial entre a ora Recorrente e a ora Recorrida F..... sobre questões jurídico-privadas em torno da posse e da propriedade do Centro enquanto estabelecimento, não podia o IMT vir a atribuir a gestão do centro de inspeção de Viseu à Recorrida F..... enquanto o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu não tivesse decidido, em definitivo, tal litígio; 13ª Caberia pois ao Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, conforme já o tinha decidido o Tribunal de Conflitos pelo seu Acórdão de 1/6/17, resolver tais questões, as quais se encontravam pendentes de decisão judicial à data em que o IMT determinou a celebração do contrato com a F.....; 14ª Não poderia assim o Recorrido IMT vir a proferir acto administrativo a ordenar a celebração do contrato administrativo de gestão do centro de inspeção de Viseu, atribuindo, por esta via, o direito à exploração do centro à ora Recorrida F..... enquanto o Tribunal Judicial de Viseu não decidisse, em definitivo, quem era o proprietário do centro enquanto estabelecimento; 15ª Por isso, ao fazer o que fez, contrariando o que sempre tinha decidido anteriormente (alíneas EE), HH) e JJ) dos factos provados) sobre ficar a atribuição da gestão do centro dependente daquilo que os Tribunais viessem a decidir, em definitivo, sobre o direito em disputa, o Recorrido IMT, por via administrativa, acabou por resolver um conflito entre particulares, violando assim a função jurisdicional constitucionalmente reservada aos Tribunais e, consequentemente, violando o Princípio da Independência dos Tribunais como suporte fundamental do Estado de Direito - artigos 2º, 202º e 203 da CRP; 16ª Assim, dado que a função em administrar a Justiça incumbe aos Tribunais e os Tribunais são os órgãos de soberania com competência para tal função, era imperioso que a sentença recorrida tivesse conhecido desta questão, ou seja, 17ª Saber se, para efeitos da ponderação a que alude o nº4, do art. 132º do CPTA e afim de ser proferida a decisão sobre a providência, era ou não de considerar o interesse colectivo na garantia da independência dos Tribunais, visto que, conforme o defendia (e defende) a Recorrente, a independência do Tribunal Judicial de Viseu tinha sido posta em causa pela deliberação do IMT de 30/11/18 que tinha determinado a celebração do contrato com a F..... sem que aquele tivesse aguardado pela decisão judicial que viesse a definir, com força de caso julgado, quem era o proprietário do centro enquanto estabelecimento; 18ª Esta era, pois, uma questão sobre a qual o TAC de Lisboa tinha de se pronunciar para proceder corretamente à ponderação de todos os interesses em presença e assim poder decidir a providência de suspensão de execução do contrato; 19ª Porém, não se tendo pronunciado sobre esta importantíssima questão, a sentença recorrida incorreu numa omissão de pronúncia pelo que a mesma é nula conforme o disposto no artigo 615º, nº1, alínea d), do CPC, nulidade essa aqui expressamente invocada perante V. Exas; 20ª Sem prejuízo da invocada nulidade, a verdade é que a sentença recorrida, ao não proceder à ponderação de todos os interesses que estavam em presença, acabou por violar o nº4 do art. 132º, do CPTA, sendo, por isso, ilegal; 21ª Assim, a primeira ilegalidade de que padece a sentença recorrida é a de, precisamente, não ter considerado o interesse colectivo que estava em presença nos Autos e que a ora Recorrente entendia que tinha sido violado pelo IMT quando deliberou celebrar o contrato administrativo de gestão do centro de Viseu com a Recorrida F....., a saber, a independência dos Tribunais; 22ª Daí que, neste segmento, se dêem aqui por reproduzidas as conclusões 9ª a 18ª, não se deixando de acrescentar que a suspensão da execução do contrato era absolutamente necessária para impedir que, por via de uma actuação administrativa do IMT- atribuição de um direito de exploração de um centro de inspeção cujo direito de propriedade ainda estava em discussão judicial, se subtraísse aos Tribunais Judiciais a sua tarefa de definir, com força de caso julgado, quem era o proprietário do centro; 23ª Deste modo, a actuação do Recorrido IMT através do acto de 30/11/18 e da consequente celebração do contrato em 17/12/18, traduziu-se numa abusiva e ilegal invasão da esfera de atribuições do Tribunal Judicial de Viseu, retirando-lhe o exercício da tarefa constitucional de administrar a Justiça em nome do povo e de dirimir, com independência, o conflito de interesses privados que existia entre a Recorrente e a Recorrida F.....- artigos 202º, nº2 e 203º da Constituição da República; 24ª Ao recusar deferir a providência de suspensão de execução do contrato sem tomar em consideração a salvaguarda do interesse colectivo que era (e é) a independência dos Tribunais, bem como a necessidade de salvaguardar a Paz Jurídica na comunidade, a sentença recorrida violou o nº4, do artigo 132º do CPTA e, consequentemente, os artigos 2º, 202º e 203º da Constituição da República; 25ª A sentença recorrida incorre numa segunda ilegalidade por errada aplicação do nº4, do art. 132º, do CPTA, em face dos factos que foram aí dados como provados; 26ª Invocou a sentença recorrida que os prejuízos alegados pela ora recorrente reportados aos anos de 2012 a 2018 não decorrerão do "acto suspendendo", mas sim do encerramento do centro que ocorreu em 2013; 27ª Porém, não tem razão, dado que uma coisa é o IMT decidir que não autorizava à ora Recorrente o reinicio da actividade do centro até que os Tribunais esclarecessem em definitivo o direito que se encontrava em disputa judicial, o que fez em 15/11/13 - alínea JJ) dos factos provados, e, 28ª Outra coisa, bem diferente, é o IMT deliberar a celebração do contrato administrativo de gestão do Centro de inspeção de Viseu com a parte com quem a ora Recorrente está em litígio judicial em torno da definição da titularidade do direito de propriedade sobre o centro enquanto estabelecimento, atribuindo à Recorrida F..... o direito à exploração do mesmo; 29ª Com efeito, foi o acto proferido em 30/11/18 que, ao determinar a celebração do contrato com a Recorrida F....., veio criar, em definitivo, a impossibilidade material de a ora Recorrente poder continuar a explorar o centro que tinha explorado desde 1997 até 2012; 30ª É, pois, este acto administrativo e não o acto proferido em 15/11/13, que define a posição final do IMT relativamente ao litígio que opunha a Recorrente e a Recorrida F....., determinando que é a F..... que tem o direito a explorar o Centro e não a ora Recorrente C.....; 31ª Deste modo, o Recorrido IMT ao definir em 30/11/18 a sua posição final perante tal litígio, tornou bem claro que a C....., a partir...
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