Acórdão nº 6597/13.8BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelMÁRIO REBELO
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: S………………………, SA.

RECORRIDO: Autoridade Tributária.

OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a impugnação judicial na sequência do acto de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRC n.º ………………, relativa ao exercício de 1992.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: i. As amortizações em causa, no montante total de 148.720.279$00, consideradas como custo fiscal pela Recorrente, respeitam a encargos com obras realizadas em virtude da entrada em funcionamento do empreendimento "C............", como contrapartida dada à Câmara Municipal de Cascais e à Junta Autónoma das Estradas no âmbito do protocolo celebrado com estas entidades.

ii. Como refere o Tribunal a quo, «Consiste a questão controvertida em saber se os encargos suportados pela Impugnante, com a construção de infra- estruturas, acessos e vias de comunicação adjacentes ao empreendimento "C.............." devem ou não, ser classificados como "Imobilizações Corpóreos".

iii. Como consta dos autos, tais infra-estruturas foram INTEGRADAS NO DOMÍNIO PÚBLICO, pelo que a Recorrente contabilizou as mesmas em imobilizado incorpóreo.

iv. Entende o Tribunal a quo que: «(...) tratando-se de despesas suportadas com a realização de infra-estruturas - vias de comunicação - não assiste razão à Impugnante, porquanto as contabilizou como "Imobilizado Incorpóreo, devendo sim tratar-se de benfeitorias a acrescer ao custo do bem a que se referem e como tal integram o imobilizado corpóreo.».

v. Os custos em causa foram suportados para realização de obras de infra-estruturas inteiramente alheias à Recorrente - dado que, como referido, as mesmas foram integradas no domínio público, pelo que não é nada que a Recorrente possa fazer seu; não é nada que a Recorrente possa restringir à utilização livre pelo público em geral; não é nada que a Recorrente utilize na prossecução do seu objecto social; não é nada que a Recorrente possa algum dia vender conjuntamente com o edifício que construiu.

vi. Resulta da prova documental junta aos autos - mormente do protocolo referido - que a realização de tais contrapartidas não foi constitutiva de quaisquer direitos para a Recorrente sobre as realizações físicas concretizadas.

vii. Resulta da prova testemunhal - mormente dos depoimentos das testemunhas C…………… e I……………… - tais infra-estruturas não foram consideradas pela Administração Fiscal para a determinação do valor patrimonial tributário do edifício da Recorrente, pelo que essas contrapartidas não representam um acréscimo do próprio edifício.

viii. Face à natureza das contrapartidas e face às restrições de posse e propriedade (que não pertencem Recorrente), não existe qualquer norma legal ou regulamentar a impor que tais verbas sejam imobilizadas conjuntamente com o edifício, o que apenas sucederia, quando muito, caso a Recorrente mantivesse sobre tais infra-estruturas um direito de propriedade, tendo em conta que só se imobiliza aquilo que é próprio (bens adquiridos para satisfação da actividade), sendo que o imobilizado corpóreo é precisamente o conjunto de bens que são propriedade da empresa e essenciais para o exercício e desempenho da sua actividade.

ix. Refere o Tribunal a quo que "A lei não nos dá um conceito de activo imobilizado quando é certo que tal definição resulta expressamente do Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo D.L. 410/89 de 21.11, e que, portanto, consta de lei.

x. De resto, paradoxalmente, o Tribunal a quo faz constar da sentença recorrida a seguinte definição de "Imobilizado Corpóreo" retirada do POC: «conjunto de bens tangíveis, móveis ou imóveis que a empresa utiliza, na sua actividade operacional, que não se destinam a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano, incluindo benfeitorias ou grandes reparações que sejam de acrescer ao custo daquele imobilizado.».

xi. Como resulta claro da definição legal constante do POC, o Imobilizado corpóreo não inclui bens ou valores de que as empresas não sejam sequer possuidoras, ou cuia disponibilidade lhes seja vedada - sendo que, quando faz menção ao facto de os bens não se destinarem a ser vendidos pressupõe-se, como parece óbvio, que os mesmos, em teoria, pudessem ser vendidos - precisamente por serem propriedade da empresa ou poderem vir a sê- lo - O QUE NÃO É O CASO DOS BENS DO DOMÍNIO PÚBLICO.

xii. As realizações físicas efectuadas pela Recorrente, no âmbito das contrapartidas atribuídas às entidades públicas, não podem ser havidas como "imobilizações corpóreas" e, consequentemente, integradas no valor dos edifícios, porquanto a Recorrente: não as utiliza na sua actividade operacional, uma vez que a actividade da Recorrente não passa, por exemplo, por locar essas infra-estruturas ou cobrar quaisquer quantias pela sua utilização; não as destina à venda ou à transformação, pelo simples facto de não poder dispor delas, dado que integram o domínio público, logo nunca mais pode considerar a sua disponibilização para o que quer que seja; não as vai manter por mais de um ano, pela mesma ordem de razões do ponto anterior, ou seja, a total indisponibilidade na sua utilização presente ou futura.

xiii. As infra-estruturas em causa, fazendo parte do domínio público, devem, outrossim, ser contabilizadas no activo imobilizado corpóreo da autarquia - de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) (cfr. Decreto-Lei nº 54-A/99, de 22 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 162/99, de 14 de Setembro), não fazendo qualquer sentido que as mesmas infra-estruturas integrem, simultaneamente, o activo imobilizado corpóreo de duas entidades diferentes - uma pública e uma privada xiv. Estabelece, a esse respeito, o artigo 18.º do D.L. 280/2007, de 07.08, que «Os imóveis do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objecto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado.».

xv. Aliás, o POCAL tem regras próprias para valorimetria de imobilizações de bens do activo imobilizado das autarquias obtidos a título gratuito - como é manifestamente o caso (Cfr. ponto 4.1.4 do Decreto-Lei n9 54- A/99).

xvi. Entende o Tribunal o quo que as despesas suportadas com a realização de infra-estruturas públicas constituem "benfeitorias a acrescer ao custo do bem a que se referem".

xvii. Ora, em primeiro lugar, remetendo para o conceito de "Imobilizado Corpóreo" constante do POC, apenas se consideram como tal as benfeitorias que sejam de acrescer ao custo daquele imobilizado - ou seja, aos bens que sejam propriedade da empresa, o que não é o caso.

xviii. Não faz qualquer sentido que possam ser amortizadas, conjuntamente com um bem, "benfeitorias" realizadas noutro bem diferente - o qual, ainda por cima, não pertence, nem nunca pertencerá à empresa.

xix. Em segundo lugar, nos termos da lei civil, benfeitorias são todas as despesas para conservação ou melhoramento da coisa (art. 216º/1 Cód. Civ.), e quanto ao sentido jurídico de coisa, há que considerar o art. 202º Cód. Civ., onde se contém a seguinte definição: “diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas." - onde precisamente estão excluídos os bens de domínio público.

xx. Assim, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorre num erro de princípio, porquanto sustenta, aparentemente, a sua decisão na definição de "imobilizado corpóreo" constante do POC, pelo facto de o mesmo fazer referência a benfeitorias, mas olvida que essas benfeitorias, para merecerem esse tratamento contabilístico, devem incidir sobre o imobilizado propriedade da empresa e não sobre bens alheios.

xxi. Constata-se, pois que, ao decidir como decidiu, incorreu o Tribunal a quo em errada interpretação e aplicação da lei, mormente do disposto no artigo 17.5 do Decreto Regulamentar n.º 2/90 de 12.01, do Plano Oficial de Contabilidade e do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais, e incorreu também em erro de julgamento - uma vez que, como resulta do acervo documental junto aos autos, as infra-estruturas construídas pela Recorrente reverteram para o domínio público e, portanto, não fazem, nem nunca poderão fazer, parte do activo...

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